quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Natal é tempo de acreditar...



Há uns dias fui com o Antônio em um shopping que tinha como decoração de Natal a casa do Papai Noel. A novidade o atraiu, o que me levou a esperar uns 10 minutos na fila, pelo privilégio de ver o bom velhinho. Este tempo não foi em vão. O Antônio aproveitou para escrever um objetivo bilhete, em que pedia com pouquíssimas palavras uma chuteira da Nike, de um pink metalizado, usada por nove entre 10 meninos de seu futsal.
Assim que entramos, tirou uma foto com o Papai Noel e entregou a cartinha, com seu pedido. Na saída, perguntei se tinha gostado do passeio e recebi uma resposta que me deu a certeza de que meu menino, com sete anos, ainda acredita na lenda de São Nicolau.
- O Pedro é muito mané de não ter querido vir com a gente! Eu até garanti meu presente de Natal – disse-me orgulhoso de ter levado vantagem em relação ao irmão de quase 13 anos, que, incrédulo, não viu o quanto havia perdido em negar-se a fazer o passeio.
Passados uns dias de procura da tal chuteira, fui ter novamente com ele.
- Sabe aquela chuteira que você pediu? Pois é, não a estou achando em loja nenhuma – disse.
- Tá vendo – gritou irado - Mais uma prova de que Papai Noel não existe! É você quem compra os presentes – me acusou de dedo em riste.
- Que nada, Antônio – me apressei a tentar consertar a gafe - Ele pediu para eu comprar a chuteira porque lá, no Polo Norte, é difícil achar Nike. E me disse também que vai te dar outro presente, uma surpresa – inventei, tentando salvar o Papai Noel no imaginário do meu pequeno.
Ele me olhou por alguns segundos sério e pensativo.
- E aí? Prefere que eu dê a chuteira e o Papai Noel dê a surpresa ou que ele dê a chuteira – perguntei, ansiosa pela resposta.
- Tudo bem! Você dá a chuteira.
Diante do tom resignado de sua voz, fiquei na dúvida se ele estava sendo mais uma vez ingênuo ou se, para ganhar dois presentes, estava aproveitando-se da boa-fé de uma velha, que insistia em fazer com que ele acreditasse em Papai Noel. Mas calei-me.
Dias depois, sem mais, nem porquê, me perguntou de pronto.
- Mãe, o Papai Noel sabe ler em letra cursiva?
A pergunta, de quem está se esforçando para transforar sua letra bastão em letra cursiva, me pegou de surpresa e me fez ter a certeza de que o Antônio está naquela fase da infância, em que a fantasia resiste bravamente às ofensivas da realidade.  Só não sei até quando ela vai continuar a vencer.

PS: Natal é tempo de acreditar. Acreditar em Papai Noel, em mais amor, em uma vida melhor, enfim, em renovação. Virginia acreditou, Antônio acredita e virão outros tantos, como eles, para nos encher de ternura nesta data. Um feliz Natal para todos.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Uma âncora ao mar para viver um breve e enorme amor

Cuidar, como verbo transitivo indireto - cuidar de quem, está meio fora de moda. Ninguém quer perder tempo e dinheiro com os outros. Somar tempo e dinheiro, inclusive, é uma operação comum antes da decisão por filhos e fazê-la é uma atitude honesta, que pode evitar escolhas erradas. A honestidade, no entanto, não muda o fato de que, em um mundo individualista e marcado pelo narcisismo, hedonismo e consumismo, cuidar dos outros é como estar em um navio e lançar uma âncora ao mar. O que ninguém pensa, nessa hora, é que, as vezes, o navio ancora em belas paragens. Um prazer que pode ser fruído por quem, menos ansioso, consegue ver beleza onde está. É sobre esse prazer que Marina Colasanti trata em Breve história de um pequeno amor, editado pela FTD, que acabou de ganhar o prêmio Jabuti de melhor obra de ficção. Um prêmio que colocou, justa e tardiamente, a literatura para jovens leitores no andar de cima. Na história, Marina é a própria personagem principal: uma cuidadora de um pombinho que ficou sem a mãe e passa a depender dela para viver. O bichinho come por suas mãos e aprende a voar, com quem não tem asas. Uma narrativa delicada, como é a marca da prosa poética de Marina, que soma-se às expressivas ilustrações da argentina Rebeca Luciani. O livro foi editado para leitores mais experientes, mas encantou meu menino pequeno. Antônio, com seus sete anos, ouviu com interesse a história da escritora que descobriu um ninho no forro do teto de seu escritório e assumiu a responsabilidade pelos filhotes, abandonados pela mãe. Foram três dias de leitura para acabar o livro. Três noites de carinho com o meu pequeno, que aconchegou-se a mim, como se fosse o filhote de Marina. Ao fim, Antônio acompanhou com o coração apertado o voo final do pombo, já crescido e acasalado. "Mãe, ela ficou triste quando ele foi embora", perguntou. "Ficou, Antônio, mas ela sabia que um dia isso ia acontecer. O importante são os momentos que eles passaram juntos", respondi. O pequeno amor de Marina pelo pombinho é como o grande amor dos pais pelos filhos. Nós cuidamos deles, mesmo sabendo que, um dia, vão nos virar as costas para, crescidos, irem embora. E, nem por isso, deixamos de cuidar deles. É o amor do qual fala Marina que faz valer a pena cuidar de alguém, mesmo quando isso parece um péssimo negócio. Este amor é que transforma a velha operação tempo e dinheiro, que na frieza da matemática sempre dá negativa, em positiva, para fazer valer a pena ter filhos. Há 13 anos, lancei minha âncora ao mar para curtir um pouco e, sei disso, por pouco tempo, essa paragem que é a maternidade. Posso assegurar que ela é um ótimo lugar para viver um breve, mas enorme amor.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Axterix, Obelix e as inevitáveis comparações entre irmãos

O Pedro e o Antônio, nos últimos 12 anos, têm me ensinado muita coisa. A principal delas é que o
melhor a se fazer é aceitar os filhos como eles são. Compará-los com outras crianças, sejam estranhas ou não, é a pior coisa que uma mãe ou um pai podem fazer. As comparações não são boas ferramentas de educação e só criam frustração, tanto para pais, quanto para filhos. Para controlar a tentação de fazê-las, recorro à memória, onde encontro ainda fresca a frase cunhada por meu amigo, Marcos Derizans, que, aos 20 e poucos anos, deitado de barriga para cima no pilotis da PUC, já sabia de tudo: "Coelho (ele me chama assim até hoje), para ser feliz a gente tem que baixar a expectativa". É verdade, só assim é possível encontrar o caminho do meio, fruir a vida e amar as pessoas como elas são e não como queremos que elas sejam. Mesmo sabendo disso tudo, é inevitável que as vezes a gente se esqueça disso e eu esqueço muitas vezes. "O Pedro nesta idade já fazia isso e aquilo", penso em relação ao Antônio. "O Antônio está fazendo isso e aquilo muito antes do que o Pedro", completo e sigo olhando meus meninos como se eles fossem as únicas crianças a crescerem no mundo. Estes pensamentos são reforçados e muito pelos livros que leio para os dois. As leituras para o Pedro ficaram no passado ou na carona do irmão - ele não admite, mas ainda adora ouvir uma boa história e, por isso, reclama pacas quando a escolhida não lhe agrada - e as para o Antônio continuam a ser diárias. Algumas delas, muito poucas, diga-se por justiça, escolhidas por mim ou vindas da ciranda da escola, e a grande maioria, por ele. Do acervo doméstico, ele escolhe sempre as mesmas, ficando as novidades por conta das retiradas semanais da biblioteca da escola. De lá, vem de tudo um pouco, até que veio Asterix, os quadrinhos de Uderzo e Goscinny que foram muito lidos na casa que compartilhei, até minha juventude, com meus pais e meus irmãos.  "Será que o Antônio vai entender essa história", perguntei a mim mesma. "Com quantos anos, eu comecei a ler Asterix", continuei, sem achar a resposta em minha memória. Mas ele queria ouvir a história da aldeia gaulesa que enfrenta os romanos com bravura e muita poção mágica do velho druida Panoramix e foi o que fiz. Foi então que começou a confusão na cabeça do Antônio, que se confundiu com os nomes dos personagens da aldeia. Asterix, Obelix, Panoramix, Abracourcix, Ideafix, Chatotorix, e todos outros foram se misturando na cabeça do pequeno, mas seguimos a história. O Pedro atentíssimo, prestando a maior atenção na história, e o Antônio parando com frequência para perguntar quem era quem. A leitura, como não podia deixar de ser, foi feita em etapas e durou uns três dias. Três dias de volta à velha aldeia gaulesa e às maluquices de Asterix e Obelix me deram ainda mais a certeza de que na vida não há regras. Cada um é cada um e a realidade e a vida é fruída por cada um de nós, como queremos e como podemos fruí-las. No resto, são expectativas dos outros, que, na maior parte das vezes, frustam quem as acalenta e machucam quem as vê cair sobre seus ombros. Por isso, todos os dias lembro que não devo sonhar com o futuro dos meus filhos. Repito esta lição como se fosse um mantra, mas, devo confessar, que eu, como as crianças, esqueço muitas vezes o que ouço.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Uma bruxa velha, feia e pronta para o amor

Babuxa veio discreto na mochila do Antônio, cumprindo a rotina de todas as sextas-feiras, dia em que ele traz uma novidade da ciranda da escola. Assim que iniciei a leitura, vi que Babuxa tinha futuro. A maior qualidade da história de Almir Correia, ilustrada por Gustavo Piqueira e editada pela Bituta, é brincar com a linguagem com bastante humor. A Babuxa de Almir Correia é, como se pode supor, uma bruxa velha e feia. Mas, acima de tudo, uma bruxa com sentimentos. Sentimentos que são tratados por Almir com a criatividade dos poetas e o humor que encanta as crianças. Eu sou daquelas que acha que o humor, associado a uma narrativa criativa, sempre produz uma bela história. Estou convencida de que as crianças leem ou ouvem histórias para, em primeiríssimo lugar, se divertir. A literatura é para as crianças uma possibilidade de viver no mundo de fantasia que nós, adultos, e a realidade lhes negamos permanência. Podemos até falar do mundo real para elas por meio da literatura, mas, para encantá-las, temos que falar dele de forma lúdica, sem compromisso com a verdade. Babuxa fala de como o amor é democrático e deve ser vivido por feios e bonitos, velhos e jovens, príncipes e sapos sem qualquer distinção. Babuxa é corajosa e surpreende as crianças. Ela não escolhe o caminho mais fácil, escolhe o caminho da fantasia e, por isso, fez do Antônio seu fã. Confesso que, assim que abri o livro, vi que seria um sucesso. A narrativa de Almir Correia é, sem forçação de barra, criativa, lúdica e, por isso, imprime seu ritmo ao leitor. É impossível ler Babuxa com a entonação normal, da vida cotidiana, sem surpresas ou com monotonia. A história é para ser lida com humor, interagindo com a criança e com a personagem, indo mais além, ao perceber que a viagem só está começando. Foi assim comigo e com o Antônio. Nós dois, lado a lado, acompanhamos a história, curiosos para saber o que Babuxa faria. O Antônio achou a bruxa burra por sua escolha. Eu, por minha vez, talvez por desconfiar que os homens, bruxos ou não, são imprevisíveis e, muitas vezes, escolhem caminhos inusitados para serem felizes, gostei da escolha de Babuxa. Uma escolha improvável para viver um antigo amor, mas a escolha de Babuxa. Ao final de tudo, a bruxa velha, feia e pronta para amar ensinou ao Antônio que qualquer forma de amor vale a pena.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Um livro, uma parlenda, muitos afetos e algumas surpresas

Cadê, de Guto Lins, editado pela Editora Globo, é a mais nova mania do Antônio. Depois de reclamar muito da quantidade de livros que há na estante, o que, segundo ele, atrapalha o processo de escolha, Antônio, enfim, puxou um para ser lido. Puxou domingo, segunda, ontem, todos os últimos dias o mesmo. Cadê tem qualidades para estar entre os seus preferidos e traz uma particularidade que o encantou: ter duas edições com ilustrações diferentes (a outra, mais antiga, é da FTD). O livro imprime uma velha brincadeira de infância, que eu amava na minha e, adotado pela escola, ajudou a alfabetização do Pedro a ser mais divertida. A parlenda "Cadê o ratinho que estava aqui? O Gato comeu..." foi o texto escolhido por Guto Lins, um criativo ilustrador, para convidar a criança a brincar. Ou melhor, a tocar, a fazer cosquinha, a rir, a interagir com o que lê e com quem lê para ela. Antônio fez tudo isso, mas o que ele mais gostou foi do final da parlenda. "Cadê o ratinho que estava aqui? Foi por aqui, por aqui, por aqui..." Meus dedos seguiam o ritmo do texto, fazendo com que ele risse e se contorcesse todo. O prazer do Antônio foi tanto que reforçou minha crença de que a iniciação da criança na leitura é ancorada no afeto. O afeto é a única razão que nos leva a lermos para nossos filhos e, nos primeiros dias, a fazer com que eles nos escutem. É o calor gostoso de corpo encostado em corpo, são as mãozinhas curiosas no livro e a voz do adulto conduzindo a história que oferecem para a criança a ludicidade proposta pela literatura infantil. O afeto, vale lembrar, é o que mais conta na vida. Não tenho dúvidas de que foi ele quem me moveu nos últimos anos. Ele me deu casa e comida, norte na vida e um olhar para o futuro. Foi com ele que construí minha família, preenchi meus vazios e re-signifiquei minha história. É dele que me alimento, que supero minhas perdas e celebro meus ganhos. E é para ele que quero criar meus filhos. No mais, só me resta esperar pela vida. Ela, como a parlenda, tem sempre uma surpresa guardada a frente. E creio, cada dia mais, que boa.

domingo, 15 de junho de 2014

Toda criança tem medo do lobo mau

O medo é um bom tempero para a imaginação, não há quem duvide. Talvez seja isso que garanta sucesso para as histórias de lobo. Afinal, estou para conhecer criança que não tenha medo do lobo mau. Um lobo que come porquinhos e meninas ingênuas e que pode estar em qualquer lugar. É justamente dessa ameaça que Anna Flora fala em Quem tem medo do lobo mau?, editado pela Record e ilustrado por Walter Ono, prestigiado ilustrador da geração de 1970. O livro, de 1987, antecede a atual tendência de Hollywood de desconstruir os tradicionais contos de fadas. Ele foi lançado, no Brasil, um ano antes de, nos EUA, ser editada A verdadeira história dos três porquinhos, de Jon Scieszka, que, como Anna Flora, contou o embate do lobo com os porquinhos pela visão do algoz. Anna Flora e Scieszka falam de um lobo injustiçado, logrado pelos porquinhos e alçado à condição de vilão por obra do acaso. Mas falam de histórias diferentes. A de Sciesszka já foi comentada aqui no Gato de Sofá. A de Anna Flora foi uma surpresa para mim. Achei o livro em uma banquinha de usados, na Praça São Salvador, no Rio, e resolvi trazê-lo para casa para ler para meus dois meninos, apaixonados por histórias de lobo. O livro, pequenino, em formato de bolso, tem uma narrativa longa, em que o lobo conta para o delegado seu ponto de vista sobre a história dos três porquinhos. A ela se juntam expressivas ilustrações de Walter Ono, que nos ajudam a dar corpo aos fatos. A narrativa de Anna Flora nos prende a atenção até o desfecho de sua história, em que o lobo sai, com a mão no bolso, assobiando um sambinha. Isso mesmo, ela usa e abusa do nonsense para oferecer para as crianças uma narrativa saborosa. O único senão, segundo o Pedro, que acompanhou tudo com a maior atenção, foi o lobo não saborear os porquinhos. "Ele tinha que ter comido os porquinhos", protestou. Faz sentido. Na história original, de Joseph Jacobs, os porquinhos das casinhas de palha e de madeira vão parar na barriga do lobo, em uma narrativa sem qualquer pudor. Afinal, ao contrário das histórias que desconstroem o lobo, como a de Anna Flora e Sciesza, toda criança tem medo do lobo mau. Mesmo assim, sempre vale a pena ouvir o outro lado. Mesmo que, nesse lado, esteja um lobo.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Um livro, como a vida, sempre tem dois lados

Ninguém duvida de que os fatos da vida sempre têm mais de uma versão. Infinitas versões, dependendo da situação, mas, podemos garantir, que, no mínimo, duas. E nem sempre é fácil compatibilizá-las e harmonizá-las. A vida é como ela nos parece ser. Não há vacina contra a má interpretação dos fatos. Não há garantias de que o que vemos de fato existe. Não há, nem mesmo, certezas sobre como são as coisas. Pois é, a visão dupla, o ponto de vista, a interpretação é a matéria prima de Ter um patinho é útil, da autora e ilustradora Isol, a argentina que ganhou, em 2013, o Alma, um dos mais prestigiados prêmios da literatura para crianças e jovens do planeta. O patinho de Isol, editado por aqui pela Cosac Naify, é na verdade a maneira de a autora brincar com esta verdade ou com a constatação da ausência dela. De um lado o patinho é o objeto útil para o menino. Do outro, o menino é o objeto útil para o patinho. Eles se alternam graças a um artifício do projeto gráfico do livro, que é uma sanfona com dois lados. A criança desenrola a sanfona de um lado, para ler a história do menino e quando chega do outro lado, começa a história do patinho. Uma brincadeira que parece simples e destinada apenas a entreter o pequeno leitor, mas tem a capacidade de ludicamente traduzir literariamente um axioma da vida. Não há dúvidas de que, quando um autor consegue esta façanha, a alegria fica por conta do leitor. Aqui em casa foi assim. O Pedro, mesmo já quase um adolescente, com seus 12 anos, se divertiu ao desvendar a brincadeira proposta por Isol. Riu ao fim, com o riso de quem percebe a trapaça da autora. Um livro para ler, tocar, abrir e pensar. Pensar em como a vida tem sempre, pelo menos, dois lados. Feliz de quem logo percebe isso.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Um botão para soltar a imaginação

Temos passado dias frios no Rio. Um friozinho carioca, sei disso, mas um friozinho que nos permite uma blusa de manga comprida de dia e um cobertor de noite. Tempo que nos faz desejar aconchego, que nos lembra que nossa casa é um lugar de afeto e nos afasta da rua, tão querida nessa cidade. Uma hora em que o melhor é buscarmos aqueles que amamos e nos amam. Assim tem sido aqui em casa. Quando a noite chega, eu e os meninos nos aninhamos na cama, juntinhos, para ler histórias. Mas, antes disso, tem muita animação por aqui. Tem que tirar todo mundo da TV, do computador, do Ipod e do álbum de fugurinhas da Copa e colocar os dois para escovar os dentes e vestir o pijama para, enfim, deitarmos. Mas não sem antes o Antônio passar alguns longos minutos escolhendo a história da noite. São vários livros rejeitados, até chegar ao escolhido. Aperte aqui, de Hervé Tullet, editado pela Ática, faz parte dos poucos que merecem a atenção do Antônio. Ele tem razão em gostar do livro que chegou aqui em casa pela ciranda da escola e, diante de seu entusiasmo e do Pedro, com a brincadeira proposta por Hervé, mereceu ser comprado para nossa estante. O autor francês, já comentado aqui por Sem título, da Companhia das Letrinhas, parece ser, pelos dois livros publicados no Brasil, um mestre em brincar com a imaginação. Se, em Sem título, ele convida o pequeno leitor a viajar pela criação da narrativa, em Aperte aqui, ele brinca com a ideia de que o virtual não é um produto apenas das plataformas digitais e de sua capacidade de criar novos realidades, mas que é, sobretudo, um produto da imaginação humana. Ao convidar as crianças a apertarem, virarem, balançarem, chacoalharem o livro, Hervé reproduz nas duas dimensões possíveis da folha impressa os jogos virtuais de computadores e tablets que as crianças tanto gostam. E a viagem, posso garantir pela reação do Pedro e do Antônio, é a mesma. Ninguém deixa de se divertir porque não vê as bolinhas caindo, como nos joguinhos eletrônicos. Elas não caem, mas o livro nos faz imaginar que elas estão caindo e é isso o que importa. Hervé nos faz lembrar que antes do mundo virtual criado pelos computadores, havia imaginação. E com ela, ninguém pode, nem mesmo a realidade.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A teia da vida é forjada nó a nó pelo feminino

Assisti a uma palestra do frei Betto que me restituiu a crença na humanidade. Não que ele tenha falado de um mundo bom. Não, pelo contrário. Ele falou de um mundo dominado por valores materiais e exteriores ao indivíduo e sobre como a pós-modernidade está empobrecendo a subjetividade humana. Falou, sobretudo, do sofrimento que isso causa em todos nós. Mas havia esperança em seu discurso e ela estava em sua crença na existência e resistência de valores humanistas e na certeza de que cabe a nós, adultos, o esforço de transmiti-los aos mais novos, sejam nossos filhos ou não. Ele falou de amor, de doação e de altruísmo que fazem os incluídos neste mundo de consumo saírem de seus lugares de conforto e olharem para o outro. Lembrou que poucos estão dispostos a este olhar. Falou de como esta nova subjetividade impacta nossa vida, da dificuldade dos casais de se relacionarem, do esvaziamento dos projetos comuns, da desvalorização da família como espaço de afeto e conforto na aridez deste mundo, que promete prazeres fugazes e a quem não se compromete com o outro. Mas, sobretudo, falou de utopias. De como sonhar alimenta o humano que trazemos em nós. Sonhar com o amor pelo próximo, que pode levar para nossos jovens exemplos de pessoas que lutaram pelos outros. Um ato de amor que, mais uma vez, muito poucos estão dispostos a ter. Não é apenas no coletivo que está amor está sendo negado, disse Betto. Ele é negado todos os dias nas relações pessoais. São poucas as pessoas, hoje, que se dispõem a fazer pelo outro. Um pequeno gesto, como oferecer lugar para um mais velho, ou um grande gesto, como alimentar um projeto a dois, são improváveis neste mundo. Um fazer que me lembrou a beleza do conto A moça tecelãde Marina Colasanti, editado pela Global. Um fazer pelo outro ou pelo coletivo que está ligado à tecedura da vida, um poder, sem dúvida, feminino. Digo feminino e não da mulher por acreditar que, nestes tempos pós-modernos, em que não há lugares definidos, este papel social  pode ser vivido tanto por mulheres, quanto por homens e, até pior, por nenhum deles. O feminino, estou certa, ainda é essencial para a socialização. É ele que alimenta a vida em comum. É a moça tecelã, em seu mundo maravilhoso, proporcionado pelo feminino, que tem o poder de tecer sua própria vida e a de quem está a seu lado. Ela busca em seu tear o dia, a noite, o amor e a felicidade. Busca também um homem para, com ela, fazer a vida. É no confronto com a objetividade do masculino, também possível de ser vivida hoje por homens e mulheres, que a felicidade dura pouco. O homem, assim que percebe o poder mágico do tear da moça, a submete a seu mundo de pragmatismos. Pede luxo e riqueza, a moça o atende. Ela trabalha dia e noite para satisfazer os caprichos de seu homem, para agradá-lo e não recebe nada em troca. A aridez emocional em que vive faz com que, um dia, apoderando-se novamente do feminino, desfaça tudo. Luxo, riquezas e o homem. Ao ver-se diante do nada, volta a tecer a teia da vida. Desta vez, sozinha. Uma decisão difícil, que, quando tomada, a liberta do sofrimento que a negação daquele homem estava lhe impondo. Um conto que usa um mundo maravilhoso para falar dos prejuízos de se esquecer o potencial revolucionário que o feminino tem, diante deste mundo masculino e objetivo. Prejuízo compartilhado por mulheres e homens que, ao abrirem mão da possibilidade de tecer a vida, com a paciência daquelas moças que sabiam que o futuro era forjado a cada nó, perdem o mais bem maravilhoso que a vida pode nos dar, o amor.

domingo, 13 de abril de 2014

A vida e o barco que seguem adiante


A história li para o Antônio, mas era do Pedro que estávamos falando por meio de Orie, avó da escritora e ilustradora Lúcia Hiratsuda que inspirou o belo livro, editado pela Pequena Zahar. Pedro, o filho que veio primeiro, grandão, amarradinho no cueiro, para os meus braços. Menino lindo e nosso filho, que passou seus primeiros anos a meu lado e do pai. Acompanhamos cada dia de sua primeira infância, cada conquista, cada gracinha, cada palavra nova, cada carinho. Curtimos tudo o que pudemos, com gosto de tê-lo ao nosso lado. Até o dia em que o Pedro já era um garotinho e veio o Antônio, pequenino, amarradinho no cueiro, para os meus braços. Ele também era lindo e era nosso outro filho. Mais uma vez curtimos cada dia de sua primeira infância, de novo cada conquista, cada gracinha, cada palavra nova, cada carinho. Curtimos tudo o que pudemos, com gosto de ter mais um filho ao nosso lado. Antônio ainda nem andava, enquanto Pedro alargava, cada vez mais, seus passos. Passos em rumo a liberdade tão sonhada, mas que, nem por isso, deixava de ser doída. A dor da separação e de ver outro menino no lugar que fora seu, mesmo que o hoje ocupado seja muito mais desejado. Assim, como Orie, Pedro correu muitas vezes atrás do barco para nos ver partir com o Antônio. Seus olhos, como os de Orie, ficaram compridos, pensando nas coisas que perdera e olhando para aquelas que ainda não tinha. Um tempo difícil, com certeza, estes dias que se avizinham com a adolescência. Mas, como Orie, sei que o Pedro vai sempre olhar para frente e, um dia, espero possa se voltar para o passado, assim como Lúcia o fez, com o livro, para ver o quanto o amamos. Um amor que nem sempre tem a delicadeza dos traços de Lúcia, que nos presenteia com mais um belo livro ilustrado, em que imagens e textos se irmanam, mas que, com certeza, vai durar para sempre. Cuidaremos do Pedro e de seu irmão, Antônio, com todo o zelo, para que suas memórias sejam cheias de amor, como as de Orie. É tudo o que de melhor podemos fazer. No mais, vida e barco que sigam adiante.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Todos querem um irmãozinho

O desejo de ter irmãos não inquieta apenas as crianças que não os têm. Inquieta a quase todas,democraticamente, alimentando a fantasia de que um primeiro ou novo irmão vai lhes garantir um amigo inseparável e, quem sabe, até um fiel seguidor. Aqui em casa, este assunto já esteve em pauta várias vezes, antes e depois do nascimento do Antônio, irmão do Pedro. Ele foi muito esperado pelo maior, que pediu várias vezes um irmão, até ser surpreendido com minha barriga e depois com um neném em meus braços. Foram momentos ricos, repletos de muito amor, muito ciúme e algum ódio, que fizeram com que o maior, 11 anos depois, escrevesse em um trabalho de História que o nascimento do irmão havia sido a pior coisa que acontecera em sua vida. Parte mentira, parte verdade. O Antônio trouxe com ele o amor de irmão, maravilhoso, e uma nova e desconfortável realidade, em que tudo tinha que ser dividido, inclusive os pais. Apesar disso, o Pedro pediu muitas vezes um outro irmão. Pedido que ganha eco no desejo do Antônio, que passou a sonhar com a possibilidade de deixar de ser o mais novo dos filhos e ter alguém depois ele. Este depois é prenhe de significados e da esperança de exercer poder - no que isso tem de bom e de ruim - sobre alguém, assim como o Pedro exerce sobre ele. Talvez por isso, sem esquecer os inquestionáveis méritos da narrativa de Maria Menéndez-Ponte, que Quero um irmãozinho, editado pela SM, fez tanto sucesso com meu pequeno. Ele adorou. Começou a ouvir a história a contra-gosto, mas rapidamente foi se chegando para ver as ilustrações do argentino Gusti e, por fim, estava rindo das aventuras do menino criado pela escritora galega, que escolheu um tema comum, mas, nem por isso, fez uma história banal. Sua versão para este desejo tão comum em crianças é muito original e explora o que a literatura infantil tem de melhor: a ternura e o humor para os quais as ilustrações colaboram bastante. O menino de Maria é de tão cândido que, em sua ingenuidade, deixa rolar o que há de melhor na criança, a imaginação. É dela que Maria faz a riqueza de sua história. A narrativa é tão verdadeira que fez meu Antônio, que já sabe as primeiras lições sobre como nascem os bebês, embarcar com a maior alegria na solução dada pelo menino para que sua mãe engravide. Ele ficou tão animado, que, ao fim da história, falou alegremente: "Não é que deu certo", me deixando de queixo caído. Quem ler Quero um irmãozinho vai entender meu espanto e, ao mesmo tempo, orgulho por ver que meu Antônio ainda está cheio das possibilidades que a infância dá à vida.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A ira também ataca os poetas

A poesia foi a porta que me levou à literatura. Ela se abriu para mim nas aulas de Literatura, na escola, que, na minha época, mais afastavam da leitura do que aproximavam. Para minha sorte, esbarrei com Castro Alves, que me pegou pela mão e me convidou para a leitura. Como amei o estilo romântico e engajado do poeta baiano! Amei ainda mais a descoberta de que a língua poderia me apresentar tantas surpresas. Depois de Castro Alves vieram outros poetas, sempre brasileiros, que aprendi a amar. João Cabral de Melo Neto foi a maior de todas minhas surpresas. Uma poesia dura como a pedra, que soava estranha, mas falava direto para mim. Nem toda a poesia me agrada, nem todo o poeta é meu par, mas quando este encontro se dá, é o melhor, o mais forte. Por isso, minha felicidade em ver o prazer do Antônio explorando os poemas de A arca de Noé, do maravilhoso Vinícius de Moraes, editados pela Companhia das Letrinhas e ilustrado por Laurabeatriz. Mais de uma vez pegamos o livro e lemos os 32 poemas. Digo lemos, porque o Antônio leu alguns ou releu outros, com uma animação tão grande que contagiou o Pedro, na cama ao lado, fazendo ele se juntar a nós. É claro que temos alguns preferidos, na maior parte das vezes, os que exploram o humor, como O vento, O pato e a A casa. É lógico também que há um lugar especial para O leão e sua fúria poética, assim como para As borboletas, descobertas pelo Antônio em seu caderno de poesias preparado pela escola. Uma descoberta que levou a outra, desta vez, dada por uma amiga querida, Maria de Moraes, que herdou do pai o gosto pela palavra, em um depoimento sobre as agruras do poeta ao tentar escrever um poema para a borboleta amarela. Uma história deliciosa que encantou o Antônio e o fez saber que a ira também ataca os poetas. Vale conhecer o texto da Maria, que reproduzo a seguir. Como diz a pulga, de Vinícius, "Tchau/ Good bye/ Auf Wiedersehen".

“As pessoas adoram e pedem mais e mais histórias; então, lá vai uma bonitinha, de família, que minha amada mãe, Christina Gurjão, me contava sempre rindo. Papai queria porque queria fazer um poema para a Borboleta Amarela. Sentado na cadeira, em frente a sua escrivaninha, máquina de escrever, tec, tec, tec, não gostava, tirava o papel da máquina e amassava o papel em bolinha, jogado no chão, insatisfeito, na busca da poesia. Tarde da noite, mamãe fora dormir, sem ainda ele ter saído da cadeira, tec, tec, tec, silêncio, barulho de papel amassado. Deu-lhe um beijo e, ainda na cama, antes de ferrar no sono, os mesmos barulhinhos, tec, tec, tec, e de papel amassado. Diz que despertou, o dia amanhecendo, com papai indo dormir. Ainda ficou um tempo na cama, mas logo se levantou, já curiosa para ver que poema lindo haveria saído depois de tanto tec, tec, tec. Na sala, um mar de bolinhas amassadas, muitas no chão, e, na máquina de escrever, um papel, que ela foi ler, com o título A Borboleta Amarela, e abaixo escrito: A Borboleta Amarela – Merda pra ela!”

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Uma bela história, sem título e com muitas possibilidades

Tem um bom tempo que não passo por aqui. Um tempo de férias, que me serviu para descansar e reorganizar a vida. Um tempo também de ausência. Mas uma ausência vivida com a tranquilidade dada pela certeza de que eu sempre posso voltar. Este sofá é um lugar de afeto que construí na vida e que está sempre arrumadinho para mim e minhas histórias. É tão bom saber disso, tanto que estou aqui novamente, buscando seu aconchego. Um aconchego que não me cobra nada. Aqui não preciso ter certezas e posso me alimentar apenas de possibilidades, assim como Hervé Tullet fez com o seu Sem título, editado pela Companhia das Letrinhas. Pelo título ou ausência dele já é possível perceber que o francês não criou um livro comum. Ele nos propôs um livro aberto, em que o leitor é sujeito da narrativa e ele, autor, é surpreendido pelo olhar de cobrança de quem esperava uma história tradicional. Hervé não cede e nos dá apenas os personagens, premidos a se apresentar pela urgência do leitor, e muitas lacunas. Na falta do autor, a história vira uma grande confusão e os personagens vão se virando como podem para dar um significado ao caos. E nós, leitores, temos que encontrar um lugar nesta bagunça. Nada confortável para um pequeno leitor, sei disso. O Antônio reagiu logo, querendo deixar o livro de lado. Eu insisti certa de que a confusão e a insegurança não são confortáveis para ninguém, mas que nela podemos enxergar grandes possibilidades e construir belas histórias. Diante de minha insistência, o Antônio foi cedendo, se abrindo para esta nova possibilidade e interagindo com o livro. Uma interação que Hervé garante sem qualquer artifício. O livro não tem dobraduras, texturas ou sons, tem apenas provocação. A interação de Hervé com o pequeno leitor se dá pela imaginação. O Antônio, depois de ganho pela brincadeira, leu o livro várias vezes e conversou com os personagens, reclamou das soluções dadas por eles, cobrou mais histórias, enfim exerceu ativamente o seu papel de leitor. Um leitor exigente que soube, mesmo no caos, tirar prazer do diálogo travado com o livro. Uma bela história, sem título, com muitas possibilidades e a promessa de que, se quisermos, podemos construir um final feliz.