É certo que
cada leitor tem lá suas idiossincrasias. Eu, confesso, tenho várias. Mas para
mim é um mistério como elas surgem e se consolidam. O Antônio, meu caçula de
cinco anos, desde muito pequeno escolhe suas leituras. Seus critérios nem
sempre são estéticos ou temáticos. Um deles, muito claro, é geográfico. Ele
rejeita todos os livros vindos da estante maior de seu quarto, que ele
convencionou ser a do Pedro. "Mãe, você não sabe que eu não gosto de nada
desta prateleira?", me inquire com convicção. Ele só aceita livros da
estante mais baixa do quarto, instalada na época em que ele, bebê, não
alcançava a mais alta. Nunca imaginei, com isso, estar estabelecendo limites
para sua curiosidade. Minha estratégia tem sido, sem que ele veja, mudar os
livros de andar para que ele os aceite. Mas nem sempre isso funciona. O Antônio
parece adulto em vitrine de livraria. Ele implica com a capa, com o tipo de
letra da impressão, com o formato do livro, enfim, com critérios de seleção totalmente aleatórios. Desta severa triagem sobram alguns
preciosos livros que
ele recorre de tempos em tempos. Há poucos dias, ele recuperou na primeira
prateleira de sua estante a coleção do Bolinha, de Eric Hill, editada pela
Martins Fontes. Os livros ilustrados contam as travessuras de um cachorrinho, com a ajuda de abas que escondem seus amigos, objetos ou seus pais. Nesta
segunda temporada de Bolinha, um de seus prediletos quando ainda era pequetito, Antônio se divertiu muito. Se divertiu ouvindo as histórias,
abrindo as abas e "lendo" sozinho cada linha guardada na memória. Depois do Bolinha,
ressuscitou o Otto. Lindo cachorrinho, criado pelo californiano Tod Parr e editado pela Panda Books. Otto foi nossa leitura insistente por muito tempo,
o que fez o Antônio batizar com seu nome um cachorro de pano que herdou do irmão. Suas memórias caninas podem ter a ver com seu desejo de ter um cão, ultimamente alimentada, em seu imaginário, pela existência da Nikita, a cachorra da mulher de seu padrinho,
prometida a ele em uma brincadeira levada muito a sério. Diante disso tudo, não tive dúvidas quando vi nas livrarias Rita e Treco na praia, de Jean-Philippe Arrou-Vignod, editada pela Rocco Jovens Leitores. Comprei-o, certa de que tinha as qualidades necessárias para agradar o Antônio: falava de cachorros e contava uma história. Quando mostrei o livro, ele foi peremptório. "Não quero ouvir essa história. Não gosto dessa história." Foi, então, que decidi ignorá-lo e lê-la alto, sem dar bola a suas intervenções. Lá pela quinta página, ele já estava disfarçando e ouvindo as aventuras da menina Rita e de seu cachorro Treco. Não passou muito tempo para que pegasse o livro para apreciar as ilustrações de Olivier Tallec, que dão vida a Rita e Treco, em traços de cartum que lembram clássicos franceses, como Sempé. Fiquei feliz de ter acertado e, assim, conseguir ampliar a coleção de livros do meu caçula.
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