terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A viagem de Max para onde vivem os monstros

Uma bela história é o melhor que há na literatura infantil. Melhor ainda quando uma bela história é acompanhada de belas ilustrações. Este é o caso de Onde vivem os monstros, com texto e ilustração do premiado autor americano Maurice Sendak. O livro é uma beleza que consquista a gente no primeiro toque. Digo toque porque a edição da Cosac Naify é de um capricho que vai do papel importado à lombada de tecido. Mas o livro merece. A história de Max que, castigado pela mãe, embarca em uma viagem imaginária à terra em que vivem os monstros e, chegando lá, torna-se por sua esperteza o rei do lugar merece tanto esmero. As ilustrações de Sendak são tão expressivas que nos fazem sentir a textura do pelo dos monstros e a rudeza da vegetação do lugar, fazendo de sua história e de seus personagens uma peça mítica. Mas, engraçado, não foi isso que chamou a atenção do Pedro. O que lhe conquistou foi mesmo a história e a descoberta de Max de que nem todo amor é verdadeiro. "Ele percebe que os monstros só gostavam dele porque ele era o rei. Quem gostava dele era a mãe e o pai", resumiu meu menino, que colocou um pai na história, em que só aparece a mãe. Justo. O Cadoca merece. Agora a gente aguarda a estreia do filme de Spike Jonze que, pelo que vi no trailer, faz jus a beleza do livro.
Quem quiser conhecer outro comentário do Gato de Sofá sobre o livro, clique aqui.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Quando as raposas vencem os fazendeiros

Em tempos de conformismo com o status quo O Fantástico Senhor Raposo, de Roald Dahl, é leitura mais do que divertida. É essencial para nossas crianças conhecerem uma história da época em que existia luta de classes e o inconformismo não era visto como infantilidade ou falta de educação, mas como uma transgressão necessária ao processo histórico. O embate do senhor Raposo com Boque, Bunco e Bino - três fazendeiros "incrivelmente maus e mesquinhos"- é rico em situações e soluções para a vida dos bichos que vivem entocados na terra. Toda a semelhança, neste caso, não é mera coincidência. Os bichos de Dahl são gente em sentimentos, fome e bravura. Bravura para enfrentar seus algozes e fugir da fome. Seu Raposo, um conhecido ladrão de galinhas, patos e gansos, defende seu crime com palavras simples para as crianças se solidarizarem com ele. "Meu velho e querido monte de pelos, por acaso você conhece alguém no mundo que não roubaria umas galinhas se seus filhos estivessem morrendo de fome?", pergunta ele para seu amigo, seu Texugo, cheio de dúvidas éticas sobre os seus métodos. Ao que Pedro responde: "Claro que eu roubaria umas galinha se meus filhos estivessem morrendo de fome." Ele adorou a vitória dos bichos contra os mesquinhos - "o que é mesquinho, mamãe?"- fazendeiros. Gostou tanto que me pediu para relê-la assim que acabamos de ler o livro de 84 páginas, editado pela Martins Fontes, e ilustrado com a delicadeza do bico de pena por Quentin Blake. Dahl, é bom a gente lembrar, é o autor de A Fantástica Fábrica de Chocolates, outra obra em que a visão de mundo de esquerda é protagonista da história. Viva Dahl que nos dá oportunidade de conversarmos sobre justiça social com nossos filhos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um conto de Natal

É quase Natal! Tem dias que não atualizo o blog por causa da correria de fim de ano. Todo dia tem uma confraternização, todo dia tem um afazer. Mas agora que está chegando a hora, a vida vai ficando mais tranquila e, com poucas pendências a resolver, começo a buscar calma em mim mesma. Uma calma que, nestes dias que antecedem o Natal, se confunde com a melancolia e uma sensação de impotência diante das dores do mundo. O Natal me evoca este sentimento desde a adolescência, quando comecei a conviver com as minhas primeiras perdas. Mas este sentimento está em mim desde a infância. Lembro bem da tristeza que sentia ao ouvir o conto A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen. Aquela menina abandonada à própria sorte, na neve, sonhando com o aconchego que a vida lhe negara. Ficava muito, muito triste. Na verdade, fico até hoje. Por isso, me surpreendi quando, há bem pouco tempo, o Pedro trouxe a história da escola. Li todo o livro, editado pela Editora Scipione (a imagem ao lado é de um lindo curta da Disney), com a voz travada para não chorar. O Pedro a ouviu com a maior serenidade e, ao fim, me disse que tinha achado o conto lindo. Me perguntei por que ele, como eu, não se sentiu mal ao ouvir uma história em que uma criança morre de frio na véspera de ano novo sem que ninguém a ajude? Talvez, como a menina, ele tenha embarcado na fantasia que a tira daquela existência de dor e de abandono e, com isso, nem tenha percebido que ela se liberta pela morte. De qualquer forma, a Pequena Vendedora de Fósforos continua sendo, para mim, uma história de dor e sofrimento com a qual não sei lidar.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Ana Paz é uma protagonista sem protagonismo

Não é fácil falar de Fazendo Ana Paz, de Lygia Bojunga, porque não é fácil falar de uma narrativa densa de emoção como a da escritora gaúcha. Ao sentar-me no computador para iniciar esta resenha, tive que vencer primeiro a tentação de centrar meu texto no depoimento de como a novela de Lygia me tocou para então enfrentar o desafio de escrever sobre a narrativa da autora e dos recursos que ela usou para se comunicar com o leitor.
A Ana Paz não é uma protagonista comum. Lygia não centra seus esforços em criar uma trama para manter o interesse sobre Ana por toda a narrativa. Ela é o instrumento usado por Lygia para falar de outro protagonista: o processo de criação de um personagem. Este sim consome todos os esforços da autora. Ana Paz é uma personagem incompleta, sem passado claro e em busca de um futuro incerto. Mas é no diálogo com ela que Lygia fala de como seus personagens foram tomando corpo.
Ana Paz, destaca logo de início a autora, faz parte de uma estirpe de personagens que foge à regra de sua galeria de tipos que, segundo a própria, sempre hesitam em vir à tona. Ela, assim como Raquel, de A Bolsa Amarela, “chegou sem a mais leve hesitação e foi dizendo: ‘Eu me chamo Ana Paz; eu tenho oito anos; eu acho o meu nome bonito’.” Mas engana-se quem pensa que a desenvoltura da personagem garantiu tranquilidade à autora.
A pressa de Ana Paz em se apresentar traduziu-se em um turbilhão de emoções em que Lygia vê-se enredada em todo o livro. A angústia gerada pelo embate autora/ personagem é o fio condutor de toda a narrativa de Lygia na novela. Ana Paz não se importa com os questionamentos de sua criadora sobre a pertinência de sua personagem e obra. Ela quer existir, ela quer ganhar corpo com a publicação da obra.
Lygia hesita. E hesita não por causa de Ana Paz. Seu problema é com o pai da protagonista que, assim como os outros personagens da autora, hesita em existir. Lygia vai e volta na narrativa em busca de um sentido para um pai perseguido pela polícia que pede a filha que não se esqueça de uma carranca. Que pai é esse, de que ele foge, o que esta carranca simboliza na relação entre pai e filha? Sem estas respostas, Lygia não vê sentido para sua obra e para sua personagem, que, assim, fica incompleta.
Mas Ana Paz, convicta de sua existência, mesmo que seu passado não esteja claro, quer viver, quer ganhar as páginas, quer ganhar autonomia. Lygia resiste até que, cansada de brigar com sua personagem, a liberta de sua crítica e transforma Fazendo Ana Paz em uma obra sobre o processo de criação. Não à toa a autora encerra o livro com Pra Você que me Lê, em que fala de como garimpa em seu passado e em sua memória fatos que, em sua narrativa, ganham novas cores e emoções para dar vida a quem sustenta sua obra: seus personagens.
PS: Este texto foge do tom impressionista das outras postagens por ser uma resenha que fiz para o Grupo Letra Falante, cordenado pela professora Ninfa Parreiras, na Estação das Letras. O grupo está lendo a obra de Lygia Bojunga e, em breve, todas as resenhas dos livros de Lygia estarão publicadas no site Dobras da Leitura, que tem uma seção especial para o Letra Falante.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O medo, companheiro de todas as noites

Caramba! Não tinha percebido que estava há tanto tempo sem escrever no Gato de Sofá. Mas a vida aqui em casa não pára. Com duas crianças não há quem tenha tempo livro. Mas a gente sempre encontra uma brecha do dia para ler para o Pedro e o Antônio. Se eu - a ledora oficial - estiver muito cansada, o Cadoca toma meu lugar e lê para os meninos. Um livro bom de pai ler para o filho é Todas as noites do mundo, de Dominique Demers e ilustrações de Nicolas Debon, editado pela Companhia Editora Nacional. A história de Simão que todas as noites vai dormir acompanhado do pai é um estímulo para a imaginação das crianças na tentativa de desmistificar o medo, companheiro de todas as noites. O pai coloca o menino na cama e começa a colocar todos os seres do mundo para dormir. Seres fantásticos ou seres prosaicos que na narrativa do pai tornam-se cheios de encanto. A medida que o pai vai cobrindo o filho e o ajeitando na cama ele vai varrendo o planeta e colocando os animais de todos os cantos para dormir. O último lugar visitado pelo pai é a o universo dos seres míticos, como fadas, dragões e duendes. Simão já está dormindo e o pai sai satisfeito do quarto prometendo para o filho que ele não tem mais do que se sentir medo. A história de Simão é a história de todos os nossos filhos, que ao dormir se defrontam com um mundo de incertezas que os faz temer pelos pesadelos tão comuns na infância. Nosso carinho, com certeza, lhes dá mais segurança, mas infelizmente não é o suficiente para lhes livrar de todos os medos. Mas que a gente possa sempre estar na cabeceira da cama de nossos filhos lhes dando serenidade para dormir.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

As histórias da Preguiça contadas para a Sorte

Meninos do mangue, de Roger Mello, editado pela Cia. das Letrinhas, foi um dos livros infantis que mais me impressionaram nos últimos tempos. A história da aposta feita pela Sorte e pela Preguiça e a prenda a ser paga pela perdedora é absolutamente envolvente. A gente começa e não quer parar. Mas, como a leitura era em voz alta para o Pedro, foi feita em capítulos. Assim, por algumas noites lemos as oito histórias em que a Preguiça, a perdedora - é claro, teve que contar para a Sorte. Nos dias de muito sono, o Pedro só aguentava ouvir uma. Mas, em alguns dias, o interesse vencia o sono e ele conseguia ouvir mais de uma. Todas elas são maravilhosas e criativas e têm a prosa de um autor original. Roger conta uma história única, que, claro, faz referências à tradição de nossa literatura popular e infantil. Mas, com certeza, ela tem a marca de Roger, no texto e nas ilustrações que criam um belíssimo jogo entre a Sorte e a Preguiça para contar para as crianças como é a vida no mangue. Um olhar quase antropológico, sem qualquer piedade pela pobreza de quem vive por lá. O Pedro aprendeu, com a Preguiça e a Sorte, que homens e crianças do mangue vivem de catar siri na lama e que separam o dia pelas quatro mudanças de maré. A história de como surgiram as marés alta e baixa, aliás, é genial e a minha preferida. Mais genial ainda é poder contar para meu filho uma história de um mundo tão diferente do nosso, um mundo feito de pobreza material e riqueza simbólica que, a prosa de Roger faz parecer natural, nos impedindo de sucumbir à piedade de quem não é como nós. Roger, com os meninos do mangue, deu a meu filho a primeira oportunidade de olhar o mundo de forma a relativizar as verdades sobre a felicidade. Por isso, viva Meninos do Mangue, que rendeu a Roger, em 2002, o Jabuti nas categorias infantil ou juvenil e ilustração de livro infantil ou juvenil, além de prêmios da FNLIJ e da Fondation Espace Enfants, da Suiça. Viva Roger, que, com justiça, empresta seu nome à biblioteca infantil do Ceat (Centro Educacional Anísio Teixeira) e concorre ao prêmio Alma (Astrid Lindgren Memorial Award).

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Cara a cara com a autora

Outro dia descobri que a Ninfa Parreiras, que coordena o grupo Letra Falante, do qual faço parte, iria à escola dos meus filhos para falar de sua obra. Resolvi fazer uma surpresa para o Pedro e trouxe para casa o livro Poemas do tempo, ilustrado pela Mariana Massarani e editado pela Paulinas. O Pedro ficou animadíssimo ao receber o presente. "A Estela (professora da biblioteca) está lendo este livro pra gente", contou. À noite, que, por azar, foi a do apagão, me fez ler o livro de novo. Sob a luz de uma lanterna, sentamos - eu, ele e o Antônio - para ler e ouvir os poemas da Ninfa que falam do tempo em suas várias versões. Tempo das descobertas, de sorvete, das despedidas, da escola, de fora, do infinito... No dia seguinte, o livro foi para escola nas mãos do Pedro, ávido por um autógrafo e para contar de quem era filho. Assim que cheguei em casa veio logo falar das novidades e mostrar os autógrafos que havia ganho. "Meus amigos me acharam muito sortudo de ter um autógrafo da Ninfa", disse. Não foi bem sorte. Foi insistência. A Ninfa me contou que o Pedro não se contentou com um autógrafo, quis logo três. Aí que entendi porque havia mais de uma dedicatória no mesmo livro. O resultado de tamanha aventura foi que ele ficou fã de carteirinha da Ninfa. Já me pediu para comprar o novo livro dela, que, segundo ele, sai no próximo ano e curte muito o Poemas do tempo. Com justiça... o livro é muito bacana e os poemas falam de vivências bem conhecidas das crianças. Tudo para sua leitura ser um sucesso.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Uma janela aberta para o mundo

A beleza e a dramaticidade de África, o livro de nosso fotógrafo maior Sebastião Salgado, editado pela Taschen, me obriga a abrir uma exceção e deixar entrar no Gato de Sofá uma obra que não é destinada a crianças. As fotos de Salgado mostram um continente grandioso, de belos animais e selvagem natureza, que dá abrigo a uma população castigada pelas guerras e pela fome que luta para manter sua dignidade e identidade. A lente de Salgado mira no ponto mais sensível de nosso planeta e nos sacode da letargia induzida pelas benesses do consumo. Aquela gente sofrida me fez voltar nos anos e reencontrar interlocutores com quem pudesse confessar minha dor ao ver com a crueza do preto e branco tamanha injustiça e desigualdade. A leitura de África, apresentada pela prosa do moçambicano Mia Couto, me fez acreditar que os valores humanistas que nortearam minha adolescência e juventude não foram totalmente soterrados pelo hedonismo do consumismo, que tenta fazer de todos nós seres alienados que se alimentam dos prazeres do materialismo. As fotos de Sebastião Salgado me deram a esperança de que meus filhos vão conseguir encontrar um lugar no mundo em que eles possam ser gente que se irmana com seus semelhantes - ricos ou pobres, iguais ou diferentes - e não apenas máquinas em busca do sucesso e do conforto que o dinheiro pode pagar. Aguardo o dia em que possa mostrar para eles as fotos de Sebastião Salgado e, com elas, abrir uma janela onde eles possam se debruçar para ver o mundo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Um ratinho encantador

Tem dias que estou para falar aqui de um livro delicioso que dei para o Antônio. O Ratinho, o morango vermelho maduro e o grande urso esfomeado, de Andrey Wood, com ilustrações de Don Wood, editado pela Brinque-Book. A história de um ratinho que encontra um morango e é surpreendido por uma voz que o alerta do perigo do grande urso esfomeado querer sua conquista é super bacana. O leitor passa todo o tempo acompanhando as emoções do ratinho e se perguntando de quem afinal é aquela voz. A ilustração de Don Wood, marido e parceiro de Andrey em outros livros, como A Casa Sonolenta, é fundamental para compor o clima de suspense criado pela história. O resultado é um livro para toda a família curtir junta - os pequenos, os maiores e os adultos. Aqui em casa todos nós adoramos o ratinho, que é encantador com suas caras e bocas.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Gato de Sofá fez um ano

Sábado, o Gato de Sofá fez um ano. Queria ter escrito alguma coisa em comemoração a esta data. Mas confesso que fiquei com preguiça. Um feriadão, que começou na feira de produtos orgânicos e terminou na praia com o maridão e as crianças, me deixou na lona, cansadona como ficam todas as mães de pequenos ao fim de um dia de folga. O resultado foi minha total omissão diante do aniversário do meu blog. Mas isso não quer dizer que eu não tenha comemorado a data. Minha comemoração foi a certeza de que encontrei no diálogo que eu e meus filhos travamos com os livros infantis uma enorme fonte de prazer. Prazer em ler as incríveis histórias que têm sido produzidas aqui no Brasil e no exterior, prazer em ver que estas leituras me colocam mais perto dos meus meninos, de seus sentimentos e convicções, prazer em transmitir a eles o amor pelos livros e apresentar-lhes toda a sua beleza e, por fim, prazer em constatar que, ao contar nossas impressões sobre estas leituras, me aproximo de tanta gente legal. Neste ano, conheci gente nova e descobri novos ângulos de quem já conhecia, como a Ângela Nogueira do Velejando nas Letras. Muitas vezes não respondo aos comentários por absoluta falta de tempo. Mas leio todos e visito os blogs de quem me convida. Anoto as sugestões, mas infelizmente não posso ter em mãos todos as histórias sugeridas. Os livros comentados aqui são comprados por mim ou emprestados pela escola dos meus filhos. Todas as vezes que chego em uma livraria me encanto com vários títulos, saio com menos livros do que queria e, mesmo assim, meu marido se espanta com a fatura de nosso cartão de crédito. Isso tudo para dizer que, apesar de minhas limitações financeiras, adoro receber as sugestões e os comentários de quem passa por aqui.
PS: A dupla aí do lado - Calvin e Haroldo - é protagonista de um dos melhores quadrinhos que há. Calvin é tudo de bom para adultos que não se esqueceram de como é bom ser criança.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O que há entre o bife e a pipoca?

Foi uma decepção a leitura de Ponto de Vista, de Ana Maria Machado, para o Pedro. Li página por página com a maior calma para que ele não se perdesse no ritmo da narrativa em versos todos rimados, mas não deu certo. Ao fim de tudo perguntei o que ele tinha gostado e sua resposta foi curta: do Ziraldo. Insisti e ele repetiu a resposta. Justa escolha. Realmente o Ziraldo é o máximo e seu traço geométrico valoriza o morro e os prédios da cidade partida descrita por Ana Maria. Mas desconfiei que a resposta era de alguém que, na verdade, não tinha entendido a narrativa e mudei a pergunta. O que você entendeu do livro? A resposta veio curta e direta: "Nada." Não me espantei. Afinal, a narrativa em versos rimados, que nem sempre seguem a ordem natural das orações para fechar as rimas, confunde um leitor iniciante como o Pedro. Parei e expliquei para ele a história dos meninos que nasceram um na favela e outro no asfalto, se encontraram na praia e se tornaram amigos de toda a vida. Bonita mensagem de alguém que sofre com a cidade partida. Mas, confesso, achei um pouco ingênua. Mas me perguntei se esta ingenuidade não seria necessária para apresentar este problema a um menino, como o meu, de apenas 7 anos? Talvez. Por isso, guardei para mais tarde o conto O bife e a pipoca, do livro Tchau, de Lygia Bojunga, editado pela Casa de Lygia Bojunga, que traz a realidade nua e crua do encontro de Rodrigo, menino de classe média, e Tuca, menino de favela que estuda de bolsa na escola de bacanas. O conto é preciso no sofrimento de Tuca e de Rodrigo, que ao se aproximar um do outro entendem as diferenças entre seus dois mundos. Doído, mas real. Leitura para quando o Pedro puder suportar o tranco. Por enquanto, vamos ficando com o sonho de vencer as desigualdades com nosso esforço de não descriminar os diferentes.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tão perto, tão longe

Não é de hoje que percebo o Pedro com o olho comprido, triste e confuso quando se depara com uma pessoa na rua pedindo dinheiro ou comida. Se for uma criança, ele fica ainda mais confuso. Ele segue em frente, mas seu olhar continua acompanhando o pedinte e tentando entender esta realidade tão dura, que faz de uma criança como ele um ser tão diferente e incompreensível. Esta situação me dá dó. Dele e do menino da rua. Os dois, cada um a seu jeito, sofrem com a desigualdade que existe em nosso país. Mas não me permito ceder à tentação de mãe de tentar poupá-lo deste sofrimento. Muita gente me pergunta se não é cedo demais para explicar a ele a pobreza e a miséria que parte de nossa população sofre. Eu acho que não. Não quero que o Pedro e o Antônio cresçam indiferentes a esta realidade. Sei que vão sofrer, mas é inevitável. Só tento evitar que eles, em sua lógica infantil, achem que dinheiro compra felicidade e todos os pobres são infelizes. Isso não é verdade. A infelicidade está na miséria. Para dar mais elementos para o Pedro entender esta complicada equação social que coloca uns lá em cima e outros lá em baixo resolvi apresentar a ele Ponto de Vista, de Ana Maria Machado, com ilustrações de Ziraldo, editado pela Melhoramentos. Eu já vinha paquerando este livro há tempos, mas achava cedo para ele entender o que até hoje eu me pergunto a razão. Agora acho que está na hora. Vou ler para o Pedro hoje à noite e depois conto como foi que ele recebeu a história do encontro de um menino da favela e de um menino do asfalto.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Bartolomeu e Roger Mello concorrem ao Alma

A literatura infanto-juvenil brasileira está novamente concorrendo ao ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), o maior prêmio internacional em prol da literatura para crianças e jovens do mundo, com as indicações do escritor Bartolomeu Campos de Queirós, pela segunda vez, e do ilustrador Roger Mello, que assina o São Jorge ao lado, estreando entre os concorrentes de 61 países. Na categoria promotor de leitura, Maurício Leite concorre pela terceira vez. O mundo só vai conhecer o vencedor do prêmio em 24 de março de 2010. Quem sabe a gente não repete este ano o feito de Lygia Bojunga que, em 2004, recebeu a segunda edição do prêmio pelo conjunto de sua bela obra. Um orgulho para nossa literatura que já concorreu em outros anos com as candidaturas de Ana Maria Machado e Ângela Lago.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Uma família feita de amor

Lendo hoje o comentário de uma colega no Facebook sobre a adoção de seu filho, ainda um bebê, me lembrei de um livro lindo que o Cadoca comprou em um bazar e me trouxe para eu ler para o Pedro, na época um menininho de uns quatro anos. Assim que comecei a ler Conta de novo a história da noite em que nasci, de Jamie Lee Curtis, ilustrado por Laura Cornell, editado pela Salamandra, percebi logo que se tratava de uma menina adotada perguntando aos pais sobre o encontro deles. Um encontro cheio de emoção que vai, aos poucos, mostrando ao pequeno leitor como a chegada de uma criança faz com que um casal se transforme em uma família. E, neste caso, pouco importa se ela é filha biológica ou adotada, o que importa é que ela seja desejada. Tanto é que o Pedro nem percebeu este detalhe e, como a menina, me pediu para contar de novo. A história é singela, como deveria ser, e as ilustrações dão um tom divertido ao relato da noite em que os três se encontram. Uma curiosidade é que a autora é filha dos atores Tony Curtis e Janet Leigh. Vale ler para todas as crianças, adotadas ou não, porque o que fica é o desejo dos pais de tê-las.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

A turma da vida inteira

A turma, de Helme Heine, editado pela Martins Fontes, foi o primeiro livro em que a morte aparece que não fez o Pedro chorar. Pelo contrário. Ele se divertiu muito lendo a história dos três amigos - professor Cérebro, Rose Coração e Barrigão - que nos encontram no nascimento e vão conosco até o fim. Talvez pelo livro falar muito mais da vida do que da morte. Nem mesmo a ilustração de um caixão incomodou o Pedro. Ele foi atento até o fim da história, quando morremos e os três amigos tomam rumos diferentes. O professor vai ao encontro de seus colegas falar de nós, o Barrigão não nos abandona e Rose vai distribuir corações para que não nos esqueçam. Uma bela maneira de falar do nosso fim, sem que as crianças fiquem com medo ou angustiadas. A morte como continuidade da vida e um tempo em que não seremos totalmente esquecidos. Um alento que nos dá o autor/ilustrador alemão que encantou o Pedro com seus desenhos delicados e ao mesmo tempo expressivos. Além disso, se divertiu dizendo que ele era o professor e o Antônio, nosso comilão de plantão, o Barrigão. A turma nos fez lembrar ainda do Pedro dizendo, assim que o Antônio nasceu, que o irmão não tinha cérebro. Hoje, com certeza ele tem cérebro, barriga e um enorme coração.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Dom Pedro peralta nas tintas de Massarani

Olha aí o novo livro da Mariana Massarani, Quando Pedro tinha nove anos, editado pela Global. A história é uma bela sacada da autora/ilustradora para apresentar para nossos pequenos o Rio de Janeiro sede da Côroa Portuguesa, em 1808, quando Dom Pedro, nosso futuro primeiro imperador, tinha nove anos e chegou por aqui com sua família real. Cada trinca de páginas, já que as pares abrem em duas, traz uma cena do Rio pelo traço da Massarani inspirado nas pinturas de Debret. Lindo o livro e divertida a história de um menino peralta, que passa todo o tempo sendo procurado pela família e a criadagem. Mas para desmentir a autora, que diz que fez o livro para pequenos, pensando em seu sobrinho de quatro anos, a história agrada também aos mais velhos. Meu Pedro, com 7 anos, adorou procurar o xará nas páginas do livro e de ler em voz alta, já que o tamanho do texto está de acordo com suas possibilidade de leitura. O Antônio, com 2, gostou de abrir as páginas e de ver os desenhos. E eu e minha mãe adoramos curtir Debret no maravilhoso traço da Mariana, que visitou o quarto de bebê do monarca antes de escrever a história e desenhar as ilustrações, usando naquim, pincel e aquarelas líquidas. Enfim... é um livro para ler e apreciar.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Um cão para encantar toda a família

Já vinha paquerando há algum tempo o Dorminhoco, de Michael Rosen, com ilustrações de Jonathan Langley e editado pela Brinque-Book, qual não foi minha surpresa ao vê-lo na lista da ciranda de livros da turminha do Antônio? Bela surpresa! O livro é realmente é muito legal. As ilustrações de Langley são muito bacanas e super apropriadas para a faixa etária a que se destina (de 3 a 7 anos). A história de Cão, o dorminhoco do título, passa-se em uma fazenda, com todos os animais que fazem a festa da criançada pequena: gato, porco, galinha, carneiro e vaca. O cão incomoda a todos com o seu ronco alto e nada o acorda, até que o dia chega e ele sai serelepe da vida e deixa todos seus companheiros exaustos. O cão é tão encantador, que o Antônio apesar de sua pouca idade aguentou firme, com o maior interesse, esperar pelo fim da história. Para prender a atenção dele vale tudo, mugir como vaca, roncar como o cão, miar como o gato e cocoricar como o galo. Além disso, o Cão é encantador. Tão encantador que até o Pedro, com seus 7 para 8 anos, entrou na dança para curtir a história trazida sexta-feira pelo irmão pequeno. Viva a ciranda de livros da turminha do Antônio, que agora já é aguardada até pelo Pedro.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Surpresas na noite escura

Na noite escura, do designer Bruno Munari, editado pela Cosac Naify, me chegou como um presente da professora de literatura e escritora Ninfa Parreiras, que coordena o grupo de estudos de livros infanto-juvenis da Estação das Letras, do qual faço parte, para eu ler para meu filho. Assim que cheguei em casa abri o livro para ele. Pedro sentou-se ao meu lado e se divertiu explorando página por página e cada uma das texturas de papel em que o livro foi publicado. Ele adorou a história do gato em busca de uma luzinha perdida na noite, que encontra o dia e, ao seguir uma formiga,  reencontra a noite. Pedro entendeu melhor do que eu a obra, publicada pela primeira vez na Itália, em 1956, como parte da experiência dos livros-ilegíveis, que se trata, segundo o próprio Munari,  de "livros sem palavras mas com imagens abstratas que se transformam virando as páginas, como fotogramas de um filme". Pedro se encantou com os vagalumes, que funcionam como uma saída para o absoluto da noite, e leu o livro com a imaginação. Eu talvez não tenha conseguido me desligar da minha condição de adulta, racional e excessivamente verbal para curtir mais o livro de Munari, um autor que, como as crianças, pensa com a imaginação.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Todos os ovos são fantásticos

O mais fantástico ovo do mundo foi a herança da primeira ciranda de livros da qual o Pedro participou na escola. Ele tinha cinco anos e tinha acabado de mudar de escola. Foi um ano de grandes novidades e a ciranda foi uma delas. O Pedro curtiu mais ainda quando, no fim de novembro, a professora colocou todos os livros na mesa e disse que as crianças poderiam ficar com um deles. Cada um escolheria o seu. Se mais de uma criança quisesse um mesmo livro haveria sorteio. O Pedro foi o único a querer O mais fantástico ovo do mundo, editado pela Global, e o trouxe para casa super feliz. Já se vão dois anos, mas o livro continua fazendo sucesso. Com razão, a história e as ilustrações do autor alemão Helme Heine são muito bacanas. A competição entre as galinhas Maricota, Vivi e Cris acaba de forma inusitada, mostrando a todos que o que importa são nossas qualidades e não se somos melhores do que os outros. Sendo assim, as três galinhas acabam amigas e coroadas princesas. Justo fim para quem quer ensinar às crianças que viver competindo é uma tolice.

sábado, 12 de setembro de 2009

Um au au bacana em busca do sono

O Antônio, como os meninos de sua idade, faz de tudo para não dormir. Rola pra cá, pra lá, pega brinquedo, fala com quem o está colocando para dormir, resmunga tanto até levar aquela bronca e fingir que está dormindo. Comigo ele sempre desiste de fingir. Com o pai ou a babá acaba vencido pelo sono, assim como Otto, o maneiríssimo cachorro criado por Todd Parr, o escritor/ilustrador californiano autor de vários livros legais editados pela Panda Books. Otto vai dormir fala de um cachorro bacana, como nossos pequenos, que não quer dormir. Coitado, ele faz todo o ritual para o sono vir e o sono não vem. O que vem é o desejo de brincar mais, de pular na cama, de comer muitos cachorros-quentes, de ser um super-herói, enfim... de ficar acordado. Até que uma hora o sono lhe vence e ele vê o quão gostoso é dormir. O livro, que fala da dificuldade das crianças pregarem os olhos, tem um apelo visual muito legal. Os desenhos de Todd Parr são grandes e simples como gosta uma criança desta idade, mas nem por isso são pobres. Pelo contrário, são super coloridos e expressivos. E a favor do livro conta ele ser apropriado para pequenos sem ser mais um daqueles cartunados, com belas imagens e texto sem sentido. Eu gostei, o Pedro gostou e, por fim, o Antônio, para quem era o presente, curtiu seu amigo au au. Aproveitou para engatinhar e latir como um cachorro. Bom.. dormir que é bom, nada.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Mais um lobo mau, ou melhor, faminto

As mães de crianças pequenas não têm como fugir da sina de falar de lobos. Se são meninos adoram o lobo mau de Os Três Porquinhos. Se são meninas, o lobo de A Chapeuzinho Vermelho. Mas na vida destas crianças têm sempre um lobo com a boca aberta para representar os medos que vão aparecendo em suas cabecinhas. Desta forma, estou aqui de novo vivendo todas as possibilidades de um lobo na vida do meu pequeno Antônio, que começa a colocar a cabeça para fora de casa e a descobrir os perigos do mundo. Mas haja paciência para falar sempre do mesmo lobo. Por isso, fui a campo procurar novas histórias e achei este divertido livro Que horas são, papai lobo?, de Annie Kubler, editado pela Ciranda Cultural. Annie conta, com a ajuda de um pequeno dedoche encaixado no livro, a história de um lobinho que pergunta todo o tempo ao pai que horas são. O detalhe percebido pelo Pedro, que andou lendo o livro, é que o relógio ganha em cada página uma forma diferente, mas sempre a de um animal que faz parte do cardápio dos lobos. O papai lobo responde sempre com algum acontecimento ligado à comida. Uma forma de desmistificar a fome imensa dos lobos maus que comem porquinhos, carneirinhos, vovózinhas e estão sempre a postos esperando por inocentes crianças. No caso do Antônio, uma feliz coincidência, já que ele está sempre com fome e concordando com o desejo do lobo de comer. Enfim... um bom livro para os pequenos.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Grandes aventuras em um pequeno livro

Conheci as histórias de Beatrix Potter por meio do DVD Peter Rabbit e seus amigos, que a Lúcia, minha cunhada escocesa, deu para o Pedro. As histórias do filme são de uma delicadeza encantadora. O Pedro viu muitas vezes o DVD até que cresceu um pouco - acostumou-se à linguagem frenética dos filmes e jogos infantis modernos - e começou a achar o ritmo da narrativa lento. Foi então que descobri na internet A história do Pedro Coelho, o primeiro livro da escritora e ilustradora inglesa editado em formato original no Brasil, pela Lótus do Saber. Encomendei o livro e qual foi a minha surpresa ao recebê-lo: a história que encantou gerações de ingleses e já vendeu 80 milhões de exemplares em todo o mundo é editada em um pequeno livrinho, de 14 cm por 10,5 cm. Mas quando a gente abre o livrinho e começa a lê-lo, encontra uma grande história, daquelas contadas de modo tradicional e ilustrada pela própria autora com delicadas aquarelas. O Pedro ficou vidrado na história do xará coelho, que se mete em uma bruta enrascada ao desobedecer a mãe. Ao fim da história, que ele não queria deixar eu ler por achar infantil demais, o meu Pedro vibrou: "Esta história é muito legal. Pena que é pequena. Mãe você podia comprar outras?". Perguntei o por que ele tinha gostando tanto, ao que respondeu de pronto: "Porque ele se mete em muitas aventuras." Bom... não são bem aventuras, mas tudo é uma questão de ponto de vista.

sábado, 22 de agosto de 2009

De volta à minha casa em Tebas

Minas é um belo capítulo da minha vida. Talvez por isso, eu goste tanto dos livros dos mineiros. Eles falam manso e de coisas que me dizem à alma, como chão, bichos e sentimentos grandes vividos em silêncio. O olhar longo dos mineiros por sobre as montanhas me encanta, desde sempre, me levando de volta para à minha infância e minha adolescência. Não sou mineira, mas poderia ter sido. Meu avô Jacy, nascido em Tebas, um arraial, como se diz lá, distrito de Leopoldina, me deixou de herança o amor por aquela terra. No meio do pomar de nossa chácara, havia uma pedra para lembrar dele e da ligação dos mineiros com sua terra. Todas as vezes que minhas lembranças correm por entre aquelas árvores, paro na frente da pedra para ler sua placa e reafirmar minha ligação com Tebas. "Este pedacinho de chão em que tu cresceste e que tanto amaste, sempre presente para aqueles que te amam". Hoje, Tebas é um lugar na minha memória. Um lugar privilegiado da minha vida. O lugar em que passei belos dias de criança e de adolescente. Talvez por isso, o choque que levei ao ler as duas primeitas frases do belo livro Até passarinho passa, do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, editado pela Moderna. "Nossa casa já não existia. Como tantas outras, ela passou." Nossa casa em Tebas ainda existe, mas não como antes. Para ela não passar em minha vida, nunca mais quis voltar lá. Bartolomeu continua falando da varanda da casa, com galhos de maracujá subindo para o telhado, e a porta da minha memória se abre ainda mais. Assim como eu, o menino do livro sabe a dor de ver o tempo passar. Mas sabe também que isso é inevitável e que ele nada pode fazer a não ser preservar este tempo em sua memória. Assim, eu faço para não perder Tebas da minha vida. Belo livro de Bartolomeu, ilustrado com a delicadeza pedida no texto por Elizateth Teixeira. Não a toa a obra ganhou, em 2003, os prêmios Altamente Recomendável, da FNLIJ, de Literatura Infantil da Academia Brasileira de Letras, e o Hours Concours do Melhor para Criança, da FNLIJ; e, finalmente, em 2004, uma menção honrosa do Prêmio Jabuti. Merecido reconhecimento para um livro que nos dá a oportunidade de falar sem dramas para as crianças sobre as perdas que a vida nos impõem.

domingo, 16 de agosto de 2009

Iguais nas diferenças

Ter dois filhos é um belo exercício de observação do comportamento humano. Afinal, como duas criaturas filhas dos mesmos pais, com a mesma educação podem ser tão diferentes? Esta pergunta todos os pais de mais de um fazem. Mas a fazem com razão. Qual será a estranha equação que aplicada mais de uma vez dá resultado diferente? O Pedro e o Antônio, irmãos no sangue, no nome e nas feições comprovam isso. O Antônio agora, fazendo valer seus direitos de filho, todas as noites vai à estante procurar um livro para eu ou o Cadoca lermos para ele, antes de dormir. Até aí, imita o mais velho. Mas as diferenças começam a aparecer quando deitamos para ler. Com apenas dois anos e quatro meses, ouve toda a história, atento às ilustrações, com a paciência de um pequeno leitor. O Pedro, com esta idade, era um apressado. Queria que eu passasse logo as páginas para ele poder ver as ilustrações. Eu tinha uma estratégia para não perder a história. Lia o livro sozinha para conhecê-la antes de sentar com ele. Assim, eu podia resumí-la na hora da leitura. Lemos, eu e o Pedro, desta forma por algum tempo - talvez uns dois anos - até que ele começou a ter prazer com a espera. Hoje, aos sete anos, reclama quando a história é curta. Já meu pequeno Antônio espera a leitura - tempo que aproveita para curtir as ilustrações e fazer comentários sobre elas - com a curiosidade de um menino grande. Ao fim, ele ainda curte o livro, dormindo agarradinho com ele. Nestes primeiros dias de leitura antes de dormir a escolha campeã do Antônio tem sido Os três porquinhos, o que o aproxima mais uma vez do irmão, que a tinha como sua preferida. Tão diferentes e tão iguais meus dois meninos, que curtiram igualmente, mas em tempos diferentes, o painel/brinquedo que encomendei com a Amanda Nogueira para dar de presente ao Pedro, em seu aniversário de três anos. Acertei em cheio. Agora crescido, Pedro cedeu sua vez para o Antônio que não se cansa de tirar o Lobo Mau e os porquinhos do painel, deixá-los nus e puxar as casinhas. Uma alegria.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A dor de crescer

O título é de impacto. A ilustração também. A história é uma maravilhosa busca na infância de fatos que nos marcam para sempre. É assim que aprendemos a ser gente, não tem jeito. De uma forma seca e poética, Wander Piroli, o escritor mineiro falecido em 2006, nos põe diante do momento em que o menino começa a descobrir seus valores e a forjar sua individualidade, com as dores e a solidão que isso pode representar para uma criança. Pirolli nos leva a pensar ainda que não devemos ter pena de nossos filhos ao vê-los enfrentando suas encruzilhadas. É a superação destes conflitos que nos forjam como seres humanos dignos. Assim foi com o menino, personagem do livro O Matador, ilustrado com precisão cirúrgica por Odilon Moraes e editado com qualidade pela Editora Leitura, no ano passado. O menino percebe quem é ao descobrir o erro de querer ser como todos os outros. O menino percebe seus valores ao não respeitar seus limites e agir como os outros. A tomada de consciência do menino é um momento de dor que ele leva para toda a vida. Um momento que meninos do tamanho do meu Pedro, talvez, ainda não consigam entender sozinhos. Ele ouviu a história e sentiu pena do passarinho, com a justeza de uma criança de um tempo em que bodoque é peça de museu. Eu sofri com o menino por trazer na memória, como ele, as escolhas e os erros que me fizeram ser a mulher que hoje sou. Foi isso que tentei falar para o meu Pedro, que nós erramos ao não respeitarmos nossos limites e valores e os sentimentos dos outros. Mas que estes erros, todos cometemos um dia. O que nos resta é o arrependimento.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Minas: ô trem bão, sô!

Trem chegou, trem já vai, de José Carlos Aragão, ilustrado por Elma, da Editora Paulinas, me levou de volta a Minas Gerais, de onde acabei de chegar de uma breve viagem. Embarquei no ritmo do belo poema de José Carlos, inspirado em Manoel Bandeira, com seu maravilhoso Trem de ferro, e desembarquei na Estação de Mariana, onde me surpreendi com o projeto Trem da Vale. Ali, escondidas nas montanhas de Minas, a empresa mantém a praça lúdico-musical e uma bela biblioteca infantil aberta a quem quiser chegar. Eu cheguei pelo trem, vindo de Ouro Preto, onde também funcionam uma biblioteca infantil e o vagão sonoro-ambiental. Tudo em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto, que dá um charme todo especial à cidade mineira. Me fez lembrar da Biblioteca de Tebas, criada por iniciativa do Tio Knnaip, cunhado do meu avô Jacy, onde aprendi a gostar de ler junto com a meninada do pequeno lugarejo mineiro. Viva Minas Gerais, exaltada no poema de José Carlos e nas delicadas ilustrações da paraibana (ou será pernambucana?) Elma, resultado de um trabalho de linha e agulha e retalhos, finalizados por seu pincel. Ilustrações tão lindas que as páginas do livro até parecem um painel daqueles que as mães faziam antigamente para os filhos. Mas o melhor do livro é mesmo poder, a qualquer hora, voltar a Minas. É só deixar a imaginação ser embalada pelo ritmo do trem de José Carlos, que ganhou o selo Altamente recomendável pela FNLIJ 2003, na categoria poesia, e o Prêmio Adolfo Aizen de Literatura Infantil, em 2002, conferido pela União Brasileira de Escritores - UBE.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Bicho-papão para tirar medo

Outro dia, vi pela primeira vez uma manifestação clara de medo por parte do Antônio. Ele que sempre dormiu super bem, com sono pesado, sem pesadelos, estava custando a adormecer. Só percebi o que estava acontecendo, quando ele deu um pulo, assim que ouviu um barulhinho. Naquele gesto vi o medo. Como tínhamos assistido à tardinha Mogli 2, o belo desenho do Walt Disney, perguntei se estava com medo. Com suas pouquíssimas palavras disse "é". Fui além e perguntei se era medo do tigre do Mogli, o terrível Sherikan. Ele disse novamente "é". O tranquilizei, dizendo que o tigre não viria à nossa casa e que eu e o pai dele o protegeríamos. Ouviu atento, arrumou o travesseiro e dormiu em seguida. Isso me fez lembrar o velho debate sobre histórias que metem medo. Quando era criança, meu pai não deixava ninguém contar histórias de bicho-papão para mim e meus irmãos. Ele dizia que eram histórias horrorosas, inventadas apenas para amedrontar as crianças e fazê-las obedientes e submissas à custa da insegurança. Posso até concordar com ele, mas em parte. Estas histórias foram por um longo tempo um meio de educar pelo medo crianças e adultos para os perigos do mundo. Mas eliminá-las do imaginário infantil não fará com que estes perigos desapareçam, nem com que elas não tenham medo. O medo está aí, no Antônio, de apenas dois anos, ou no Pedro, de 7 anos, e até em mim, burra velha, de 43 anos. Mas eles, aí que discordo do meu pai, têm a possibilidade de extravasar seus medos ao ouvirem histórias aterrorizadoras. Ainda mais, hoje, quando, nós adultos deixamos de acreditar nelas e, por isso, podemos contar a nossas crianças de forma lúdica e, assim, permitir que elas expressem seus medos. Por isso, o Pedro adora quando leio para ele Bicho-Papão pra gente pequena, bicho-papão pra gente grande, de Sônia Travassos, com ilustrações de Jean-Claude Alphen, editado pela Rocco Jovens Leitores. O livro é um divertido glossário sobre os mais horrorosos bichos-papões do imaginário popular e ainda traz uma coleção de bichos-papões criados pela autora para livrá-la da brabeza de sua mãe. Uma delícia. Mas acho que isso não vale para os filmes infantis que abusam da tensão para atrair a atenção da garotada. O realismo das cenas, animadas ou não, submetem as crianças a uma tensão que elas não estão preparadas para sofrer. Por isso, resolvi evitar alguns filmes para o Antônio. Mas as histórias sempre valem a pena.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Mais uma vez Manuel Bandeira

Este ano é de Manuel Bandeira. O grande homenageado da Flip vai ganhar, dia 18 de julho, mais uma homenagem. Desta vez, será na Biblioteca Popular de Santa Teresa, bairro carioca onde o poeta morou. Para falar da importância de sua obra, estará o também poeta e professor de Literatura da UFF Eucanaã Ferraz, que, na Flip, foi um dos palestrantes que falaram sobre o modernista. Tem tudo para ser bacana.

terça-feira, 7 de julho de 2009

A arca de Ruth Rocha e Mariana Massarani

A primeira vez que vi A arca de noé, de Ruth Rocha, com ilustrações da Mariana Massarani, me encantei. O livro - uma reedição da Salamandra pelos 40 anos da prosa de Ruth - estava na vitrine de uma livraria. Grandão, coloridão e com o desenho super bacana da Mariana era o destino certo do meu olhar. Me prometi naquele dia comprá-lo para o Antônio. O desejo ficou guardado até o Salão da Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil, em junho. Feliz, trouxe o livro para casa e o folheei com prazer. Ele é a prova de que uma história super batida como a da Arca de Noé pode ganhar novos contornos nas penas criativas de autor e ilustrador. A prosa da Ruth é uma delícia e nos faz querer ir até o fim, mesmo a gente sabendo onde a arca vai parar, e o traço de Mariana é maravilhoso. O Noé com sua barba enorme e colorida e vestido com uma túnica moderna é o máximo. A beleza do livro - texto e ilustração - encantou o Antônio que ouviu atento com os ouvidos e as mãozinhas nervosas a história até quase o fim. Já o Pedro aguentou mais, riu do pavão fantasiado para baile de carnaval, tentou achar a bengala do tigre, mas acabou dormindo. E eu, deliciada, fui até o fim para ver com quantos versos se faz uma arca. Viva Ruth, Mariana e a arca de Noé.

domingo, 28 de junho de 2009

A magia de se virar em vida

O Pedro me pediu para falar do livro Vira, vira, vira Lobisomem, de Lúcia Pimentel Góes, com ilustrações de André Neves e edição da Paulinas. Ele adorou a história. Quando cheguei com ela em casa, me pediu para ler duas vezes, depois levou o livro para o banheiro e, com sua leitura ainda claudicante, leu sozinho. Ao fim, o botou de baixo do braço e foi para a escola mostrar a novidade para seus amigos. A história ganhou o imaginário do Pedro com justiça. Lúcia fala de vida, amadurecimento e morte de uma forma mágica e poética, que convida a criança a ser uma testemunha especial da passagem de Lobisô pela vida. O personagem a cada sete anos se transforma em um outro bicho e, depois, volta à sua condição de homem. "Conheceu o peso dos anos, a força da vida, teve filhos, lutou pelos homens. Amadureceu. Não se assustava mais com as mudanças... Agora as esperava", diz Lúcia de seu Lobisô, que, apesar do nome, nunca se transforma em lobisomem. Mas aos 70 (10 x 7) ele vira borboleta e nunca mais desvira. É a forma cheia de magia que Lúcia achou para falar da morte. E para agradar ainda mais a meu menino, ela pontua cada período de sete anos da vida de Lobisô com uma equação matemática - que o Pedro adora. "Quando Lobisô fez 14 anos (2 x 7)", segue a autora na narrativa. Belo livro que fala da magia da vida para quem ainda está no início da tabuada, com 7 anos (1 x 7).

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Histórias para pequenos amantes de bichos

O Pedro sempre gostou mais de brincar com bichos do que com carrinhos. Ele tinha uma coleção de bichos que começou com as vaquinhas e cavalinhos de uma fazendinha, cresceu com os selvagens leões, trigres e outras feras e terminou com os dinossauros. Quando o Antônio nasceu fiquei com medo que meu caçulinha gostasse mais de carrinhos, já que ele mostrava interesse por carrões e carrinhos. Confesso que fiquei aliviada e feliz quando ele começou a imitar o som de animais e a não mostrar qualquer interesse em falar bibi ou vruummm. A alegria com que ele brinca com os bichos fez dele um merecedor herdeiro dos bonecos do Pedro. Eu fiquei contente, já que acho a troca das crianças com os animais muito mais bacana do que a paixão pela velocidade e pela beleza dos carros. Não é a toa que elas amam histórias de bichos. Realmente são o máximo. Poderia fazer uma enorme lista daquelas que não podem deixar de ser lidas, a começar pelas fábulas de Esopo e de La Fontaine. Mas não é preciso, todo mundo tem as suas preferidas. Entre as minhas e as do Pedro, com certeza, está o livro Como contar crocodilos, histórias de bichos, que reúne fábulas de índios e negros americanos, de Esopo, de asiáticos e de africanos recontadas por Margaret Mayo, com ilustrações de Emily Bolam e edição da Companhia das Letrinhas. As oito histórias, a começar pela que dá título ao livro, são uma delícia. Elas falam de esperteza dos mais fracos para sobreviverem aos mais fortes, de magia para explicar a existência e as características dos seres vivos, dos limites de cada um dos seres vivos, entre outros temas que fazem nossos filhotes pararem para ver e ouvir uma bela história. A qualidade do livro, com belas e vivas ilustrações, lhe rendeu, em 1996, o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil. Estou só esperando o Antônio crescer mais um pouquinho para apresentar este livro para ele.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A rica troca entre diferentes


Nunca tinha lido nada da escritora Ninfa Parreiras. Descobri a autora por meio dos belos desenhos de André Neves, no livro Um teto de céu, editado pela Difusão Cultural do Livro (DCL). A história é um poético encontro de uma moça da cidade com uma menina do deserto que nunca viu chuva e mora em um vilarejo onde as casas não têm teto e os habitantes nunca conheceram guarda-chuva, sombrinha, chapéu, capa de chuva e botas de plástico. A menina, porém, quer saber como é a chuva, seu gosto, seu cheiro e a sensação que lhe dá na pele. A moça de cidade com chuva lhe promete uma carta com notícias da chuva. Lindo diálogo e troca entre duas culturas tão diferentes. Mas meu filho Pedro não conseguiu deixar de ter pena da menina do deserto e reclamou do fim do livro que não leva a chuva para o vilarejo das casas em que o teto é o céu. "Não gostei. Achei que ia chover no fim", disse meu menino, sensível às dores alheias. Compreendo seu desconforto, mas o livro fala não de desigualdades, mas de diferenças e das infinitas possibilidades que existem em uma troca entre seres humanos distintos.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Para onde vamos após a morte?

Acho que ainda é cedo para eu me sentir segura de que o Pedro tornou-se de fato um leitor. Mas digo que já vejo fortes indícios de que os livros fazem parte da vida de meu filhote. Acredito, sinceramente, que ele já tem prazer genuíno ao manusear os livros. Tanto é que, a seu pedido, eles ganharam um lugar privilegiado no quarto que divide com o Antônio. Os livros estão dispostos na primeira prateleira da estante e os brinquedos, na segunda. Ontem, quando cheguei com novidades do 11º Salão da Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil, no Galpão da Cidadania, na Gamboa, ele me falou que não devíamos mais comprar livros, porque estava acabando o espaço na estante. "Tudo bem. Não compramos mais", assenti. "Não, por favor, não", recuou rapidamente, me confessando que adora quando trago uma novidade. Mas nem todas o deixam feliz. Foi o caso da Preciosa pergunta da pata, da escritora belga Leen van den Berg, ilustrado por Ann Ingelbeen e publicado pela Brinque-Book. Tadinho do meu menino, chorou tanto quando percebeu que a pata tinha perdido um de seus filhotes que não quis esperar pelo fim do livro, que trata de forma lúdica e com alegres ilustrações a curiosidade de todos nós sobre para onde vamos após a morte. "Deve ser horrível perder um filho", disse aos prantos. Em minha tentativa de conversar com ele sobre o medo que a morte lhe impõe, percebi que na verdade ele temia, naquele momento, não a dele ou do irmão, mas a minha. Com o coração apertadinho fui falando que não morreria tão cedo e que, quando este dia chegasse, eu estaria tão velhinha que ele já teria aproveitado muito de mim para ter lembranças de sua mãe para o resto da vida. "Meu filho, quando este dia chegar, você já estará grande, terá seus filhos e terá muito para se lembrar de mim. Você não sentirá desespero com a minha morte, apenas saudades. E eu estarei sempre em seu coração". Foi o bastante para ele engulir tanto choro e pedir pelo pai, com quem dormiu em paz, e para eu me sentir confortada em saber que quando morrer vou ficar gravada no coração dos meus meninos.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A bela caligrafia de dona Sofia

Acabo de ler para o Pedro A caligrafia de Dona Sofia, com texto e ilustração do pernambucano radicado em Porto Alegre André Neves. O livro, editado pela Paulinhas, em 2007, é tão lindo que foi parar no acervo básico da Fundação Nacional do Livro Infanto Juvenil. Texto e ilustração em perfeita harmonia, nos levam para o universo fantástico de uma senhora, professora aposentada, que decorou sua casa com poemas transcritos por ela própria. No momento em que percebe que já ocupou todos os cantos de sua casa com os versos mais bonitos ou aqueles, segundo a própria, mais importantes para sua vida, dona Sofa resolve distribuir poemas e flores para os moradores de sua pequena cidade. Por meio da poesia, quebra o isolamento no qual vivia e faz uma revolução na vida de seus vizinhos que foi sentida, aqui em casa, pelo Pedro. Ele, uma criança recém-alfabetizada, que está sendo treinada para escrever com letra cursiva, ficou muito interessado na bela caligrafia de dona Sofia e no garrancho de seu Ananias. "Deixa eu ver", pedia ele. André Neves não frustrou a curiosidade da minha criança. O livro é todo decorado, como a casa da dona Sofia, com trechos de poemas de vários autores escritos à mão e por delicadas e expressivas ilustrações. Agradou tanto que ele topou minha sugestão de levar o livro para sua professora, já que a turma está tomando intimidade com a língua por meio de poesias. Enfim... uma bela caligrafia e uma bela história capazes de encantar crianças e adultos, como o poeta Elias José, que deixou suas impressões sobre o livro em um elogioso prefácio.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Lendo em família

A medida que o Antônio foi crescendo, me deparei com um desafio: como colocá-lo para dormir ao mesmo tempo que o Pedro, sendo os dois crianças de idades tão diferentes. Se lia para o Pedro, ficava culpada de não estar com o Antônio. Se fazia o bebê dormir, deixava o grandão de lado. Até que um dia o próprio Pedro me deu a solução ao pedir para ler para o irmão. Os livros são sempre os do Antônio, que, com pouco texto e belos e interativos projetos gráficos, agradam em cheio a quem está, como o Pedro, concluindo o processo de alfabetização. O Antônio, por sua vez, fica atendido por ter seus livros lidos em um momento de intimidade com a mãe e o irmão. Um dos best sellers dos irmãos é o Seu Soninho, cadê você?, de Virginie Guérin, editado pela Companhia das Letrinhas. O livro conta a história de Jacó, um jacarezinho que sofre de insônia e fica berrando pela floresta para quem quiser ouvir: "Seu Soninho, você está aí?" Ao que o Antônio prontamente responde: "Não!" A resposta, por sinal, é muito sincera. Ele fica ligadíssimo na história e no livro e quando uma página chama mais sua atenção por suas possibilidades interativas a confusão começa. Ele tenta impedir o Pedro de passar a página e o Pedro resite em parar de ler. Enfim, o resultado é que o pau come. Come, diga-se de passagem, por causa da impulsividade do Antônio que com menos de um metro parece David enfrentando Golias. Mas não fosse por minha presença no meio dos dois, ele teria um fim bem menos glorioso que o de David. Paz refeita, terminado o livro é hora de separar os dois novamente. Porque senão, como na história de Virginie, o Pedro e o Antônio teriam a maior dificuldade de encontrar Seu Soninho.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Um menino feliz

A primeira vez que eu li O menino maluquinho, de Ziraldo, editado pela Melhoramentos, eu era uma adolescente em visita à casa de uma amiga da minha mãe, a Ivana, que tinha filhos pequenos. Como eu sempre gostei de crianças, fui arrumar o que fazer com elas. Achei na estante o livro, que me pareceu bacana, e resolvi ler para a menina, que, se não me falha a memória, se chama Rafaela. Li o livro num fôlego só, como deve ser e adorei. Adorei aquele menino maluquinho e encantador. Mas ele já não era mais assunto para mim, que já tinha crescido. Muitos anos depois, quando o Pedro começou a ser introduzido no mundo das histórias, resolvi comprar o livro para ele. O menino maluquinho já tinha quase 30 anos, mas fazia o meu Pedro, com uns quatro anos, lutar contra o sono para ouvir o fim de sua história. Foram muitas vezes que ele ouviu as traquinagens do menino, antes de se desinteressar e procurar outros personagens, até que, outro dia, veio da escola com um dever de casa que citava um trecho da obra. Procurei o livro e reli para ele. Encantado, como nas primeiras leituras, o Pedro prestou uma bruta atenção e mostrou-se ainda mais interessado quando os assuntos do maluquinho passaram a ser as namoradas e o futebol, sua maior paixão. Ao ouvir os versos finais do livro, que conta o momento em que o menino cresce e percebe que não era maluquinho, mas feliz, o meu Pedro sorriu de forma tão pura que tive a certeza de que ele, como o maluquinho, é um menino feliz.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Um pouco de Bel e Bia

O Pedro adorou tanto o pocket show Bel e Bia que apresentou a mais nova história de Márcio Trigo, dia 16 de maio, na Festa Literária de Santa Teresa (Flist), que assim que ele terminou me pediu para comprar o livro, editado pela Mirabolante. Na hora hesitei por achar que era muito texto para a idade dele, mas resolvi comprar. Bobagem a minha ter tido dúvidas. Ele tinha razão. É realmente muito legal a história das duas amigas que nasceram na mesma maternidade, brincaram e estudaram juntas e foram separadas pela decisão dos pais de Bia de mudar de cidade. As ilustrações de Mariana Massarani, com quem Trigo tem uma velha e bem sucedida parceria, dão ainda mais vida às traquinagens e às boas ações das meninas, dando a elas um gracioso ar hippie. Ele ouviu tudinho com o maior interesse. E eu, confesso, não pude deixar de me lembrar das minhas amigas de Tebas, em Minas Gerais, que foram e ainda são tão importantes na minha vida, apesar da distância. Fiquei até emocionada. O Pedro incrédulo com a minha reação me perguntou porque minha voz estava embargada. Quando falei que era pelo livro, ele riu. Envergonhada, também ri e perdi uma bela oportunidade de falar para meu filho como é bom ter amigos e cuidar deles. Fica para a próxima...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O caderno de desenhos de John Lennon

A Fabiana, babá das crianças, trouxe hoje um livro para o Antônio muito legal: Amor de verdade - desenhos para meu filho, de John Lennon, editado em 1999 pela Salamandra. Trata-se de uma coletânia de desenhos do Beatle para o filho Sean, organizada por Yoko Onu, que por sua linguagem oral e visual simples e lírica tem tudo para agradar aos pequenos. Os desenhos são bem prosaicos e ganharam legendas, segundo Yoko, nas brincadeiras de pai e filho. Na edição brasileira, elas têm a graça de Ruth Rocha. O Antônio, para quem a Fabiana trouxe o livro, adorou. Andou para cá e para lá com o livro, felizmente de capa dura, e me deixou ler algumas páginas. Cada uma delas traz uma ilustração diferente. São focas, cachorros, gatos, patos e outros bichos. As que o Antônio mais gostou foram as do cavalo dançarino, confirmando sua paixão pelos equinos. Uma boa maneira de apresentar o mundo encantado de John Lennon para nossas crianças.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Nunca é tarde para conhecer Lygia Bojunga

Uma pena eu adolescente não ter tido a oportunidade de ler Lygia Bojunga. Eu crescia ao mesmo tempo em que ela, jornalista e atriz, se tornava escritora. No lançamento de A Bolsa Amarela, seu terceiro romance, eu tinha apenas 11 anos. Mas, como Raquel, estava estranhando o mundo para o qual me preparava. Tenho a idade de Raquel e muitas de suas questões, mas, ao contrário dela, que teve uma bolsa amarela para carregar seus desejos e abrigar seus amigos imaginários, passei este período da vida sozinha com meus medos e desconfortos. Não foi fácil. Os livros que lia - da minha mãe, da escola ou da Biblioteca de Tebas, lugarejo de Minas Gerais, em que passei três importantes anos de minha vida - não davam voz a adolescentes contestadores. Minhas heroinas eram As meninas exemplares, sempre obedientes, da Condessa de Ségur, e Pollyanna, a personagem de Eleanor H. Porter que supera suas dores e desconfortos brincando com o jogo do contente. Muito diferente de Raquel que nos convence na narrativa em primeira pessoa que tem todas as razões do mundo para estranhar seus pais e irmãos já grandes. Para mim, teria sido um alento saber, nos primeiros dias de minha adolescência, que, em algum lugar real ou imaginário, alguém estava passando pelas mesmas angústias que eu e estava buscando seus caminhos. Mesmo, agora, quase 33 anos depois e com o livro em sua 34ª edição, pela Casa de Lygia Bojunga, a narrativa de Raquel mexeu comigo ao me fazer reviver, com olhos de adulta, aqueles tempos de adolescer. A universalidade da narrativa de Lygia deu ao livro um reconhecimento merecido. A Bolsa Amarela ganhou o selo de ouro da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, dado anualmente ao livro considerado O Melhor para a Criança, e o Certificado de Honra do IBBY (International Board on Books for Young People). Traduzido em vários idiomas, a história foi encenada em teatros do Brasil, Bélgica e Suécia. Para quem ainda não leu, posso atestar: nunca é tarde para conhecer Lygia Bojunga.

domingo, 24 de maio de 2009

Onde há um ponto, há um caminho...

Descobri O Ponto, de Peter H.Reynolds, no blog Letra Pequena, do jornal português O Público, e corri para ver se este livro tinha sido editado em terras brasileiras. Felizmente sim. Nossa edição é da Martins Fontes e, por isso mesmo, é mais fácil encontrá-la na livraria da editora, na Avenida Rio Branco. O autor é ilustrador de vários livros, inclusive da série Judy Moody, no Brasil, pela Salamandra. Mas voltando a O Ponto, assim que tive o livro nas mãos, confirmei a opinião de Rita Pimenta, do Letra Pequena. A história é mesmo muito legal. Vashti, na edição portuguesa Vera, nome bem mais fácil para nossas crianças, é uma menininha que não sabe desenhar e, por isso, se recusa a fazer o trabalho da aula de artes. A professa, certa de que todos têm uma marca para deixar, a desafia a fazer um ponto e a assinar sua obra. Como diz a apresentação do livro, "onde há um ponto, há um caminho..." E Vashti acha seu caminho. A angústia de Vashti me lembrou a de meu filho Pedro, que, como eu, é um péssimo desenhista. Os deveres de casa que pedem desenhos são para ele um suplício. Uma tentativa e um lápis zunindo. Outra e o papel todo rabiscado. Mais outra e resmungos aos gritos. Enfim, um sofrimento que só acabou no dia em que achei um estêncil para ele fazer seu primeiro dinossauro. Satisfeito, ele passou o lápis sobre o dino, coloriu e foi mais feliz para escola. Mas eu queria que, ele, como Vashti, entendesse que para deixarmos nossa marca na vida não precisamos ser bons, mas apenas sabermos do que somos capazes.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A grande idéia de Thierry Dedieu

Em matéria de livros, muitas vezes miro no que vejo e acerto no que não vejo. Foi o caso do As ciências naturais de Tatsu Nagata, editado pela Companhia das Letrinhas. Comprei pensando no Antônio, já que o livro fala de bichos, tem pouco texto e expressivas ilustrações. É claro que sabia que ainda teria que esperar um pouco para lê-lo para o Antônio, um bebê ainda, mas nunca imaginei que ia agradar ao Pedro. Logo o Pedro, que reclama quando o livro tem pouco texto, adorou. Na primeira vez que ouviu a história, fez pouco do cientista japones Tatsu Nagata, uma criação do escritor e ilustrador francês Thierry Dedieu, por ele dar singelas informações sobre a raposa, a toupeira, o crocodilo e a coruja. "Eu já sei disso tudo", resmungou, mas bem que gostou. Poucos dias depois, topou ouvir de novo, riu dos estratagemas de Tatsu para se proteger dos animais e pediu bis. Agora, volta e meia, a gente lê e vê (que delícia de ilustrações!) o caderno de anotações do grande cientista japonês, que tem cinqüenta anos e, desde criancinha, é observador da natureza. Vale a pena pelo humor, pelas cores e pela grande idéia de Tatsu Nagata, ops, de Thierry Dedieu.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Mamãe zangada não é vítima, nem algoz

Relutei muito antes de citar o livro Mamãe zangada, da alemã Jutta Bauer, editado pela Cosac Naify. Nada com a qualidade do livro, já que o texto e as ilustrações de Jutta são lindos e a edição, como todas da Cosac, muito bem cuidada. A razão de minha relutância se deveu a dois fatores: o livro ser muito badalado e, assim, eu ter pouco a acrescentar; e minhas dúvidas sobre para quem de verdade a autora fala, para mãe ou para o filho. Mamãe Zangada será, como disse a Renata, uma colega de trabalho que não tem filhos, um livro para as mães se envergonharem? Ou será um livro para pensarmos, mães e filhos, nos limites de nossa tolerância? Os acessos de ira, se respeitados os limites da civilidade, são normais nas relações entre mães e filhos. Quem nunca enlouqueceu sua mãe que joge a primeira pedra e a mãe que nunca gritou com o filho que me desminta. Acredito mesmo que a autora não queria fazer de Mamãe Zangada um manifesto politicamente correto contra a violência nas relações entre mães e filhos. Pelo contrário, em entrevista à Revista Babar, Jutta diz que "para se resolver conflitos há que se passar primeiro pela tristeza e pela dor". Desta forma, acredito que nesta história não haja vítimas, nem algozes. Afinal, a mamãe pinguim também sofre com a bronca que dá em seu filho. Como todas nós, mães, culpadas ou não.

domingo, 10 de maio de 2009

Uma história de amizade e traição

Raposa, de Margaret Wild, com ilustrações de Ron Brooks, editado pela Brinque-Book, é um belíssimo livro. Os personagens - um cão cego de um olho, um corvo sem uma asa e uma raposa invejosa - levantam várias questões que mobilizam as crianças: solidariedade, amizade, inveja, traição e arrependimento. Texto e ilustração criam um clima denso que deixa o pequeno leitor aflito com o destino de seus heróis. A raposa, confesso, causou desconforto até em mim, que li para o Pedro. Na ilustração da capa seus olhos são dourados, o que dá um olhar sombrio à invejosa raposa, que entra na história para separar o cão e o corvo. A ilustração é tão impressionista que o Pedro rejeitou o livro, dizendo que teria pesadelos com a história. Ele só me deixou lê-lo em um noite em que o Caio, meu afilhado, dormiu aqui em casa. Juntos, como deveria ser com o cão e o corvo, enfrentaram a raposa e seus medos. Tanta tensão tem um escape no final da história. A autora dá ao corvo o benefício do arrependimento. Tudo bem que ele terá que enfrentar um longo caminho de volta, sem a certeza do perdão. Belo livro para adultos e crianças que recebeu uma série de merecidos prêmios para texto e ilustração.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Gato de Sofá Deita e Rola na Flist

Levei até um susto quando vi que minha última postagem foi no dia 26 de abril. Mas a razão para eu ter abandonado o blog nesta semana foi justa. Me envolvi no projeto de criar uma edição especial do Gato de Sofá para a Festa Literária de Santa Teresa - a Flist, promovida pelo Ceat - Centro Educacional Anísio Teixeira. O resultado foi o Gato de Sofá Deita e Rola na Flist. O blog estará de plantão no dia da festa, 16 de maio, na Livraria Largo das Letras, na Rua Almirante Alexandrino, 501, para colher impressões de crianças e adultos sobre o evento e sobre livros. A idéia é construir junto com o público uma memória virtual da primeira edição da festa literária que vai acontecer de 9h às 18h, em vários pontos do Largo dos Guimarães, em Santa Teresa. A programação é bem legal. Tem café da manhã com a Lygia Bojunga, conversa com os poetas Ferreira Gullar e Ondjaki, oficina com os ilustradores Graça Lima, Mariana Massarani e Roger Mello, entre muitas outras atrações. Vale a pena ir a Santa neste dia. Vai ter diversão para crianças e adultos, além de ser uma bela oportunidade de desfrutar do bucólico bairro.

domingo, 26 de abril de 2009

O desejo de bem viver nos desenhos de Marlowa

Olha que legal que ganhei da ilustradora Marlowa: um conjunto de lindos cartões e um carinhoso bilhete que compartilho com vocês, além do livro O verdadeiro tesouro de Carla, ilustrado por ela, com texto de Luciara R. Da Silveira Pereira, que conta a história de uma menina iludida pelo consumismo. O presente, acreditem, me foi dado por sorteio - olha que sorte! - em que seu filho Enrique colocou a mão no saco e saiu meu nome e de uma amiga espanhola de sua mãe. Eu a Marlowa não nos conhecemos pessoalmente, mas estamos mantendo contato virtual desde que ela descobriu o meu blog na internet. Ao retribuir sua visita, tive a bela surpresa de deparar-me com seu blog (http://marlowa-marlowa.blogspot.com/). O desenho de Marlowa é delicado e expressivo e, tenho certeza, vai fazer muitas mulheres da minha idade se lembrarem dos dias em que, meninas, sonhavam com uma casa no campo e roupas feitas a mão. Enfim, de um tempo em que os sonhos eram apenas o desejo de bem viver.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

É o Bicho faz um gol de placa

O ilustrador Guto Lins fez um gol de placa com É o Bicho Futebol Clube, da Ediouro. O livro, com exatas 11 páginas, apresenta um a um os jogadores do escrete do time formado por bichos. Cada um deles - avestruz, cobra, hipopotamo e leão só para falar de alguns - tem uma qualidade no time. Os desenhos vigorosos e o texto bem humorado de Guto Lins garantem o sucesso do livro com a meninada, que, aqui em casa, só pensa em bola e em futebol. Isso mesmo, o livro agradou ao Pedro, com sete anos, e ao Antônio, com dois. Além disso, o autor presenteia as crianças com as ilustrações para elas criarem um time de futebol de botão com sucata, além de uma enorme lista com os nomes de craques que, nos tempos atuais, são parte de um passado remotíssimo, como Garrincha, Rivelino e Eusébio. Vale a pena procurar pelo livro, já que o título não é figurinha fácil nas livrarias.