sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma Minas Gerais que me toca o coração

Tebas faz parte dos meus sonhos em quase todas as minhas noites. Em sonho, passeio pela casa que foi minha, entro no meu quarto, procuro o que perdi ali há 30 anos e nem sei o que é. Mas não deixo de voltar, procurar meus fantasmas e conversar com meus mortos. Mortos em vida. Mortos pelo abandono. Mortos pelo mudar dos rumos da vida. Mas eles estão lá, como um marco, um porto seguro, uma tarde que não teve fim. Eles fazem parte de uma Luciana que quase ninguém conhece, mas que tem raízes profundas na adulta que sou. Uma Luciana que correu solta pelos campos de pés descalços, que andou em casas de prostitutas e de santas, que chorou de saudades de uma cidade cada vez mais distante e conheceu um mundo em vias de desaparecer. Um mundo onde bichos e gente se misturavam nas ruas de pedra ou de barro, em que era preciso atravessar rios alagados, com a roupa limpa em um saco em cima da cabeça, para sair formosa para os bailes de perto e de longe. Um mundo onde crianças e adolescentes se misturavam em times de vôlei, passeios de bicicleta e banhos de cachoeira. Um mundo em que, nos fins dos anos 70, ainda se lembrava da escravidão e havia clubes de brancos e de negros. Um mundo em que todos se conheciam e meninas andavam de mãos dadas cantando sucessos da MPB. Um mundo de praças, em que se vigiava a vida dos outros pelas frestas das janelas e pequenas novidades eram esperadas ansiosamente. Pequenas novidades, como circos com meninos vendendo pirulitos de açúcar queimado; touradas, não importava se com touros ou vacas; e acampamentos de ciganos. Foi com esse mundo, ainda nas minhas retinas, que li com emoção Ciganos, de Bartolomeu Campos de Queirós, editada pela Global, com belo projeto gráfico de Eduardo Okano sobre ilustrações de Pierre Derlon. A pequena cidade em que o "menino feito de coragem e medo" presencia a chegada de um grupo cigano poderia ser Tebas. E o é nas mulheres com cadeiras na calçada e adultos de pouca conversa com as crianças. No medo que o pai desperta no menino e seu enorme desejo de ser amado por ele. No olhar por sobre as montanhas das Gerais, de onde se pode sonhar com o mar e uma vida que nem se sabe qual é. No viver o tempo de uma maneira que as pessoas da cidade nunca vão entender e é descrita com maestria por Bartô, no trecho em que fala dos ciganos indo embora. "Sem saber se haveria regresso, a saída dos ciganos deixava, nos habitantes da cidade, um vazio impossível de ser preenchido com rezas, novenas, paciência. Era como se a alma ficasse, de repente, desabitada. Contudo, o amor clandestino e suspenso, inaugurado pelos viajantes, era compensado quando os olhos encontravam o terreno vago, ao lado da igreja, aguardando a próxima visita inesperada." Belo livro que mereceu cada prêmio que ganhou.
PS: Para quem quer saber, os prêmios são o Jabuti de Literatura Juvenil, em 1993, o selo Altamente Recomendável da Fundação de Literatura Infanto-Juvenil e a indicação para o Prêmio Bienal Banco Noroeste de Literatura.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Memória, fantasia e a história de cada um

Sempre me preocupei em me fazer presente depois da morte. Imagino meus filhos daqui a anos, com a vida feita e já sem mim, lendo este post e tentando reconstruir na memória o calor do abraço materno. Com certeza é essa a minha maior motivação para fazer este blog. Contar nossas impressões de leitura não foi uma escolha aleatória. Privilegiei este momento por ser à noite, lado a lado na cama para ler histórias, que nós passamos os momentos mais calmos de nosso dia. O ritual começa com a escolha do livro e continua com meu esforço para dar vida, com  minha voz, a tantas aventuras e personagens que encantam meus meninos. Esse momento mágico já até conquistou o Cadoca, que, em várias noites, se junta a nós para ler para um dos garotos. É nessa hora que o Pedro me conta alguns fatos do seu dia e que o Antônio se chega mais, pedindo que eu o proteja do medo do escuro. Por isso, cada vez mais tento encontrar boas histórias para ler para os meninos. Driblo, nas estantes das livrarias, os títulos que se preocupam mais em resolver questões dos pais e dos filhos para achar aquelas histórias raras, que acendem a imaginação das crianças. É esse mundo mágico que vale a pena viver. Quando somos crianças, como meus filhos, buscamos a fantasia de bichos falantes, super poderes e situações que desafiem a realidade. Quando crescemos, como eu e o Cadoca, ficamos sonhando com um mundo mais justo, homens mais solidários e uma vida mais centrada na existência e menos pautada pelo sucesso e o consumo. É a imaginação que nos faz criar. Por isso, aposto no maravilhoso para educar meus filhos. O Antônio, com 4 anos, ama a fantasia acima de tudo, apesar de já perceber que há uma vida real em que ela tem pouco espaço. "Mamãe, não é que os bichos só falam nas histórias? Na vida real, eles não falam, né?", me pergunta mil vezes durante o dia, como que para se certificar de uma percepção ainda recente. Já o Pedro, com 9 anos, não tem mais dúvidas sobre a diferença entre livros e filmes e a realidade, mas ainda tateia nas possibilidades do mundo real. Ele, como a maioria de seus amigos, sonha em ser jogador de futebol, mas não faz nada para isso. Prefere ficar deitado na cama vendo os filmes de Harry Potter e lendo suas aventuras do que andar um quarteirão, mas tem certeza de que vai ser um Ronaldinho no futuro. E o Antônio, apesar de todas as suas dúvidas, ainda curte as histórias maravilhosas em que bichos falam, macacos têm asas, meninas voam em sapatinhos encantados e crianças são pequeninas como um dedal. Agora ele está encantado com Midinha, uma adaptação do conto Thumbelina, de Hans Cristian Andersen, em que uma menina do tamanho de um dedo mindinho, que nasceu de um feitiço para agradar a sua mãe/dona que tanto queria filhos, tem que passar por uma série de desventuras até encontrar a liberdade e sua própria história. Um pouco da vida de cada um de nós, em nossa saga do crescimento e da independência. Na primeira leitura, o Antônio acompanhou a história com bastante atenção para não perder a sucessão de fatos e pessoas que vão acontecendo na vida da menina. Ao fim, me fez prometer que Mindinha, em uma edição da Manole, seria o livro do dia seguinte. A promessa foi cumprida na voz do Cadoca. Enquanto ele ouvia o pai, eu estava na cama ao lado, lendo Harry Potter para o Pedro. Embarcados na fantasia de crianças minúsculas e aprendizes de bruxos os dois dormiram felizes em busca de um novo dia. Olhando o Pedro e o Antônio, fiquei desejando, mais uma vez, que eu e o Cadoca possamos sempre estar perto de nossos meninos, nem que seja apenas na memória de cada um deles. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Umas lavadeiras pra lá de fuzarqueiras

As lavadeiras fuzarqueiras, de John Yeoman, ilustrado por Quentin Blake, é um daqueles livros que merecem uma especial atenção. A história das sete lavadeiras que trabalhavam para o senhor Baltazar Durão é tão bacana que até me perguntei se não era um daqueles contos populares, que, com imaginação e humor, registram nossa história e nos permitem refletir sobre os conflitos do ser humano. Mas acho que não. Pelo menos não há qualquer referência, na edição da Companhia das Letrinhas, de que a história seja colhida da tradição oral. Não importa. O que a torna tão especial é a forma leve, engraçada e claríssima com que os dois ingleses, autor e ilustrador, contam para crianças a história de um grupo de lavadeiras que, depois de anos de exploração, resolve se rebelar contra seu patrão e seguir rumo à liberdade. Liberdade para fazer uma fuzarca ou para escolher seus pares. Os desenhos a bico de pena e aquarela de Quentin Blake ajudam a dar o tom de registro à narrativa ao desenvolver com humor e movimento as aventuras das fuzarqueiras, com destaque para a figura franzina e emproada do senhor Durão. Sua figura não deixa dúvidas de que ele, além de sovina, é um explorador. A narrativa de John Yeoman, dessa forma, é construída em parceria com a ilustração de Quentin Blake - um dos mais importantes ilustradores da atualidade - e não nos deixa outra alternativa a não ser esconjurar o senhor Durão e torcer pelas lavadeiras, que, livres das pilhas de roupas, podem seguir "felizes, lenhando e aproveitando a vida a valer".  Eu e o Pedro adoramos o livro e aproveitamos para falar um pouco sobre o velho e feio hábito que os homens têm de explorar seus semelhantes. Mesmo que essa exploração tenha deixado de lado o fraque e a cartola do senhor Durão e se travestido com as roupas sutis e sofisticadas da modernidade. As lavadeiras não nos deixam esquecer que, com certeza, a história não acabou.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Um cavaleiro, um dragão e a magia dos livros

Aproveito a pós em LIJ da UFF para ampliar meu repertório com o Antônio. Isso é uma tarefa difícil, já que ele normalmente rejeita as novidades e os livros saídos da estante do Pedro. Todas as noites ele quer as mesmos histórias. A repetição é tanta que muitas vezes digo não. "Não aguento mais ler esse livro, Antônio. Vamos escolher outro". Mas ele, como diz o Pedro, é marrento e bate o pé. Em alguns dias cedo, em outros não. Depende do meu humor ou, melhor dizendo, do meu mau humor. Há também os dias em que ele, surpreendentemente, aceita uma ou outra novidade. Foi o caso de O Cavaleiro e o Dragão, de Tomie de Paola, que eu trouxe da biblioteca do Proale (Programa de Alfabetização e Leitura) da UFF. O livro, já fora do catálogo da Editora Moderna, é uma das pequenas preciosidades traduzidas pela nossa escritora Ana Maria Machado. A capa já nos seduz, com um grande e simpático dragão de um lado e um paramentado cavaleiro de outro. Os dois protagonistas da história são também antagonistas e passam quase todo o livro se preparando para uma batalha. A grande sacada de Tomie de Paola foi criar uma bibliotecária, personagem estranha aos romances de capa e espada, que alimenta a luta com livros sobre armaduras e habilidades dos combatentes e, no fim da história, reaparece para engendrar um desfecho inesperado. A presença da bibliotecária é discreta, mas essencial, o que nos faz pensar que talvez ela seja a maneira de Tomie de Paola dizer para seus pequenos leitores que a leitura pode ser uma experiência revolucionária. Isso sem qualquer didatismo ou militância pró-formação de leitores. Apenas com seu traço inspirado e uma ideia muito bacana que garantem humor e humanidade ao livro. Em muitas páginas, a ilustração é o bastante para acompanharmos a história, fazendo com que O Cavaleiro e o Dragão se encaixe na definição norte-americana de livros de imagens, em que texto e ilustrações travam diálogo essencial para o entendimento da história. São essas qualidades que fazem com que O Cavaleiro e o Dragão, lançado em 1980 e editado no Brasil, em 1999, ainda valha a pena. Faça como o cavaleiro e o dragão e vá a uma biblioteca curtir um pouquinho das ilustrações e do humor de Tomie de Paola ou, como eu, e garanta o seu em um sebo. Com um exemplar aqui em casa, posso ter sempre a mão o livro que entrou no rol dos preferidos do Antônio, totalmente cativado pela magia da história que, de tão bacana, conquistou até o Pedro. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Antônio sabe fazer mágica

Confesso que muitas vezes vi Anton sabe fazer mágica, de  Ole Konnecke, editado pela Martins Fontes, nas prateleiras das livrarias e me perguntei se ele funcionaria com as crianças. O achava muito simplório e o deixava para lá. Até que resolvi testá-lo e percebi outro dos meus erros. Anton é um livro de magia perfeito para os pequenos leitores. O ilustrador alemão Ole Konnecke apelou para a simplicidade do raciocínio das crianças na apresentação do menino Anton, tentando fazer mágica. Anton é um menino como outro qualquer da faixa dos três ou quatro anos. Ele é crédulo e ao mesmo tempo malicioso para criar as situações descritas no livro. O projeto gráfico do livro também aposta na simplicidade para criar empatia com o pequeno leitor. Ole explora basicamente o amarelo, o laranja e o branco, além de um ou outro tom ocre para destacar as formas. E Anton sai a campo, animado com seu chapéu mágico,  testando seus poderes. As situações se desenrolam de maneira a fazer com que o menino se convença de suas habilidades e a divertir os pequenos leitores, como o Antônio. Meu menino se diverte ainda mais no fim do livro, quando Anton convence seu amiguinho Lucas, até então, incrédulo de suas habilidades, de que ele sabe fazer mágica. Ele ri um bocado e comenta, com sua fala apressada., as trapalhadas de Anton. Dá vontade de sapecar um beijo na bochecha dele, que, mesmo sem o chapéu de Anton, sabe fazer mágicas com o meu humor. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O carisma do bruxinho Harry

Confesso que até o Pedro apaixonar-se pela saga de Harry Potter e assistir exaustivamente aos oito filmes da série, achava o bruxinho da escritora inglesa J.K. Rowling uma bobagem. Um julgamento, confesso, baseado em meu preconceito contra os best sellers e os blockbusters. Meu erro foi imperdoável. A saga de Harry em busca da superação de seu abandono e de seu rival, Lord Voldemort, não pode e nem deve ser ignorada. Eu estou descobrindo a riqueza simbólica da história, com a leitura que estou fazendo com o  Pedro dos sete livros da saga. Estamos  apenas no começo, terminando o primeiro volume - A Pedra Filosofal - mas já dá para entender o enredo da história. Iniciamos a leitura sem que eu tenha visto um único filme da série. Vi muitas cenas, nas inúmeras vezes que cruzei com o Pedro os assistindo na TV, mas nunca entendi direito a história do bruxinho. Minha ignorância em relação ao mundo de Harry e seus amigos, Rony e Hermione, me deu um olhar quase neófito sobre a saga, que mistura elementos de literatura policial e juvenil, no estilo escola interna em que as amizades, amores, lealdades, rivalidades, ódios e trapaças podem ser vividos radicalmente. Harry, em sua busca pela superação, experimenta várias emoções e vai crescendo com a torcida de seus milhões de fãs. Mas é inegável que os filmes, lançados sempre na esteira do lançamento literário, fazem a história ter outro tom e apelo. É impossível ignorar em minha leitura a carinha de Harry, a deformidade de Voldemort e a imagem dos meninos jogando Quadribol nos filmes. Os elementos da narrativa de Rowling e a leitura cinematográfica de sua obra estão intimamente ligados e trabalhando para construir o carisma do bruxinho que, criado com um trouxa, vai para a Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts encontrar sua história e seu destino. Por enquanto, só lamento uma coisa. A prosa de Rowling não estar à altura de sua engenhosa imaginação. No mais, que venham os outros seis volumes de Harry Potter, editados pela Editora Record.