quarta-feira, 8 de junho de 2016

As narrativas e a tecitura do manto do acolhimento

Nos últimos tempos, aqui em casa, só lemos mitologia. O Antônio é um apaixonado por histórias e seres fantásticos e só quer ouvir narrativas que se fundem no lado de lá da razão e possam lhe oferecer novas possibilidades de entender o mundo que o cerca. Assim, voando sobre oceanos em asas feitas de penas e cera, puxando espadas mágicas encravadas em pedras, enfrentando monstros terríveis e ouvindo no som dos pássaros os mistérios da criação vamos tecendo uma grande rede de narrativas, que, noite após noite, nos mantém ligados, até o dia em que ele descobrirá outros caminhos para além dos livros que lemos juntos. Caminhos que o Pedro, com 14 anos, já começa a vislumbrar e me fazer antever, pela primeira vez, nestes anos de maternidade, o momento da separação. Nunca pensei que diria isso, certa de que estava preparada para o futuro dos meus filhos, mas percebo agora que a adolescência não é um tempo de incertezas apenas para quem o vive, é também para quem o acompanha, como as mães e os pais. O Pedro já está comprido o suficiente para pegar sem a minha ajuda seus sapatos na prateleira mais alta do armário e começa a escrever as primeiras linhas de sua narrativa, onde eu e seu pai não seremos mais protagonistas, mas tenho, mais que certeza, esperança de que estaremos sempre nesta história. Por enquanto, vivemos naquela gangorra que nos coloca ora diante de um jovem e ora frente a uma criança. No meio do caminho está a vontade de ficar mais um pouquinho no ninho, de ser servido como menino, de brincar com o irmão e de ouvir mais uma história, mesmo que finja não estar interessado, com aquele olhar enviesado com que tem mirado O Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda, de Rosalind Kervin, trazido pelo Antônio da escola. O livro faz parte da coleção Clássicos Infantis, que se destaca no mercado de adaptações pela qualidade do texto e o capricho das edições ilustradas, com quadros explicativos sobre o contexto histórico das narrativas e suas influências no imaginário ocidental. Vale dizer que o interesse do Pedro é justificado. A história, nascida na mitologia do povo Celta, que dominou a Grã-Bretanha até a hegemonia do cristianismo na Europa, é mesmo fascinante e até hoje desafia historiadores e arqueólogos a provar sua existência. Ao que tido indica Artur e sua corte são apenas mitologia que buscava explicar a vida em um mundo encantado, onde a vida real se realizava em um universo dominado por magos e feiticeiras. É o poder da magia de Merlin e de Morgana que agita a história de Artur, da rainha Guinevere e de seus cavaleiros, que distribuídos, em posição de igualdade na Távola Redonda, defendem o reino de Camelot. Ao longo dos séculos a história foi se misturando ao imaginário cristão e Artur e seus súditos passaram, assim, nas versões da Idade Média, a defender símbolos da Igreja Católica Romana, como a cruz, e a ceder os seus, como santo graal, ao cristianismo. Este sincretismo de culturas tão diferentes produziu, com certeza, uma das mais fascinantes histórias de todos os tempos. No reino de Camelot não falta nada. Tem poder, ambição, amor e traição e, acima de tudo, magia. Com tantos atrativos O Rei Artur tem sido um sucesso entre os meninos e me feito aprender muito deste mito, que, com certeza, é um dos mais belos romances de capa e espada que já existiu. A magia de Merlin e Morgana, para o bem ou para o mal, tem me ajudado muito a tecer o manto com que acolho meus filhos todas as noites. Que assim seja até o dia que eles quiserem.