A morte e o envelhecimento são temas difíceis. Tão difíceis que muitas vezes nos furtamos de encará-los. Mas eles estão lá, no fundo de nossas emoções, nos assombrando. A nós e a nossas crianças até que alguém, como o escritor austríaco Christian Duda, radicado na Alemanha, resolve trazê-lo à luz e, com coragem, encarar de frente o incômodo que eles nos causam. Duda assim o fez em Todos os Patinhos, seu livro de estreia na literatura infantil e juvenil, editado no Brasil pela Cosac Naify, em 2009.
A história do encontro da raposa Conrado e do patinho Lourenço e da formação de uma improvável família servem para o autor tratar sem temor do curso natural da vida que nos leva ao envelhecimento e à morte. Mas este caminho pode ser profícuo, como nos propõe o autor, se ele for pavimentado pela certeza de que, em vida, nos demos para alguém que vai continuar nossa história. Mesmo que para isso tenhamos que, como Conrado, abrir mão de prazeres mais imediatos e previsíveis e viver uma história nada convencional.
A narrativa de Duda é rica em humor, como gostam as crianças, e lirismo para falar da relação construída entre Conrado e Lourenço. Relação tão intensa e verdadeira que nem mesmo o envelhecimento e a morte a ameaçam. Quando eles chegam, chegam com a calma dada pelas coisas inevitáveis e assim são vividos pela raposa e pelos patinhos. Da mesma forma que chegam para aqueles anciões, que, calmamente, se desenlaçam da vida por ter a certeza de que a viveram plenamente.
Isso, no entanto, não elimina o mal estar que o tema provoca. Mas nos oferece uma rara oportunidade para tratar do destino de todos os seres vivos com as crianças, que, mesmo caladas, sofrem com esta predistinação ao imaginar a morte delas e de seus pais.
O drama de Conrado e Lourenço, no entanto, é amenizado pela força da narrativa de Duda, que encontra no traço vibrante das ilustrações da alemã Julia Friese, radicada na Irlanda, uma excelente parceria que rendeu prêmios na Alemanha e o selo brasileiro de Altamente Recomendável, concedido este ano pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil). O encontro entre autor e ilustrador de Todos os patinhos deu tão certo, que eles lançaram em agosto deste ano, na Alemanha, um novo livro para crianças – Schnipselgestrüpp, ainda sem tradução para o português.
As ilustrações de Julia misturam tons fortes, recortes e colagens para nos criar a impressão de estarmos vendo um desenho animado. Julia não abre mão nem mesmo dos rabiscos iniciais das cenas descritas por seu traço. A força de seu desenho justifica as páginas duplas, nas quais, sem texto, as ilustrações são o único recurso narrativo. O impacto poderia ser ainda maior se Julia tivesse ousado e impresso o livro em um papel mais grosseiro do que o couché fosco, o que daria mais vida ao efeito rústico que a ilustradora dá ao cenário.
De qualquer forma, Todos os patinhos é um belo livro para jovens leitores preocupados com os mistérios da vida e da morte. O texto de Duda e as ilustrações de Julia não lhes darão respostas, mas, com certeza, provocarão um rico diálogo interior na busca de preencher um pedacinho do vazio que a morte provoca a todos – crianças e adultos.PS: Este texto foge do padrão dos relatos postados neste blog por ter sido produzido para o curso de pós-graduação em Literatura Infanto-Juventil da UFF. Antes de escrevê-lo, li o livro para o Pedro, meu filho de oito anos, que estava se divertindo com a narrativa de Duda até perceber a morte na história. Ele, como já falei aqui outras vezes, lida muito mal com este tema. Por isso, ouviu o resto da história com o olhar enevoado e ao fim disse que era chata. Chata para ele, antes e acima de tudo, é a morte. Para mim também, mas, como Duda, percebi que uma vida bem vivida pode dar sentido a ela. Espero que o Pedro também consiga perceber isso um dia. Até lá, o que fazer? Só lhe resta conviver com este mal estar, que atravessou quase todos os dias de minha vida.
Oi Luciana
ResponderExcluirConheci você na PUC quinta-feira. Seu texto sobre Todos os Patinhos me deu a maior vontade de ler o livro. Achei os outros textos muito interessantes também. Pretendo voltar.
Beijos Flavia Maria
Oi, Flávia, que bom que vc gostou. Volte sempre e mande sugestões sempre que quiser. bjs
ResponderExcluirOla Luciana
ResponderExcluirTenho passado por aqui,mas andamos sem tempo para escrever, não é menina?! lol
Gostei do texto, está mais formal, coisas da Universidade, estou terminando a pos em Arte Terapia e sinto o mesmo. Mas fiquei curiosa em ler o livro. A temática da morte é sempre algo que nós adultos temos uma certa dificuldade. Mas é preciso fazer lutos...elaborar as perdas e a literatura tem uma capacidade ímpar; com poucos elementos dizer tudo. Que belo.
Abraço do outro lado do Atlântico, gostei das sugestões.
Luciana, amei tudo que vi aqui. Além do excelente texto, e do tema que amo (crianças), ótimas dicas de leitura. Virei freguesa. beijos Isabel Clemente
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