quarta-feira, 8 de março de 2017

Sá Diola e Marina Colsanti no Dia de Luta da Mulher

Deolinda foi o nome que me escapou ou do qual escapei. Era o nome de minha bisavó, mãe do pai do meu pai, que ficou na memória de meu pai como sinônimo de mulher forte. Eu já grandinha e ele dizia ter pensado em me nomear homenageando a avó. Era mentira, eu sabia. Uma ingênua mentira que toda vez proferida me fazia agradecer aos céus por ter escapado dessa sina: a de ter um nome que me parecia tão velho, que, com certeza, soaria estranho em mim. Deolinda, na verdade, era apenas a homenagem que meu pai fazia às mulheres. Foi entregue pela mãe, ansiosa por se casar novamente, com apenas 12 anos para José, um homem mais velho que a recebera na lua de mel com a babá e as bonecas. O casamento, contava minha avó Glória, sua nora, lhe soara como uma violência e, por isso, ela nunca perdoou o marido, que, apesar de tudo, aprendeu a amar. Teve, com Zeca, onze filhos. O caçula era meu avô Jacy, que ainda adolescente deixou a família em Tebas, um cafundó de Minas Gerais, para tentar a sorte no Rio. A distância, no entanto, não o fez esquecer da mãe e da vida que deixara para trás. Deolinda ficou lá, firme, no imaginário da família, como uma mulher forte, que nas ausências do marido, um pequeno fazendeiro, mandava na propriedade da família com mãos de ferro. Era conhecida como Sá Diola. Andava para lá e para cá, com um chicote de dar em pangaré e sua beleza caipira de mulher que de frágil tinha apenas a aparência. Ficou viúva cedo e assumiu de vez a sua vida, que estava comprometida para sempre com os 11 filhos e a casa que herdara. A maneira como meu pai falava dela me fazia imaginar uma mulher dura e amarga - trajando um vestido claro e longo, com os pés cobertos por botinas de salto baixo e com os cabelos presos em um coque mal feito - falando grosso com quem a colocasse em risco ou a seus filhos. Na família, contava-se com orgulho que as pessoas tinham medo dela. E Sá Diola? De que teria medo? De suas fragilidades sei apenas do abandono que sentiu ao ser dada em casamento em uma idade em que ainda brincava de bonecas. Do medo de ter que deitar-se com um homem, quando ainda era uma criança. De ter que assumir uma posição de mando para garantir sua vida e a de seus filhos em uma sociedade machista como a mineira do início do século passado. Deolinda, acredito, deve ter se alimentado de um misto de amargura e fé na vida, como um meio de superar as dificuldades impostas às mulheres por uma sociedade patriarcal como a nossa. Era preciso seguir e ela, apesar de tudo, seguiu. Quase um século depois de sua morte, que a surpreendeu nonogenária, ainda somos um pouco Deolindas e precisamos continuar a lutar para garantir nosso lugar na vida e no mundo. Por isso, nesse dia internacional da mulher, me apazíguo com um destino que, por pouco, não foi o meu e digo que hoje teria orgulho de me chamar Deolinda e, assim, como a protagonista de O lobo e o carneiro, do belo conto de Marina Colasanti, enfrentar os perigos da vida para ser dona de meus sonhos e escolher com quem compartilho minha história; sejam lobos ou carneiros.

3 comentários:

Unknown disse...

Que lindo Lu! Bj

Heloisa Maria Borges Conti Tavares disse...

l
Lindo Lu ! Fiquei emocionada! Bjs querida e que esse ofício que você escolheu dê muitas alegrias e emoções tanto a você como a nós! Parabéns!!!
Heloisa Tavares

Monipin disse...

Linda viagem no tempo e nas histórias de família, desembarcando no belo livro de Marina Colasanti, com a pergunta incômoda a todas nós: de que temos medo, afinal? Li este livro para um grupo de mulheres cuja renda e disponibilidade de tempo, sempre muito curtas, não lhes dão muita chance de ler. Foi um encantamento só. A Colasanti é uma contadora de histórias como poucas. E você também parece ter este dom.