quinta-feira, 23 de julho de 2015

A beleza da festa do boi por Roger Mello

A tradição popular é inspiração de Roger Mello em vários de seus livros para crianças. Bumba meu boi bumbá, editado pela Agir, é um deles e revela um talentoso autor, que fez por merecer ser o primeiro latino-americano laureado pelo Hans Christian Andersen pelo conjunto de sua obra como ilustrador. O livro traz o reconto de Roger para o auto do boi, um folguedo popular que agita o interior do Brasil nos meses de junho, julho e dezembro. A história gira em torno da morte e ressurreição de um boi sacrificado pelo negro Pai Francisco para atender ao desejo de grávida de sua mulher Catirina, que sonhava em comer uma suculenta língua. Ao atendê-la Pai Francisco se encrenca com seu patrão, o dono do animal, e é preso. Ele é salvo por obra da magia de um índio, que ressuscita o boi e o livro da prisão e da ira do patrão. Tudo isso contado com muito humor e ritmo e, como manda a tradição, em versos para melhor envolver seu leitor. mas Roger vai além e, usando e abusando de seu talento de ilustrador, recria nas páginas do livro a beleza esplendorosa da festa. Para isso, usa técnicas de ilusão de ótica para garantir o movimento da festa e cria um boi que tem sua cabeça inspirada nas máscaras das Cavalhadas de Pirenópolis, que também mereceram um livro seu. O boi de Roger, como deveria ser, dança e assombra Pai Francisco em toda a história e não deixa o leitor descansar. Ler em voz alta o livro de Roger é como se transportar para um terreiro de roça e ver o boi dançar, cercado de caboclos e índios cantando a magia do auto. O Antônio logo reconheceu a história, como sendo aquela que vê todos os anos encenada no pátio de sua escola pelos professores, adolescentes, funcionários e pais de alunos. Uma festa linda, de cores e ritmos, que ganha vida em qualquer lugar em que haja vontade de celebrar as tradições populares. E Roger tem esse compromisso com a tradição. Melhor ainda é que sabe traduzir esse apreço pelo Brasil com seu traço. “Bumba Meu Boi Bumbá”, por todas essas razões, é uma preciosidade e merece um lugar na estante da família, mesmo depois que os filhos crescerem. Eu vou guardá-lo para um dia ele me ajudar a lembrar da alegria que foi tê-los crianças, brincando em meu terreiro e bagunçando meu coreto. 
Se quiser ouvir o cometário sobre o livro na coluna Hora da Leitura, da Rádio BandNews FM do Rio, clique aqui. 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Uma adaptação que guarda a magia do original

Outro dia venci a resistência do Antônio para novas histórias, com a leitura - diga-se de passagem, à sua revelia - das primeiras páginas de A pequena Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. "Era uma vez uma menininha chamada Alice. E ela teve um sonho muito estranho. Você quer saber o que ela sonhou?" - comecei lendo. "Bem, a primeira coisa que aconteceu foi essa. Um Coelho Branco veio correndo apressado e, justamente quando passava diante de Alice, tirou o relógio do bolso." - continuei, atraindo a atenção dele, que se chegou, encostou-se em mim e passou a acompanhar a história, adaptada do clássico Alice no país das maravilhas pelo próprio autor, interessado em ganhar os leitores de zero a cinco anos. O livro é uma preciosidade que chegou para o leitor brasileiro só agora, em meio às comemorações pelos 150 anos da primeira edição de Alice, com uma edição caprichada da Galerinha Record. O texto foi traduzido pela maravilhosa Marina Colasanti e está abrigado em um  livro de capa dura, grande, de 24cm por 30, com belíssimas ilustrações do francês Emanuel Polanco. Mas voltando ao texto de A pequena Alice, uma das cerejas do bolo desse badalado aniversário, sua maior qualidade é manter a magia do original. E a maneira de Carroll fazer essa adaptação sem amesquinhá-lo foi transformar-se, diante das crianças pequenas, em um contador de histórias. Ele dialoga com elas em vários momentos da narrativa e busca nas ilustrações ainda mais razões para seu pequeno leitor/ouvinte submergir ainda mais fundo no universo mágico do país das maravilhas e vencer as 47 páginas da história. É nessa triangulação – texto, imagem e leitor – que a pequena Alice vai ganhando vida e encontrando os personagens que habitam o seu país das maravilhas. Assim, o consagrado autor oferece a quem ainda conhece pouco do mundo real um livro igual à Alice, que cresce, cresce, cresce e, depois, diminui, diminui e diminui, mais uma vez cresce, cresce e cresce, desafiando, nesse vai e vem da imaginação, o pequeno leitor a sonhar. Aqui em casa, posso garantir que deu certo. O Antônio passou toda a história acompanhando as aventuras de Alice e olhando com atenção as ilustrações, para, ao fim, me perguntar. "Mãe, ela estava sonhando?" "Estava, Antônio. Você queria ter um sonho como esse", perguntei. "Queria", disse convicto. "Pois, então, feche os olhos para dormir rapinho e fica pensando na Alice, para sonhar igual a ela", disse, aproveitando o ensejo para colocá-lo para dormir. Graças a Carrell, aquela noite foi breve e cheia de bons sonhos. 

Se quiser ouvir o comentário sobre o livro, na coluna Hora da Leitura, da Rádio BandNews FM Rio, clique aqui.