A primeira vez que li O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson, eu devia ter uns 15
anos. Peguei o livro da Biblioteca de Tebas, um lugarejo no interior de Minas
onde nasceu meu avô e eu passei bons dias de meus primeiros anos, e o devorei.
Isso faz tanto tempo que não lembrava mais da história da transformação de Dr.
Jakell em Mr. Hyde. Lembrava apenas de que havia sido uma história que,
naqueles dias da adolescência, havia prendido minha atenção e me levado até o
fim da narrativa. O livro que li foi o original, mas meu reencontro com a
história de Stevenson me fez conhecer a adaptação da coleção Clássicos
Infantis, da Cia das Letrinhas. Ele chegou aqui em casa pelas mãos do Pedro,
que o trouxe como tarefa da aula de Português, e resolvi relê-lo para
podermos conversar sobre ele. Além de fazer eu me reencontrar com a história,
perdida em um canto inacessível de minha memória, a leitura me fez pensar em
como as narrativas nos parecem diferentes, dependendo do momento da vida em que
tomamos contato com elas. O
médico e o monstro da minha
memória era um livro fantástico e impactante, que teve o poder de me fazer
trocar meus amigos algumas horas por ele. Agora, em uma nova leitura, pude ver
que sua riqueza vai além disso. Stevenson foi capaz de falar de sua época em um
conto de terror, inscrevendo, assim, a obra no rol dos clássicos da literatura.
Dr. Jekill e Mr. Hyde falam de uma Inglaterra pós-Revolução Industrial marcada
pelo abismo provocado pela divisão de classes da sociedade burguesa e do
esforço humano de romper fronteiras do conhecimento. Dr. Jekill é uma vítima de
si mesmo e de seus desejos, que representavam uma subversão à rígida moral
vitoriana de seu tempo. Ao nos mostrar que de médico e de monstro todo mundo
tem um pouco, Dr. Jekill subverte não só a moral que ditava o comportamento na
época, mas também à ética que determinava os limites do avanço da ciência, que,
no século XIX, conquistara corações e mentes. A fé de Dr. Jekill na ciência é
semelhante a de Dr. Frankenstein, de Mary Shellei, e leva os dois, por
razões distintas, a desafiar a natureza e os limites da sociedade em que vivem.
Como Prometeu, o titã grego que rouba do fogo do Olimpo para entregá-lo aos
homens, os dois são punidos por sua ousadia. É
este pano de fundo que dá grandeza ao conto. Um pano de fundo que não pôde ser
percebido pela menina que um dia eu fui e, hoje, pelo meu filho, mas que, como
toda grande questão, está latente em cada um de nós. A caprichada edição da
Coleção Clássicos Infantis, talvez por saber dessa dificuldade, dá uma mão ao
jovem leitor, apresentando a história e o autor no contexto de seu tempo
histórico. Com belíssimas ilustrações de Ian Andrew e infográficos, o leitor
iniciante vai se inteirando das sutilezas do texto para montar, ele próprio,
sua versão de O médico e o
monstro. Uma versão que poderá ser mudada, a qualquer momento da vida. Assim
são os clássicos, livros que nunca acabam de ser lidos.
Luciana, eu não conheço este título, mas através de meus filhos, conheci outros dessa belíssima coleção da Cia das letrinhas, Os três mosqueteiros e Robim Hood.
ResponderExcluirAmei a cuidadosa adapção e especialmente os infográficos que são riquíssimos.
Boa Páscoa para vocês! Beijo.
Pra vocês também, Ana Paula. bjs
ResponderExcluirAcabei de ler uma matéria do Gato de Sofá no Catraquinha! Adorei!
ResponderExcluirVou torcer para mais pessoas passarem por aqui e se inspirarem nas tuas indicações.
beijo!