quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Hugo Cabret, depois de Scorsese

Depois de muito brigar com o Pedro, que implorava para não ir, saímos todos rumo ao cinema para assistir A invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese. Ingressos na mão e a lembrança do livro de Brian Selznick, que deu origem ao filme, na cabeça, eu tinha certeza de que teríamos um ótimo programa de fim de domingo. Não me enganei! O Pedro amou, o Antônio prestou atenção até quase o fim da exibição e eu e o Cadoca ficamos felizes de ver um filme com as crianças que agradasse a nós todos. A razão desse sucesso é unica e exclusivamente o lirismo da história de Selznick e a belíssima reconstituição do universo do livro pelas lentes de Scorsese. Selznick criou uma história onde o cinema está sempre presente, mesmo antes do desfecho do mistério que move Hugo Cabret por toda a narrativa. É justamente na narrativa que o livro inova e encanta. A história é contatada em prosa e imagens. Digo imagens e não ilustrações propositadamente. Os desenhos de Selznick  em O mistério de Hugo Cabret não podem ser classificados como ilustrações. Eles fazem parte da história, substituindo o texto, como se fossem  cenas de cinema, imaginadas por Selznick, muito antes de o livro ir parar na telona, em desenhos de produção, os storyboards. Esse recurso foi usado pela primeira vez pelo cineasta Georges Méliès, personagem central do mistério a ser desvendado por Hugo Cabret. Os desenhos feitos a grafite são tão realistas que o Antônio, depois de assistir ao filme, viu o livro na minha cama e ao abri-lo reconheceu a história que vira no cinema. Ele, para meu espanto, foi folheando o livro e recontando o filme. Diante da minha cara de espanto, Antônio me disse: "Eu não preciso saber ler para ler este livro". Ele tem razão. Mas lendo apenas o que viu na tela do cinema ou nos storyboards do livro, Antônio, é claro, ignorou as diferenças entre a narrativa de Selznick e a de Scorsese. Elas não são muitas e não mudam a história, devo admitir, mas mudam o clima em que ela se passa. A relação de Hugo Cabret e Isabelle não é tão doce quanto a mostrada por Scorsese. Selznick explora bem mais, que o cineasta nos deixa perceber, o fio da navalha sobre o qual menino Hugo anda e que separa o bem do mau. Isabelle também não é tão ingênua, como no filme que me encantou e fez chorar. O livro - ainda bem que o li depois de ver a versão de Scorsese - me deu a  possibilidade de viver esta maravilhosa história novamente, com novas surpresas, alegrias e tristezas. Espero que o Pedro, assim como capitulou diante da beleza do filme, um dia se aventure nas páginas de Selznick. No dia seguinte da sessão de cinema, ele folheou o livro com interesse e ficou encantado com os belos desenhos de sua narrativa. Mas  não o pegou para ler. Essa aventura vai ficar por conta de sua vontade. Não tenho dúvidas de que ela é uma narrativa para se vencer sozinho, sem a ajuda ou a interferência de ninguém. A única que vale é a de Scorsese, que transformou o sonho, que Selznick nos propõe, em cinema. Até o recurso do 3D valeu para tentar reconstruir a surpresa dos primeiros dias da sétima arte. O trem dos irmãos Lumière não nos atropelou, mas esteve lá, ameaçador no sonho de Hugo Cabret, como um aviso de que o cinema ainda tem muitas emoções a nos oferecer.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Um menino travesso apaixonado pelo Pequeno Nicolau

Aqui em casa muita coisa mudou com a chegada de fevereiro. O Pedro fez 10 anos, passou para o quinto ano e, por isso, para o turno da manhã da escola. Isso significa muito, apesar de parecer pouco. Significa que temos que acordar diariamente às 6h10 e dormir antes das 22h. Significa adiantar mais uma vez meu relógio biológico, que, por anos, acostumou-se a desligar altas madrugas e religar quase no meio do dia. O primeiro impacto da maternidade já me fez dormir por volta de meia noite para acordar entre 8h e 9h. Agora, mais uma vez, uma mudança. Uma mudança que, além de estar me matando de cansaço, está fazendo com que eu e os meus meninos não tenhamos mais nossas leituras noturnas. O Pedro quase nunca quer ouvir histórias quando deita na cama, exausto de um dia cheio, e dorme quase instantaneamente. O Antônio quer suas histórias, mas nem sempre dá tempo de lê-las. Isso me entristece, afinal, ler para eles sempre foi um prazer. Olho na estante, esquecidos, livros da série do Pequeno Nicolau, de Goscinny e Sempé, que voltaram a encantar o Pedro, e me pergunto quando vamos retomá-los. Sua alma de menino travesso ri ao ouvir as maluquices de Nicolau. Não a toa ele me pediu para comprar os livros que faltavam para que nós completássemos a série e me confessou que vai  ficar muito triste quando lermos o último. Temos como alento o fato de ainda faltar ler dois dos cinco títulos editados pela Martins Fontes e cinco dos oito, da Rocco Jovens Leitores. E o Pedro continua curtindo a leitura e descobrindo que o Nicolau vai poder seguir com ele pela vida, assim como segue com o João Pimentel, um amigo nosso quarentão, que é mais um apaixonado pelo menino criado por Goscinny e Sempé. Na noite de sexta passada, eu e o Cadoca, já da porta, o vimos sentar-se na cama para ler sozinho Os vizinhos do Pequeno Nicolau, da Rocco Jovens Leitores. Ficamos felizes de ele ter tomado essa iniciativa. Mas sabemos que isso não se repete todos os dias e eu queria poder, por algum tempo mais, garantir o rico universo de histórias para meu filho mais velho. Pro Antônio, ainda pequetito, e começando a decifrar as primeiras letras, isso é um compromisso que volta a valer, assim que eu me habituar ao novo horário. Palavra de mãe!

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Um livro para educar o olhar

Nunca ouvira falar de A vassoura encantada, do americano Chris Van Allsburg, editado pela Ática, até há pouco, quando descobri o livro nas estantes da Livraria Luzes da Cidade, em Botafogo, onde me refugiei por alguns minutos em um desses dias quentes do verão carioca. Na hora em que o vi, enorme, de formato incomum - 21 cm por 34 cm -, com capa dura marrom, nem imaginava que se tratava de mais uma obra do autor de O Expresso Polar, que foi um sucesso nas telas de cinema. Nem podia. Uma falha do livro é não trazer o nome de seu autor na capa. A outra é não nos dar informações sobre o papel usado na edição e as técnicas de ilustração do autor/ilustrador. Sei que nem todas os livros têm essas informações, mas no caso de uma obra em que as ilustrações são tão belas e importantes em sua leitura, acho que valia o luxo. A vassoura encantada é, com certeza, um daqueles livros que contribuem para a educação do olhar de nossas crianças. Os livros ilustrados e bem ilustrados - acreditam muitos e eu também - não são apenas um atrativo da industria editorial, mas, sobretudo, uma oportunidade para as crianças descobrirem o prazer e as possibilidades simbólicas que uma bela imagem podem lhes proporcionar. Ainda mais em um país, como o nosso, em que museus e exposições de artes plásticas são raros eventos. Os meus meninos adoraram. A história de uma vassoura de bruxa que perde sua força encantou os dois - coisa rara esta unanimidade - por seu caráter fantástico e por seu texto envolvente, além de proporcionar o prazer de curtir tão belas ilustrações. No mais, a leitura de A vassoura encantada reforçou em nós a crença de que a vida pode nos surpreender, ainda mais quando ela corre no ritmo de uma bela história, como essa de Allsburg.