sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Selvagem é o que toda criança devia ser,antes de crescer

Cada dia que passa fica mais difícil fazer o Antônio aceitar a leitura de um novo livro. Ele quer sempre os mesmos ou as histórias tradicionais, sejam os contos europeus ou os mitos de qualquer canto do mundo, e rejeita tudo o que é disso diferente. Ontem, me espantei quando ele, deitadinho na minha cama, aceitou de primeira o livro que lhe ofereci."Selvagem", de  Emily Hughes, talvez o tenha ganho pela capa, como fez comigo. Retangular e em tons de verde, invadida por uma ou outra cor intrusa, a capa é linda e exibe toda a vitalidade da menina selvagem. Ao deparar-se com ela, de olhos esbugalhados, o fitando, ele não teve dúvidas: abriu o livro, editado pela Pequena Zahar, o primeiro da autora havaiana no Brasil, e folheou cada página com bastante atenção. Depois, aceitou que eu lesse a história em voz alta. A expectativa criada pela capa não se frusta com a leitura. A menina selvagem é fofa e é uma espécie de Tarzan, criada na floresta, com a a ajuda dos bichos que por lá moram. Seu contato com os humanos é tão traumático, quanto foi para Tarzan, mas ela é uma criança e isso faz toda a diferença. Sua saga encantou o Antônio, que, desconfio, se identificou com a menina nos bons e maus momentos. Emily acertou em cheio em sua estreia no mundo dos livros ilustrados. Selvagem não fala de boas maneiras e não é um tratado antropológico. É apenas uma ode à infância. Uma infância feliz em oposição a de hoje, cada vez mais reprimida e limitada pelas expectativas que os adultos têm sobre o futuro de suas crianças, impedindo-as de viver com liberdade e descompromisso essa maravilhosa e importante fase da vida. Meninos e meninas vivem hoje a infância como se fossem pequenos adultos, preparando-se para um mundo competitivo, em que todos buscam o dinheiro e o sucesso, como se não houvesse alternativa para esse presente e esse futuro. Eu acho que há. E sabe do que mais. Selvagem é o que toda criança deveria ser, antes de crescer.