terça-feira, 9 de agosto de 2016

Uma longa viagem de descoberta

Os meninos estão crescendo, ganhando autonomia e tem sido cada vez mais comum eu ir dormir sem dividir leituras com eles. O Pedro, já um adolescente, quase nunca me quer a contar histórias e tão pouco lê sozinho, mas não raro tira uma casquinha de minhas leituras com o menor. Antônio, o menor, resolveu, de uns tempos para cá, fazer ele mesmo suas leituras. Liberada, sempre arrumo o que fazer, nem que seja observá-los de longe, imaginando que daqui a pouco nem mesmo em casa estarão. Numa destas espiadelas, flagrei os dois, cada qual em sua cama, lendo seus livros. O do Pedro - Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, recomendado pela escola - me fez lembrar da minha juventude, quando o livro foi lançado e fez grande sucesso. O li com o mesmo nó na garganta que percebi no Pedro. Como um cara tão jovem pôde pular em uma cachoeira e sair dali paraplégico? O Pedro veio a mim com esta pergunta, sentindo o mesmo frio na espinha que percorreu cada um dos leitores do livro - uma espécie de rito de passagem para um tempo em que nem tudo dá certo. Ali pertinho, ainda alheio a todas as dores do mundo, estava o Antônio se divertindo com O Diário de um Banana, de Jeff Kinney, que, por sua vez, deixou claro as diferenças entre os dois irmãos, que, neste momento em que um deixa a infância para trás, estão unidos apenas pelo amor e, quase, mais nada. É a aposta neste amor que nos une me faz pensar sem angústia no dia em que eles irão embora e que a casa voltará a ficar vazia. Uma nova vida para a qual estou me preparando desde já. Quero tê-los ao meu lado como adultos que vão e voltam e não como adolescentes, que nunca desgarram. Que eles possam fazer a viagem em busca do que realmente querem ser e são e, assim, consigam se desligar do que nós, pais, esperamos deles. Uma viagem de descobrimento, assim como a de Griso, o único, de Roger Mello, que apesar de ser um livro para crianças foi minha leitura solitária. O Antônio não o quis, para o Pedro nem ofereci e, por isso, fiquei eu só a me encantar com o unicórnio em busca de sua individualidade, marcada pela descoberta das diferenças. Griso é o último unicórnio sobre a terra que, na esperança de encontrar um semelhante, parte para uma longa viagem até os confins do mundo. No caminho encontra vários outros seres, mas nenhum de sua espécie, até que se depara com um cavalo alado, ele também o único sobre a terra. Um encontro que pode ser lido como o momento em que percebemos que nos constituímos como únicos, como indivíduos, mirando as diferenças. O caminho do personagem de Roger, doído, como será o nosso, é narrado não apenas com palavras, mas principalmente com imagens do próprio autor, que, em 2014, conquistou o prêmio Hans Christian Andersen de ilustração, o primeiro dado a latino-americano. Griso toma várias e belas formas, inspiradas em vasos gregos, em murais chineses, na arte rupestre, em ilustrações da idade média e por aí vai. A experimentação de Roger é um presente para o leitor, que tem no livro, editado pela Global, um pequeno painel da arte universal atravessando os séculos e as culturas. Um painel que nos encanta o olhar e, acima de tudo, não nos deixa esquecer que a humanidade não é apenas uma, é múltipla e que, nestes milhares de anos de existência, assumiu formas diversas para dar significado a sua história. É essa liberdade que espero para meus meninos. Que eles possam descobrir, na sua longa viagem até os confins da vida, o que eles realmente são e querem ser.