quinta-feira, 18 de julho de 2013

Entre o tchau e o adeus há muita vida pela frente

A morte sempre foi um assunto deste blog, talvez por ser um assunto da vida. Um assunto que crianças e adultos não conseguem ignorar, mesmo que lidem bem com ele. Eu, confesso, estive, quase por toda a vida, do lado daqueles que sofrem todas as vezes que são assaltados pela ideia da morte. Sofrem tanto que sentem calafrios ou deixam vazar em lágrimas infantis, como é o caso dos meus filhos. Meninos amados, meninos queridos, mas, apesar disso, meninos assustados com a ideia da perda. "Mãe, quem vai cuidar de mim e do Pedro, quando você e o papai morrerem?", tem me perguntado o Antônio, angustiado com a consciência de que nós, seus pais, um dia vamos deixá-los. Lembro da primeira vez em que o Pedro me falou de seu medo de me perder e da angústia que senti, ao lembrar que, um dia, eu o deixaria e à vida. O acalentei com palavras que serviram também para apaziguar meu mal estar e, nestes anos, tanto as tenho repetido, para ele ou para o Antônio, que me convenci de que a morte é inevitável e, se tardia, aceitável. O difícil é dizer adeus, mesmo quando a razão não é a morte. Difícil para mim e mais ainda para meus filhos, ainda presos aos pais e assombrados a perspectiva de qualquer despedida, mesmo aquelas temporárias, em que o mais certo seria dizer tchau. O que os assombra é o abandono, seja ele eterno ou temporário. Afastar-se de nós, neste momento, lhes causa muita dor, não tenho dúvidas. Uma dor que ficou estampada na leitura que o Pedro fez do conto Tchau, de Lygia Bojunga. O conto foi recomendado pela escola e, sendo assim, lido pelo seu grupo de amigos mais chegados. Em uníssono, eles recriminaram a mãe, personagem que abandona o marido e os filhos para viver com o namorado, na Grécia, e expressaram sua raiva, cada um a seu jeito, na redação que fizeram para criar um continuidade para a história. No final do Pedro, não mais cruel do que o proposto por seus amigos, a mãe se arrepende e tenta o perdão da filha, que a rejeita. Punida, a mulher encontra acolhida, apenas, na casa da irmã. A irmã, que não existe na história de Lygia, aparece na do Pedro, não tenho dúvidas, porque para ele os irmãos nunca faltam. Mas sua raiva em relação à mãe do conto me fez pensar em como o abandono é um assunto delicado para as crianças e em quanto Lygia Bojunga é corajosa ao encará-lo de frente, em sua literatura. Esta coragem faz com que eu admire ainda mais sua literatura e lembre que, há alguns poucos anos, me perguntava como Pedro leria Lygia. Juro, que nunca pensei que com este envolvimento. Pedro leu com todo o sentimento e, com certeza, a leitura o ajudou a pensar sobre o abandono que tanto assusta as crianças. Abandono que a autora apresenta com outra roupagem no conto O bife e a pipoca, do mesmo livro, editado pela Casa Lygia Bojunga. Desta vez não é uma mãe abandonando os filhos por um amor. Mas uma mãe incapaz de cuidar dos filhos por causa de sua pobreza extrema. Uma realidade estranha a meninos de classe média, como o Pedro, mas que calam fundo em quem tem os olhos abertos para o mundo. Ele ouviu atento a descrição da casa de favela e da família do menino Tuca. Seu olhar de espanto para o abandono a que o menino está submetido é, com certeza, mediado pelo sentimento de amizade que ele vê nascer entre Tuca e Rodrigo, o colega da escola particular onde é bolsista. As dificuldades e possibilidades dadas a esta amizade, tão bem composta pela autora, foram todas compreendidas pelo meu filho, que ao fim do conto disse para o irmão pequeno, que perguntou se o menino existia: "Não, Antônio, mas tem gente como ele que existe na vida real." Vida que Lygia, com coragem e verdade, sabe reproduzir em sua literatura, que fala do lugar da criança, e oferecer para nossos filhos, assombrados pela ideia do abandono. O melhor foi saber que apesar de toda crueza, Lygia fez meu filho amar seus contos e viver as histórias como se fossem dele. Que lhe venham outros.