quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Glória às crianças, aos loucos e aos artistas!

Meu pai sempre foi um aficionado por tirinhas e histórias em quadrinhos. Até hoje ele tem uma coleção delas em sua mesa de cabeceira para a noite. Ele lê quietinho, pitando um cigarro, o único do dia, antes de dormir. Ri das graças de personagens para crianças, como Tio Patinhas e Peninha, e de tirinhas para adultos, como as do nosso Henfil e de Calvin e Haroldo, do americano Bill Watterson. Desta paixão, herdei apenas o gosto pelas tirinhas, que falam das coisas da vida com o humor típico dos cartunistas. Um talento que invejo. O talento de falar pouco e falar tudo. O talento de desenhar em tão poucos traços a alegria, a tristeza, a indiferença, a surpresa, o ódio, o amor, enfim, as emoções que animam a vida. Não fosse isso o bastante,  Watterson conseguiu falar do mundo dos adultos, em Calvin e Haroldo, com a lógica das crianças, como se não tivesse crescido. Este é o talento que mais invejo. Quem lembra de si, quando criança, ou convive muito com elas sabe que Calvin é um menino de verdade. Sua amizade com o tigre de pelúcia Haroldo é ainda mais. Aqui em casa, o Antônio tem o Otto, um cachorro amarelo, de orelhas compridas, feito de pano, que o acompanha e compartilha alguns de seus bons momentos na vida. Sua lógica também é muito parecida com a do Calvin e algumas de suas conclusões poderiam ser muito bem, se eu tivesse o talento de Watterson, transformadas em tirinhas de sucesso. Outro dia ele me apareceu vestido com uma camiseta do Calvin e Haroldo, presente do Cadoca, outro aficionado pela dupla, e um short floral de tons terrosos, dizendo orgulhoso que as peças estavam combinando. Eu, que ultimamente o tenho pressionado a combinar as roupas que escolhe para vestir, olhando a harmonia das cores, disse que sim. Foi então que ele me surpreendeu. "Olha só, mãe! O short é de flor, o menino gosta de flor e o tigre também. Por isso, está combinando, né?" Só me restou rir, como rio do Calvin e Haroldo. Com esta lógica ele agora explica todas as suas combinações, que deixaram de ser por cores e passaram a ser temáticas, como se suas vestimentas fizessem parte de uma narrativa ambulante. Uma delícia de visão de mundo que vamos perdendo à medida que crescemos. Na boca dos adultos, discursos como o do Antônio ou o da tirinha acima sobre o potencial literário da matemática, descolados da ordem das coisas, são imediatamente taxados de arte ou loucura. Mas podem também ser a razão oculta de daltônicos em sua tentativa de combinar roupas ou de alguém, como eu, ter se dado mal toda a vida nas provas de matemática. Uma pena que já não possamos mais proferi-los! Por isso, não nos restam alternativas a não ser dar vivas às crianças, aos loucos e aos artistas!

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