sábado, 23 de novembro de 2013

Uma floresta com as cores do imaginário popular

Eu amo a delicadeza das aquarelas de Cárcamo. Amo tanto que não pensei duas vezes em levar para casa A contagem dos sacis, de Monteiro Lobato, editado pela Globinho, para ler para os meninos. Nós já tínhamos lido O Saci e a história foi um sucesso, deixando aquele gostinho de quero mais, comum quando terminamos um livro que amamos. O mesmo gostinho, tenho certeza, que as crianças que leram o livro na época de sua publicação, em 1921, experimentaram e que animou Monteiro Lobato a escrever uma continuação da história. As séries que dão continuidade a uma história de sucesso não são uma invenção da indústria do cinema. Os escritores, aqueles que viviam de escrever, antes mesmo de Hollywood, já haviam sacado esta possibilidade. Pois bem, Lobato que, além de escritor, era um editor em busca de boas possibilidades, fez a sua continuação com a história do encontro de Pedrinho e o Saci para uma coleção que seria publicada, em 1947, em Buenos Aires, onde seus livros eram um sucesso. A professora Marisa Lajolo, especialista em Lobato, nos explica no prefácio, que a história que faz parte desta coleção e que ela ficou de fora das obras completas do autor, publicada no Brasil. Uma história que narra o início da amizade entre Pedrinho e o Saci e - como bem gostava Lobato - nos incita a um debate sobre o que é mais eficaz para garantir a obediência: a violência ou os valores morais. O debate ganhou o Pedro. Na hora, ele retrucou zombando da conclusão de Lobato de que "as cordas morais amarram mais do que todas as cordas físicas", mas a dúvida se instalou em sua cabeça. No dia seguinte, perguntou ao pai, como que para reunir mais argumentos: "Pai, o que tem mais poder: o medo ou a lealdade?". O Cadoca explicou que a lealdade é mais forte, já que não busca brechas, como o medo, para derrotar o outro. "Quem conquista pela lealdade, conquista. Quem conquista pelo medo, subjuga. E esta pessoa espera a primeira oportunidade para trair seu opressor." Ficou uma lição para o Pedro, mas mais do que tudo ficou uma boa história para seu repertório. Uma história que se enriqueceu ainda mais com as belíssimas ilustrações de Cárcamo, que fez do universo de Pedrinho e do Saci um ambiente sombrio e ao mesmo tempo colorido. Uma floresta dúbia, como criou Lobato, que ao mesmo tempo que assusta, guarda as cores vivas do imaginário popular. Quem ganha com o encontro de Lobato com Cárcamo são nossos filhos, que podem ler e ver a magia do folclore brasileiro.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

O lobo não quer só comida e a gente quer diversão e arte

O Pedro sabe bem que não há nada melhor do que uma história bem resolvida. Não basta uma bela narrativa ou um bom personagem. É preciso, antes de tudo, um enredo engenhoso, que se desdobre com coerência e originalidade. É isso que garante que a peteca - que o leitor vai equilibrando desde o início da história  - não vai cair em seu final. Um bom final cria aquela sensação mágica que faz tudo parecer possível nesta vida, até mesmo o maravilhoso. Esse encantamento é, com certeza, uma das graças da literatura para crianças e, por isso, não é fácil de ser alcançado. Muitos livros tentam e não chegam lá. Não é o caso de A fome do lobo, de Cláudia Maria de Vasconcellos, editado pela Iluminuras. A história bebe na tradição da oralidade, com um enredo que se desenrola aos poucos, abusando das repetições e de pequenos avanços até que, de uma hora para outra, tudo se encaixa para um desfecho surpreendente. Uma fórmula que prendeu a atenção do Pedro, encantado também com as belíssimas ilustrações de Odilon Moraes que só fazem engrandecer a história de Cláudia. Ele ouviu atento a todas as tentativas do lobo de comer um dos animais que encontrava pelo caminho. As saídas das vítimas, criativas, levavam a história novamente para seu início, adiando o final e deixando o Pedro ainda mais curioso. Uma curiosidade que só foi saciada no fim da narrativa e que não  fez sofrer o Antônio, que, antes mesmo da leitura, folheou o livro e se divertiu fingindo adivinhar o resultado de cada embate do lobo com suas presas. No início, eu até acreditei que ele estava desvendando o desenrolar da história, mas, ao fim, percebi a artimanha de meu pequeno leitor que, com a cara mais lavada do mundo, antecipava as derrotas do lobo. Derrotas que só faziam a fome do lobo e a nossa curiosidade aumentar. Ao fim, de barriga cheia o lobo nos deixou com a certeza de que sua fome não era só de comida e que a nossa, sem dúvida, era de diversão e arte.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Os encantos e as encrencas de uma princesa unissex

A vida anda corrida e cheia de novidades tanto em casa, como na rua - com empregada e trabalho novos, o que me têm exigido muito jogo de cintura para dar conta de tudo. O dia começa cedo, por volta de 6h30, com o despertador me tirando da cama, e se faz cumprir com soluções nem sempre desejadas, como ficar sem almoço, faltar a hidroginástica ou deixar para lá coisas de que gosto, como ler e escrever. Ao fim, por volta das 22h, ele termina na cabeceira da cama dos meninos, onde leio diariamente histórias por eles ou por mim escolhidas. Confesso que nem sempre faço isso porque quero. Já pensei muitas vezes em deixá-los dormir sozinhos, mas, como filho não desiste da gente, sento-me à cabeceira da cama e começo a contar histórias. As vezes, faço isso sem prazer, mas quase sempre a magia das narrativas me leva para um mundo em que eles, só eles, podem me guiar. Um mundo de delicadeza, de humor, de imaginação, de amor e de crença na vida e em suas possibilidades. São livros como Encantos e encrencas com a Branca de Neve, de Glaucia Lewiki, editado pela Gryphus e ilustrado por Sandra Ronca, que me fazem ter a certeza de que, mesmo cansada, doida para dar fim ao dia, vale a pena contar, contar e contar histórias para meus filhos. Nesta, três fadinhas são desafiadas por seu professor de magia a dizer o que aconteceria com a Branca de Neve se uma das personagens do conto clássico fosse uma fada.  Clara, Alegra e Bela são cheias de ideias, como qualquer criança, e dotadas de poderes maravilhosos, que as levam para o bosque dos Sete Anões onde vão interferir na história da princesa de pele branca como a neve. A narrativa de Glaucia garante mais do que originalidade em seu reconto de um conto clássico, garante a possibilidade de a criança sentir-se protagonista de uma história em que nada está previamente arrumado. Uma história em que surpresas aguardam os leitores, acostumados com a previsibilidade dos contos clássicos. Por outro lado, as soluções dadas pelas fadinhas continuam no universo do maravilhoso e, assim, diferenciam-se de muitos recontos contemporâneos que pretendem desconstruir o original. A Branca de Neve de Glaucia Lewiki continua sendo uma princesa em busca de um bom príncipe, mesmo que este príncipe seja um sapo. O humor e a imaginação da narrativa garantiram que o Antônio se mantivesse atento à história, esperando para saber que fim as fadas iriam dar à princesa. Uma princesa, é bom dizer, unissex. Glaucia se mantém fiel ao universo maravilho dos contos clássicos e, assim, foge da tentação do mercado de transformar sua Branca de Neve em protagonista dos sonhos românticos das meninas. Afinal, a imaginação não tem sexo e tão pouco idade.