quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Quem não tem medo de escuro?

Pesadelos são o flajelo da infância. Foi assim comigo, está sendo com meus meninos. O Pedro, coitado, está há dias tendo o mesmo pesadelo em que um ladrão mata quem com ele está e o ameaça de morte. O Antônio, ainda tão pequeno e alheio às mazelas de nossa sociedade, sonha frequentemente com o lobo mau atrás dele e, eventualmente, com o Michael Jackson o esganando. Mas o resultado é o mesmo. Os meninos acordam assustados. O Antônio sem pestanejar corre para o meu quarto para pedir que eu o coloque de volta na cama. Com sorte ele dorme rápido. Mas ela nem sempre está comigo. Já o Pedro  pede socorro eventualmente. Fica deitado na cama, no escuro, remoendo seu pesadelo e com medo de voltar a dormir. O que estou contando acontece em qualquer lugar: aqui em casa, no Japão, na Europa e até na Argentina do cartunista Liniers. É lá para as bandas do Sul que o protagonista de O que existe antes que exista tudo, editado pela Girafinha, é colocado na cama pelo pai e pela mãe. Já deitadinho, seu pai e sua mãe lhe dão boa noite, com o click do interruptor de luz. Aí começa o drama do menino, que é obrigado a conviver com seres que descem ao seu quarto pela abertura que a escuridão faz no teto. Até que chega aquele que existe antes que exista tudo e o menino corre para o quarto dos pais. A história de Liniers, quadrinista da série Macanudo publicado no jornal portenho La Nacion e na Folha de São Paulo, tocou meus meninos, que como o protagonista têm que conviver com estes monstrinhos noturnos que o medo dá à vida. O Antônio amou e pede para eu contar a história todas as noites, antes de Os três porquinhos. "Adorei esta história que você trouxe para mim", me disse ele, ontem à noite. O Pedro também gostou. Pudera, até eu amei a forma como Liniers conta um drama tão comum e, por isso, tão explorado pela literatura infantil. Destaque para as ilustrações maravilhosas que nos dão um cartel de monstros inesquecíveis. Tem até um gatinho com cara de amigo que o Antônio escolheu para ser o seu monstrinho. O único senão do livro é a troca de uma letra que faz tudo virar “tude” já no finzinho da história. Mas não compromete o encanto do livro que está super bem editado.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A vida e a morte podem deixar frutos

A morte e o envelhecimento são temas difíceis. Tão difíceis que muitas vezes nos furtamos de encará-los. Mas eles estão lá, no fundo de nossas emoções, nos assombrando. A nós e a nossas crianças até que alguém, como o escritor austríaco Christian Duda, radicado na Alemanha, resolve trazê-lo à luz e, com coragem, encarar de frente o incômodo que eles nos causam. Duda assim o fez em Todos os Patinhos, seu livro de estreia na literatura infantil e juvenil, editado no Brasil pela Cosac Naify, em 2009.
A história do encontro da raposa Conrado e do patinho Lourenço e da formação de uma improvável família servem para o autor tratar sem temor do curso natural da vida que nos leva ao envelhecimento e à morte. Mas este caminho pode ser profícuo, como nos propõe o autor, se ele for pavimentado pela certeza de que, em vida, nos demos para alguém que vai continuar nossa história. Mesmo que para isso tenhamos que, como Conrado, abrir mão de prazeres mais imediatos e previsíveis e viver uma história nada convencional.
A narrativa de Duda é rica em humor, como gostam as crianças, e lirismo para falar da relação construída entre Conrado e Lourenço. Relação tão intensa e verdadeira que nem mesmo o envelhecimento e a morte a ameaçam. Quando eles chegam, chegam com a calma dada pelas coisas inevitáveis e assim são vividos pela raposa e pelos patinhos. Da mesma forma que chegam para aqueles anciões, que, calmamente, se desenlaçam da vida por ter a certeza de que a viveram plenamente.
Isso, no entanto, não elimina o mal estar que o tema provoca. Mas nos oferece uma rara oportunidade para tratar do destino de todos os seres vivos com as crianças, que, mesmo caladas, sofrem com esta predistinação ao imaginar a morte delas e de seus pais.  
O drama de Conrado e Lourenço, no entanto, é amenizado pela força da narrativa de Duda, que encontra no traço vibrante das ilustrações da alemã Julia Friese, radicada na Irlanda, uma excelente parceria que rendeu prêmios na Alemanha e o selo brasileiro de Altamente Recomendável, concedido este ano pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil). O encontro entre autor e ilustrador de Todos os patinhos deu tão certo, que eles lançaram em agosto deste ano, na Alemanha, um novo livro para crianças – Schnipselgestrüpp, ainda sem tradução para o português.  
As ilustrações de Julia misturam tons fortes, recortes e colagens para nos criar a impressão de estarmos vendo um desenho animado. Julia não abre mão nem mesmo dos rabiscos iniciais das cenas descritas por seu traço. A força de seu desenho justifica as páginas duplas, nas quais, sem texto, as ilustrações são o único recurso narrativo. O impacto poderia ser ainda maior se Julia tivesse ousado e impresso o livro em um papel mais grosseiro do que o couché fosco, o que daria mais vida ao efeito rústico que a ilustradora dá ao cenário.  
De qualquer forma, Todos os patinhos é um belo livro para jovens leitores preocupados com os mistérios da vida e da morte. O texto de Duda e as ilustrações de Julia não lhes darão respostas, mas, com certeza, provocarão um rico diálogo interior na busca de preencher um pedacinho do vazio que a morte provoca a todos – crianças e adultos.


PS: Este texto foge do padrão dos relatos postados neste blog por ter sido produzido para o curso de pós-graduação em Literatura Infanto-Juventil da UFF. Antes de escrevê-lo, li o livro para o Pedro, meu filho de oito anos, que estava se divertindo com a narrativa de Duda até perceber a morte na história. Ele, como já falei aqui outras vezes, lida muito mal com este tema. Por isso, ouviu o resto da história com o olhar enevoado e ao fim disse que era chata. Chata para ele, antes e acima de tudo, é a morte. Para mim também, mas, como Duda, percebi que uma vida bem vivida pode dar sentido a ela. Espero que o Pedro também consiga perceber isso um dia. Até lá, o que fazer? Só lhe resta conviver com este mal estar, que atravessou quase todos os dias de minha vida.  

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Crescer sem perder a ternura

Ter dois filhos com idades tão diferentes, como eu tenho, é uma experiência e tanto. Quando um está indo com a farinha o outro está voltando com o pirão. Mas nem sempre o pirão é mais saboroso que a farinha, quando o assunto é literatura. O Pedro, com seus oito para nove anos, está ingressando no mundo real e se estranhando com as liberdades da literatura. "Mãe, isso é um absurdo", diz ele, quando depara-se com uma situação surreal. É mesmo, ele tem razão. Mas que importância tem isso, quando estamos viajando nas histórias. Será que elas têm que ser verossímeis? Não, é o que sempre digo a ele, na esperança de que o princípio de realidade - tão exaltado pelo racionalismo - não o impeça de curtir uma bela história. Já o Antônio, com seus três aninhos, nem se preocupa com isso. Ainda está na fase de curtir a fantasia sem questioná-la. Quanto maior o absurdo, melhor. Agora não, Bernardo, de David McKee, editado pela Martins Fontes, é um belo exemplo do que a fantasia pode produzir. A indisponibilidade do pai e da mãe de Bernardo colocam o menino frente a frente com um monstro. O Antônio achou super normal a presença de um monstro na história e pediu para ser ora o Bernardo, ora o monstro para poder experimentar a sensação de ser devorado e devorador. Já o Pedro ouviu a história ora como menino, ora como ouvinte incrédulo. O sorrisinho dele ao ouvir os comentários do Antônio, era seu esforço para bandear-se para o lado do adulto, que generosamente deixa a criança viver a fantasia. Já quando ele é o único ouvinte, à vontade pela falta de testemunhas, a fantasia lhe cai melhor. Meu esforço tem sido para que, nestes anos que o separam da vida adulta, ele aprenda que é possível crescer sem perder a ternura.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Para brincar de livro



Caramba! Tem um mês que não atualizo o blog. Tempo à beça. Tempo que fiquei enrolada com o trabalho, mas que não deixer de ler para meus pequenos. Foram vários livros para o Antônio e nem tantos para o Pedro, que já ouve histórias de mais fôlego. Meu pequenino, com seus três aninhos e um pouco, está impossível. Todas as noites na hora de dormir, senta-se em frente de sua estante e sai tirando todos os livros do lugar, derrubando vários de uma só vez e separando quase uma dúzia para eu ler. É claro que me nego a ler tantas histórias. Não que ele não mereça, mas ler todas significa dormir quando o ponteiro do relógio está quase dobrando mais um dia. Por isso, faço valer a regra que estabeleci para o Pedro, ainda pequeno. São no máximo três histórias. O Antônio, no entanto, nem sempre se submete a ela e passamos para uma quarta. Entre as lidas estão sempre histórias de lobos. "Três Porquinhos" ou "Os sete cabritinhos" estão entre as preferidas. Mas, na tentativa de ampliar o repertório do pequeno, tenho remexido na estante e passeado por livrarias para trazer novidades para ele. A tradução da versão original dos "Três porquinhos", do inglês Joseph Jacobs, que compõe o livro Contos de fadas, da Zahar, foi um sucesso. Os porquinhos da casinha de palha e de madeira acabaram na barriga do lobo, que, ao fim, foi jantado pelo porquinho da casinha de tijolos. Apesar de toda a violência, a versão original do lobo-mau encantou o Antônio. Minhas escolhas, no entanto, nem sempre deram certo. Kipper, esconda-me, do autor inglês Mick Inkpen, editado pela Fudamento, é um belo livro, mas não prendeu a atenção do Antônio, que só pensa em porquinhos, cabritinhos e lobos. Mas a história é deliciosa e vale a pena. Os personagens interagem com o livro, fazendo da aventura de um cachorro, um gato e um rato um divertido e criativo exercício de metalinguagem para crianças pequenas. Apesar do Antônio ter se dispersado vários vezes, a leitura foi bastante divertida. O Pedro, que acompanha de perto todas as novidades que trago para o irmão, aprovou a brincadeira de Kipper e seus companheiros. Por isso, vou insistir com o Kipper. Este cachorrinho ainda vai conquistar o Antônio. Tenho certeza!