terça-feira, 30 de abril de 2013

Quando a Chapeuzinho Vermelho enfrenta o lobo


A Chapeuzinho Vermelho foi passear na manhã de segunda-feira na Creche Cantinho Feliz, do Instituto Marquês de Salamanca, em Santa Teresa. Em vez do malvado lobo, ela encontrou uma turminha de crianças curiosas e atentas às suas aventuras. E o que não faltaram foram aventuras. Em meio a caretas, muxoxos ou até mesmo gritos de medo, as crianças ouviram as versões de Perrault, em que o lobo come a menina e sua avó, dos irmãos Grimm, em que o caçador as salva da barriga do animal, e mais duas - Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, e Uma chapeuzinho vermelha, de Marjolaine Leray, em que ela enfrenta seu algoz. Entre mortos e feridos, a menina acabou a sessão de histórias sã e salva e ainda comeu uns bolinhos com a vovozinha. As crianças que, por sua vez, haviam reafirmado seu medo do lobo, descobriram que é possível enfrentá-lo cara a cara e, o melhor, que há maneiras de enganar a fera. As meninas de Chico e Marjolaine lhes deram belas ideias para se vingar do predador, desde perder o medo dele, até enganá-lo com uma bala para tirar mau-hálito. Mas, como há lobos em todos os lados e eles sempre dão bons causos, elas pediram mais histórias em que ele apareça. Ah, são várias. Só agora lembro de Os Três Porquinhos, O lobo e os sete cabritinhos e  Pedro e o Lobo. Mas elas ficam para próxima semana. 

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Tim Maia, Pessoa, Andersen e as tristezas da vida

Mal dormi hoje por conta de uma crise de tosse que tirou o sono do Antônio às quatro da manhã. Ele foi me pedir socorro e implorar para que eu tirasse aquela doença dele, mas nem todo o meu carinho, xarope e spray de própolis foram capazes de acalmar sua tosse. Ficamos insones, ele e eu e, assim que amanheceu, seguimos para nossa rotina. No rádio do carro, ainda bem cedo, ouvi Tim Maia cantar Bom senso, de seu álbum místico, Racional, e fiquei pensando em como muita coisa mudou nestes 47 anos em que estou no mundo. Quem hoje falaria assim, de cara tão limpa - nesta época o Tim estava limpo, que fez muita coisa errada, dormiu na rua e pediu ajuda? Hoje, vivemos tempos em que todos nascem limpos, bem-sucedidos e felizes. Um tempo em que o Tim seria mais outsider do que foi em sua breve vida. Um tempo que, na verdade, apesar de todo o discurso da diversidade, há lugar para cada vez menos pessoas. Entendo por lugar, um lugar qualificado, que garanta as oportunidades e a mobilidade que a modernidade promete a todos e oferece a apenas alguns. O desabafo de Tim me fez pensar em como nós, da classe média, temos criado nossos filhos. Nas estratégias que adotamos para evitar que eles vivam a dor, a vergonha, a tristeza, a dureza, entre tantas agruras, e no resultado desta proteção. Pensei em Fernando Pessoa e seu Poema sujo, em que o poeta português diz nunca ter conhecido quem tivesse levado porrada e que todos os seus amigos têm sido campeões em tudo. Pensei na máxima das redes sociais de que ninguém é tão feito quanto na identidade, tão bonito como no Orkut, tão feliz como no Facebook, tão simpático quanto no Twitter, tão ausente como no Skype, tão ocupado quanto no MSM e tão bom como diz seu currículo. Talvez por falta de coisa melhor para fazer, estava pensando em tudo isso quando abri meu Facebook e me deparei com dois comentários que engrossaram o caldo de minhas reflexões. Um deles estava no perfil de um jornalista da minha idade, que questionava a supervalorização da juventude. O outro, era de uma jornalista já avó, na dúvida se deveria ler os contos de Hans Christian Andersen para seus netos. Nesta hora, tudo se encaixou. Tim Maia, Fernando Pessoa, redes sociais, Andersen e os jovens da classe média de hoje, que formam uma geração poupada das tristezas e durezas da vida e que ocupam cada vez um lugar maior no mundo. Um mundo, que, por outro lado, nega lugar a outros tantos jovens menos privilegiados. Uma geração que chegou ao poder cedo demais, sem antes ter experimentado privações. Os jovens, que hoje estão no poder, são bem nascidos e bem adaptados a um mundo individualista, marcado pelo consumo e pela busca de status. São filhos de uma camada da sociedade que, cada vez mais, tem garantido lugar nos postos de mando, posto que, cada vez menos, jovens pobres têm condições de ascender. Digo ascensão social de verdade, não esta inclusão que tira os pobres da faixa de miséria e os condena a serem trabalhadores sem instrução, em empregos e moradias precárias e uma realidade de consumo de segunda classe, garantida pelo amplo crédito e subsídios do governo. Aquelas histórias de meninos que começam como boys de bancos e décadas depois estão sentados nas cadeiras da diretoria serão cada vez mais raras, em um mercado que supervaloriza a formação profissional, em uma sociedade que não garante nem mesmo ensino básico de qualidade. Não estou dizendo que só o sofrimento construa, mas, com certeza, sem ele não podemos nos tornar humanos. A riqueza dos contos de Andersen, dizem os historiadores e seus críticos, está intimamente ligada à vida pobre de sua família em Odelsa, na Dinamarca. Andersen foi um menino pobre, que soube transformar sua dor em histórias verdadeiras que, há dois séculos, falam da condição humana com tanta clareza que encanta crianças e adultos de vários cantos do mundo. Seus contos são sofridos, assim como sua infância, mas nos permitem saídas. Saídas construídas pela imaginação, acalentada quando criança pelo seu pai, um humilde sapateiro, que lhe ensinou o prazer de se envolver com boas histórias. Saídas simbólicas, que permitem a seus personagens transformar sua condição no mundo. A pequena vendedora de fósforos, talvez a mais triste de todas as suas histórias, é uma menina pobre, que morre de frio e fome sendo ignorada por todas na véspera do Ano Novo. Sua morte, apesar de trágica, a liberta da tirania do pai, que a joga na rua para esmolar, do frio, da fome, da indiferença e a joga no colo da avó que lhe dá acolhida, em sua última alucinação de quase morte. Uma morte que mexe com sentimentos, que em doses homeopáticas, todo ser humano sente. Uma história que pode servir para as crianças elaborarem seus medos e ressentimentos. A tristeza da menina vendedora de fósforos faz parte da vida, por mais que não queiramos aceitar isso. Que bem poderá fazer a nossos filhos, ignorá-la? Saber que meninas como ela existem até hoje, só pode tornar nossos filhos mais humanos e generosos. Lidar com as provações, só pode torná-los mais fortes. As adaptações das obras de Andersen que escondem a carga dramática de seus personagens - como é o caso de A Sereiazinha e seu destino trágico diluído nas tintas coloridas dos estúdios Disney, na minha opinião, subestimam a capacidade das crianças de entender a vida. Isso não as impede de se revoltarem com o final, como foi o caso do meu filho Pedro, que aos 9 para 10 anos, assistiu a uma bela montagem do grupo Pequod, que preserva a história original. Ele saiu revoltado com a morte da menina, como ficaríamos todos se ela fosse real. Mas esta revolta não roubou dele a experiência de acompanhar a luta da menina para ter uma alma, conseguida mesmo que a custa da morte. Assim como as trágicas e muitas vezes violentas histórias da mitologia grega encantam nossas crianças. Claro que não defendo que estas histórias sejam contadas para crianças que mal saíram das fraldas. Mas, a medida que elas forem adquirindo maturidade para ouvir histórias mais longas, o que coincide com um tempo em que descobrem a existência da maior de todas as tristezas, a morte, acho, sim, que podem ser apresentadas ao universo de Andersen. Para nossa surpresa, na maior parte das vezes, as crianças se atêm mais no maravilhoso da história do que na morte dos personagens, como é o caso de O Soldadinho de Chumbo. Infantilizá-las no campo das emoções é um contra-senso, em uma sociedade que se gaba de ter filhos com cada vez mais habilidades precoces. Eles podem usar computadores aos três anos, mas não podem conhecer a morte aos seis. Eles podem aprender uma segunda língua antes mesmo de serem alfabetizados, mas não podem saber da miséria aos seis anos. Os fracassos da Sereiazinha, os obstáculos do Soldadinho de Chumbo e as privações da Pequena Vendedora de Fósforos só podem preparar melhor nossos filhos para as suas próprias dificuldades. Afinal, um dia todo mundo vai virar calçada maltratada, como o Tim já virou.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Isol é mais uma autora em nossa estante

Confesso que nunca tinha ouvido falar em Isol até a escritora/ilustradora argentina ganhar o Prêmio Astrid Lindgren Memorial (Alma), o mais valioso concedido à literatura infantil no mundo. Fiquei curiosa em conhecê-la menos por ela ter ganho o prêmio da Coroa Sueca do que pelas distinções feitas a ela pelos jurados, que destacaram sua capacidade de tomar "a visão clara da criança sobre o mundo como seu ponto de partida" e de expor os absurdos do mundo adulto para os pequenos leitores. O comentário pode até parecer óbvio, considerando-se que ela produz literatura infantil, mas não é. Muito pouca gente consegue escrever como criança, deixando de lado o vício de escrever para as crianças e, assim, trazer em seu universo narrativo lições sobre o mundo. Esta distinção me fez ir logo ver o que havia traduzido de Isol para o português. Achei dois livros - Intercâmbio cultural e Segredo de Família, ambos editados pelo Fondo de Cultura Economica - e resolvi comprá-los. No mesmo dia em que chegaram à minha casa, li para o Pedro e o Antônio, que ultimamente têm compartilhado as leituras e o horário de dormir. Eles escolheram primeiro o Intercâmbio cultural, talvez pelo fato de ele ter um elefante na capa, e avançamos em direção ao universo de Isol. A história de um menino viciado em TV e de um elefante africano que trocam de lugar não é surpreendente, mas é contada com humor e originalidade que impedem a autora de cair na armadilha do politicamente correto e falar para a criança o que é melhor para ela. O Antônio, que adora uma TV, se interessou pela história e fez graça com o final. Felizmente não lhe passou despercebido o olhar hipnotizado do elefante diante da TV. Mas foi  com Segredo de família que Isol ganhou meus filhos. A história da menina que se espanta ao descobrir que, ao acordar, a mãe é um porco-espinho é uma delícia que mostra com humor, como disse o juri do Prêmio Alma, os absurdos do mundo adulto para as crianças. A mãe da menina-protagonista não é nenhum porco-espinho, mas, como qualquer mortal, acorda descabelada e bem diferente da imagem que cada um produz para si mesmo. Isol brinca com esta dicotomia e nos faz pensar nos limites desta produção ao apresentar o espanto da menina. Meus filhos, dois cabeludos descabelados, adoraram as possibilidades apresentada por Isol para diversas famílias. Ao fim, ela convida o jovem leitor a expressar a imagem que tem de sua família. Em casa de cabeludo, ganhou o leão. E, nós, apenas com esta provinha de dois livros entre os 10 de Isol, ganhamos mais uma autora com boas histórias para animar nossas leituras noturnas.