terça-feira, 10 de abril de 2012

Tecendo histórias, noite após noite

Em nova fase, dormindo cedo para acordar mais cedo ainda, o Pedro sempre chega à hora de deitar-se caindo de sono, o que o faz muitas vezes rejeitar as histórias que ofereço. Cada vez que diz não à minha intenção de ler para ele, lembro do enorme tempo que dedica à TV e à internet e penso que minha luta para trazê-lo para um mundo de leitores ainda não acabou. Chegamos, nós dois, a conversar sobre isso, sobre as possibilidades da leitura para vencer o tédio que toma conta das crianças às vésperas da adolescência e de como alguns personagens mexem com nosso imaginário e, assim, desvendam um mundo interior até, então, envolto em névoas. Ele ouviu atento, disse que gosta de histórias, mas que só gosta de ler, com suas próprias pernas, alguns poucos livros. Pensei que talvez esteja na hora de levá-lo a uma livraria para que escolha suas leituras. Mas enquanto este momento não vem, decidi prender a atenção de meu menino com As mil e uma noites, a coletânea de contos árabes iniciada pela fantástica história de Sherazade para livrar seu povo da fúria do Rei Shariar, que depois de traído resolve dormir cada dia com uma virgem e entregá-la, ao amanhecer, à morte. Sherazada buscou no fascínio dos contos um estratagema para manter-se viva e, noite após noite, poupar uma moça de seu povo. O rei, encantado com as histórias, a mantém viva por mil e uma noites, até que desiste de sua vingança para viver a seu lado. As histórias são realmente fascinantes pelo mundo exótico que apresentam e pela violência vivida com naturalidade, sem os floreios dos contos tradicionais europeus que ganharam, nos últimos séculos do segundo milênio, cores mais suaves do as originais. Li sem medo as histórias apresentadas por Sherazade ao despótico Rei Shariar para o Pedro, que espantou-se mais com as diferenças culturais da vida dos personagens do que com a violência por eles vivida. Interrompeu a leitura de Ali Babá e os 40 ladrões para entender como um homem casado promete casar-se com sua cunhada, que acaba de enviuvar de seu irmão. A violência, naturalizada por um contexto fantástico, não o chocou, como não choca a nós adultos. Ao fim de duas noites, Pedro, assim como Shariar, estava totalmente ganho para o universo fantástico prometido por uma boa história. Só não sei por quantas noites.
Em tempo: a edição que estou lendo para o Pedro é a da Cosac Naify, destinada a jovens leitores. As mais belas histórias das mil e uma noites, reunidas pela holandesa Arnica Esterl, ganham belíssimas ilustrações da russa Olga Dugina. As ilustrações de príncipes, princesas, ladrões e animais contribuem ainda mais para que o leitor embarque no universo oriental dos contos e faz do livro uma preciosidade para adultos e crianças. Mas como a edição só traz cinco contos, decidi comprar a tradução de Ferreira Gullar para As mil e uma noites, da Editora Revan. O livro, que ainda está sendo aguardado aqui em casa, não tem o mesmo apelo gráfico da edição da Cosac Naify, mas, em compensação, tem o texto de Gullar sobre a primeira coletânea publicada no Ocidente, em 1704, pelo francês Antoine Galland. São 18 histórias selecionadas e traduzidas por Gullar, que vão garantir mais algumas noites de boas histórias aqui em casa.

2 comentários:

Luis Santos disse...

Luciana, descobri seu blog a pouco tempo e imediatamente ele entrou para a lista dos blogs assinados em meu Google Reader.

Criei um folder chamado "Literatura infantil" no Google Reader, onde reside seu querido blog, junto com os companheiros "Passaporte Mágico", "Roedores de livros" e o blog da Lucia Hiratsuka.

Mas confesso que fiquei um pouco surpreso, quase chocado, com essa frase sua: "Pensei que talvez esteja na hora de levá-lo a uma livraria para que escolha suas leituras."

Como assim?

É claro que você pode escolher um livro para ele, mas você nunca o deixou livre, leve e solto numa livraria, para que pegue, repegue, mexa, remexa, experimente, delicie-se e, finalmente, escolha o seu livro?

Qualquer tentativa de cultura sem liberdade nos transforma em meros aprendizes. Aprender é fácil. Precisamos de crianças que se tornem adultos capaz de apreender a informação, e não somente absorvê-la.

A chave de tudo isso é a liberdade, de forma que o aprendizado, de qualquer coisa, não deixe ter a sua fluência e naturalidade transformadoras.

Luciana Conti disse...

Oi, Luís, te confesso que não é hábito aqui em casa sair com as crianças para compras. Sejam elas da natureza que for.
Mas isso não impede o Pedro de escolher suas leituras. Ele tem acesso a uma bela biblioteca na escola, onde pode levar o livro que escolher, e a muitos livros aqui em casa. Além disso, compro todos os que ele me pede, como Diário de um Banana, Pequeno Nicolau, Capitão Cueca e Harry Potter.
Todas as vezes que passamos por uma livraria, entramos. Com ele e seu irmão menor. Mas confesso, mais uma vez, que não compro tudo que lhes encanta. Se você prestar a atenção nas seções infantis verá que os destaques são sempre livros brinquedos ou lançamentos. Acho que devemos sim mostrar para as crianças que nem tudo que lhes chama a atenção é legal e merece ser comprado.
Eu fui criada lendo o que havia em casa, na casa dos meus avós e em bibliotecas e me tornei leitora. Fui frequentar livrarias, quando tive o meu dinheiro e condições de driblar a pressão do vendedor.
Que a gente possa sempre trocar ideias.
abs
Luciana Conti