sábado, 24 de novembro de 2012

Uma esperança para Azzi

Confesso que não sou uma fã de histórias contadas em quadrinhos. Os quadrinhos para mim só são atraentes no caso das tirinhas. Aí poderia lembrar de vários personagens que me fizeram rir e pensar sobre a vida. Histórias em quadrinhos só lembro de ter gostado as de Asterix, de Albert Uderzo e René Goscinny, leitura frequente na casa dos meus pais. Mas, como para tudo na vida há exceções, me deparei outro dia com Um outro país para Azzi, da inglesa Sarah Garland, editado pela Pulo do Gato. A história de Azzi, nascida em um país qualquer conflagrado por uma guerra, é um drama contado de maneira a não colorir a realidade, mas, como não poderia deixar de ser, com o tom de esperança que devemos usar com as crianças. A menina vê a guerra se aproximar de sua casa e mudar a vida de sua família, que é obrigada a deixar seu país em busca de um lugar mais seguro. De casa, eles levam apenas um saco com feijões e uma manta tecida por sua avó amada que não partiu com eles. A viagem é dura e tensa e o lugar seguro não é sua casa. As pessoas deste lugar não falam sua língua, não têm seus costumes, não dão emprego a seu pai, médico. A família passa por momentos ruins, Azzi sofre a falta de casa, representada pela ausência da avó e por seu prato favorito - feijões picantes. A esperança de uma nova vida vem com a chegada da avó e uma pequena plantação de feijões na horta da escola, que lhe rende sementes para plantar em casa. O refúgio de Azzi não pode se transformar em sua casa, esse sofrimento ela não pode driblar, mas pode ser uma boa morada para sua família, mais uma vítima das tantas guerras que fazem sofrer milhões de pessoas em todo o mundo. A história é triste, sem dúvida, mas deve ser conhecida por nossas crianças, felizmente, tão distantes desses conflitos e tirá-las da ignorância que minha geração viveu na infância. Quando nasci, em 1965, os europeus ainda sofriam os efeitos das duas grandes guerras e conflitos localizados flagelavam populações do Oriente Médio, da África e da Ásia. Longe do palco de horrores, os meninos brasileiros, assim como os americanos, colecionavam soldadinhos de plástico, que vinham ensacados junto com seus companheiros de regimento, aviões de montar com modelos das duas grandes guerras e livros sobre as principais batalhas e máquinas de matar.  As crianças se divertiam jogando longas partidas de War, em que o objetivo era ocupar territórios e dominar exércitos inimigos, e viam nos filmes americanos as  aventuras de guerra, sem a fome, o medo e o sofrimento reais. Os conflitos seguiam na telona como mais uma brincadeira viril, uma batalha de vídeo-game, assim como a Guerra do Golfo foi apresentada, em 1990. Vozes dissonantes começaram a aparecer em filmes e fotografias que mostravam que os horrores da guerra não se resumiam à barbárie nazi-fascista. A guerra, por si só, era uma barbárie. Este despertar para a realidade fez começar a sumir dos quartos de crianças os soldadinhos e as máquinas de guerra, mas foi incapaz de frear a intolerância nacionalista, racial, étnica e religiosa que alimentam tantos conflitos e os poderes e interesses econômicos da indústria bélica. Todos os dias, em algum canto conflagrado do mundo, alguém, como Azzi, é violado em seus direitos mais básicos. Gerações crescem convivendo com a barbárie e milhões de pessoas são obrigadas a deixar seus países de origem para se refugiar dos horrores da guerra. Horrores que devem ser conhecidos por todos, inclusive por crianças mais crescidas que podem encontrar em histórias destas vítimas  razões para viver em paz. Sei que a vida não é assim tão simples, que as mudanças sociais são muito mais complexas e dependem de muito mais do que apenas a vontade de cada um. Mas acredito que o primeiro passo para se viver em paz é odiar a guerra e militar pela paz. Odiar de verdade, de perto ou de longe, e conhecer o sofrimento de quem a vive é uma motivação para se dar este primeiro passo. Azzi pode servir de alerta ao revelar a vida de uma menina vítima da guerra que nos acostumamos a ver de longe, congelada no sofrimento patente em uma foto. Ao nos revelar que por trás da imagem de sofrimento há uma menina como as nossas crianças, apostando que a vida pode ser boa, sentimos um pouco a sua dor. Se identificar com a dor alheia é um bom começo para a fraternidade. Essa identificação, Sarah Garland, que escreveu o livro depois do contato com refugiados da Birmânia e Butão, em uma pequena cidade da Nova Zelândia, consegue provocar em sua narrativa. Quando chegamos ao fim da história só temos um desejo: que a vida de Azzi, como a de milhares de crianças refugiadas, possa ser boa apesar de tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário