quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Ser mãe e as coisas da vida

Os desenhos animados, desde que o Pedro nasceu, passaram a ser para mim um tormento repetido à exaustão. Mas, é claro, há exceções. Uma delas,  o Irmão Urso, um filme da Disney, de 2003, sobre três irmãos diante de seus destinos, representados por totens. Kenai, o mais novo, recebe o totem do amor e, revoltado com o que considera um rebaixamento de sua condição masculina, o nega. Como nas tragédias, ele passa toda a história se aproximando, sem perceber, de seu destino, até que o compreende e o aceita. Bela história, que me fez perceber que o meu totem também é o amor, apesar de meu destino não ter sido traçado por forças sobrenaturais e poderosas, como o de Kenai. Meu totem não passa de uma escolha feita quando eu ainda era uma criança e sonhava em ter filhos e uma bela família. Sonho que me pareceu na adolescência menor do que o desejo de ter uma profissão, de me realizar no trabalho, enfim, de ser uma mulher emancipada e independente. Este desejo sobrepujou o outro e passei parte de minha vida adulta investindo no trabalho e nos prazeres de ser independente. Até que conheci o Cadoca, me apaixonei e um dia, sem planejar, me vi formando uma família com ele. Primeiro veio o Pedro e, cinco anos depois, o Antônio. Desde então, vivo, como muitas mães, dividida entre a vida profissional e os filhos. Não quero e nem posso deixar de trabalhar, afinal, o trabalho nos ajuda a compor nossa identidade. Mas quero poder viver estes dois papéis, o de mãe e o de profissional. Por isso, nestes últimos anos, tenho de tempos em tempos me reinventado para me manter no mercado e na vida deles. Agora vivo mais um momento de reinvenção. De início de novo caminho. De desafios por vir. De confiança no porvir. Confiança de que todo este esforço está valendo a pena. Um esforço para abrir em minha vida de mulher emancipada e independente espaço para duas criaturas que me ancoram no mundo, me projetando para o futuro e me levando a revisitar constantemente o passado. Mãe do jeito que sou hoje, serei por mais poucos anos. Depois meus filhos vão buscar seus caminhos e me deixar com o ninho vazio e, assim, terei cumprido com o meu destino de honrar o totem do amor. Nestes tempos de incerteza que vivemos, o amor é a única certeza. A certeza de uma sobrevida na memória de quem nos amou e de um lugar em um mundo cada vez mais fragmentado e descontinuado. Não sei onde vai dar minha história. Mas sei que o amor não se esvai. Sei que um dia meus filhos vão se lembrar de mim, mesmo depois de minha partida, e reconhecer um valor no esforço que faço hoje para tê-los ao meu lado. O valor do amor e a aposta em uma nova vida. Assim, como fizeram minha mãe, a mãe dela, minha avó querida, que já partiu, e gerações e gerações de mulheres que, apesar de sua importância social, foram massacradas por séculos e séculos. O meu desafio, como é o de muitas mulheres deste mundo afora, é viver assim entre a casa e a rua. Entre os filhos e o trabalho para deixar para eles a maior e melhor herança que alguém pode ter na vida: o amor. Amor herdado que me fez ficar com os olhos marejados ao ler Mari e as coisas da vida, da belga Tine Mortier, editado pela Pulo do Gato. O livro tem texto corajoso que fala, sob o ponto de vista de uma criança, de velhice, de doença e de morte como é raro ver na literatura para crianças e jovens, tão comumente temerosa com assuntos difíceis. A narrativa é uma emocionante história de amor de uma neta com sua avó, que me fez lembrar do meu amor pela minha avó Branca. A delicadeza da história é realçada pelas belíssimas ilustrações da também belga Kaatje Vermeire, que não temeu nem mesmo desenhar a cena do velório do avô da menina. A morte, no contexto da relação de Mari com a avó, é mais um momento da vida, com certeza, triste. É o fim esperado desde o começo, mas preenchido de sentido por uma vida vivida com amor. Este sentido minha avó Branca, que morreu serenamente em sua cama, cercada pelos objetos de toda uma vida e de sua filha, me ensinou com o amor que dispensou a seus filhos e seus netos. Mari me fez lembrar os momentos finais da vida da minha avó, que tanta tristeza me impuseram, e que só hoje, anos e dois filhos depois, consigo compreender e ressignificar. Este ressignificado eu encontrei na história de amor que vivi com ela. A única coisa sólida que ela me deixou. A única coisa sólida que deixarei para os meus. O mais, não tenho dúvidas, se desmancha no ar.

4 comentários:

  1. Lu, que post lindo! Adorei, e claro, me identifiquei bastante, pq também vivo entre a casa e a rua. Depois de virar mãe fiz escolhas que meu lado profissional jamais suporia, mas não me arrependo delas. Também penso nos poucos anos que me restam como "a mãe que sou hoje" e no meu ninho vazio... por isso acredito que são as melhores escolha. E você definiu tudo muito bem, é mesmo uma escolha...
    Obrigada por compartilhar suas ideias. E obrigada pela dica do filme. Adoro animações, mas nunca tinham me dito se Irmão Urso era bom.
    bjs

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  2. Oi Luciana,
    Estou sempre por aqui, lendo suas dicas, compartilhando de seus momentos literários com seus filhos e me vendo neles com a minha pequena. Gosto muito. Hoje, especialmente, quero lhe agradecer. Pela ternura, pela delicadeza do seu texto. Obrigada! Obrigada por trazer a minha vó pra perto, obrigada por ressignificar o nosso cotidiano, por colocá-lo no seu devido lugar... Lindo, lindo! Comecei o dia emocionada e me enchi de uma leveza rara: carregada de amor!
    Amei tanto seu post que vou correndo procurar esse livro! Suspeito, cada dia mais, que literatura e afeto são sinônimos.
    Muito, muito obrigada!
    Beijos,
    Rachel

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