quarta-feira, 29 de junho de 2011

O humor e as delícias de um leitor iniciante

O Diário de um Gato Assassino, de Anne Fine, das Edições SM, foi lido de um único fôlego para um Pedro atento que, ao fim da narrativa, lamentou-se por sua brevidade. Realmente o livro é pequeno, com apenas 64 páginas e algumas poucas ilustrações de Sofía Balzola, mas é super bacana. A sacada da autora inglesa foi criar um gato, que segue o esteriótipo do felino dono de um humor sarcástico, para tratar da naturalidade da morte. Para o gato, esses eventos são banais, para seus donos, uma pequena tragédia. E para quem os lê, uma divertida aventura. São livros assim que tenho procurado para oferecer para o Pedro, atualmente um aficionado da série Diário de um Banana, de Jeff Kinney, editado no Brasil pela Vergara & Riba. O banana veio depois dos sete volumes de As Aventuras do Capitão Cueca, de Dav Pilkey, editados pela Cosac Naify. Nada contra o banana, que acho muito engraçado, e o Cueca, que acho uma bobagem sem fim. Muito pelo contrário! Eles fizeram o Pedro ler por conta própria e dividir suas experiências de leitura com os amigos. Ponto para eles! Mas isso não me impede de buscar obras que tenham maior preocupação com o estilo da narrativa. O que não é fácil! Meu olhar está sempre focado em livros com humor, já que ele é uma excelente isca para um menino de 9 anos, que começa a descobrir as malandragens da vida. Mas o humor não é um recurso literário fácil de ser trabalhado. Eu, pelo menos, não rio de qualquer coisa que leio ou vejo. Meu riso é difícil, mas quando encontrado, incontrolável.  Assim, tem sido por toda a minha vida. O Pedro está no meu caminho, que acredito, vale dizer, ser o mais comum. Por isso, tem sido um desafio encontrar bons títulos para ele, como já falei disso brevemente aqui. Ele já passou da fase de ler livros ilustrados e ainda não está maduro o suficiente para ler sozinho obras com muito texto. Isso faz com que me empenhe cada vez mais para não deixá-lo sozinho nesse momento, em que passa a ser um leitor/ouvinte mais exigente. A dificuldade dele encontrar sozinho o que ler, poderia significar uma ruptura em seu processo de formação de leitor. Há quem diga que estou sendo excessivamente tutora e preocupada com isso e que deveria o deixar mais solto e livre para buscar suas escolhas literárias. Mas o que temo é que, nessa idade, o Pedro ainda não tenha vontade suficiente para sozinho alimentar sua fome de leitura e, que sem combustível, ela vá aos poucos se apagando, como uma vela asfixiada. Enquanto eu tiver prazer em fazer essa garimpagem, por que não?

terça-feira, 28 de junho de 2011

A liberdade de curtir um bom vilão

A história do Pato Atolado, de Jez Alborough, editada pela Brinque-Book, chegou aqui em casa pelas mãos da Daniela Fossaluza, a coordenadora do grupo Costurando Histórias, na festa de aniversário de quatro anos do Antônio. A história foi uma das contadas por Daniela na festa e fez o maior sucesso entre as crianças. Eu também adorei. Tanto é que resolvi comprar para o Antônio o livro, que ele logo reconheceu como sendo o mesmo apresentado por Daniela, para nossas sessões  noturnas de leitura. O pato, que atola com seu carro em um lamaçal e pede ajuda para um sapo, um carneiro e um bode, é um personagem cativante, apesar de não ser nada ético. Assim que ele se livra do atoleiro, sai, na careta, deixando quem o ajudou na maior roubada. Safado esse pato! Não resta dúvidas! Mesmo assim, o Antônio se diverte com a encrenca em que o sapo, o carneiro e o bode se metem por causa do pato e acompanha com atenção a narrativa, em tom descritivo, da história tão bem ilustrada pela própria autora. Melhor ainda é ver meu menino, ainda tão pequenino, dominando a arte da provocação. Dia sim, dia não - isso mesmo, há uma semana esse livro tem sido lido diariamente aqui em casa -, ele afirma a maldade do pato. Mas tem dias que prefere brincar com a verdade e, mesmo sabendo de tudo que o pato é capaz, faz uma cara de santo e se nega a concordar comigo sobre a safadeza do pato. Como não, pergunto com ênfase. O Antônio, coloca seu melhor sorriso no rosto, e diz que gosta do pato, esperando divertido por minha nova reação. Tem ele razão de me provocar e, sem saber, defender a liberdade do leitor de curtir um bom vilão. Afinal, não fosse o pato um safado, a história não teria a menor graça.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Um ladrão de ovos e corações

Ilustração do livro publicada no blog da autora
Sempre adorei uma fazenda. Fazendas me fazem lembrar da minha Santa Fé, em Tebas, que começava na Rua Jacy Tavares, uma homenagem ao meu avô, e terminava onde minha curiosidade nunca teve coragem de chegar. Tebas guarda grande parte das minhas lembranças de criança. Uma infância em que eu brincava de casinha, professora, corria e andava de bicicleta com a maior alegria. Lá em Tebas tive os cachorros que sempre desejei no Rio. Primeiro, o Perigo. Um cão vira-latas que caiu de um caminhão e ficou perdido na pequena cidade até encontrar abrigo na Chácara, como todos conheciam nossa casa. "Esse cachorro é um perigo", alertaram os tebanos sem sucesso. Anos depois, desejado e esperado, veio o Travolta. O cãozinho nos foi dado como dálmata e, na verdade, era um mestiço de sei lá o que. O resultado era uma graça e lembrava um setter inglês, com longos pelos brancos manchados com pintas negras, que, passado a decepção com o engodo, nos encantou de imediato. A briga dos três irmãos para passar a primeira noite com o Travolta fez minha mãe ser dura e decretar que ele dormiria no jardim.  Esperei todos dormirem e fui lá resgatar o cãozinho, que se aninhou rapidinho no tapete ao pé da minha cama. Meu castigo não tardou a chegar. O Travolta, com seu intestino recém-nascido, batizou meu quarto, que amanheceu imundo. Estas lembranças me constrangem todas as vezes que nego aos meus filhos um cachorro. Toda criança deveria ter direito a um cachorro. Não há nada mais espontâneo que o amor das crianças pelos cães. Esse amor é o que move a história Ladrão de ovos, de Lúcia Hiratsuka, editado pela SM na coleção Comboio de Corda. Tudo começa quando dois cachorrinhos chegam ao sítio em que moram Laura e Carlinhos. A história alimenta-se das vivências caipiras de Lúcia, que cresceu no interior de São Paulo, e segue o ritmo delicado dos desenhos da autora, que mistura técnicas de aquarela e sumiê em suas ilustrações. O resultado é uma delícia. É quase como ouvir um 'causo' da roça, em que o ladrão rouba não apenas ovos, mas, sobretudo, corações. O dos meus meninos, pela atenção com que acompanharam a história, ele com certeza roubou.

domingo, 12 de junho de 2011

A infância e o bolinho de bacalhau da Cadeg

Um bom programa de sábado de manhã é comer bolinho de bacalhau e sardinha na brasa na Cadeg, em Benfica. Eu adoro! Adoro tudo. Passear pelo mercado, comprar flores, sentar-me à mesa, esperar pelos maravilhosos bolinhos de bacalhau e olhar a festa da colônia portuguesa no Rio ao som de música de concertina, um instrumento semelhante a um acordeão. Uma das melhores coisas é ver os portugueses e seus descendentes dançarem o vira. Ontem, foi dia. Eu e o Cadoca voltamos lá, levando pela primeira vez o Pedro e o Antônio que descobriram mais uma delícia da vida. Foi uma farra portuguesa que, aqui em casa, volta e meia ganha sessões noturnas com a leitura de Quando eu nasci, de Isabel, Minhós Martins, ilustrado por Madalena Matoso. O livro veio do lado de lá do Atlântico, onde foi publicado em 2007 pela Editora Planeta Tangerina, e desembarcou este ano em nossas bandas pelas mãos da brasileira Tordesilhinhas. Quando eu nasci trata das descobertas pelas crianças das coisas, mistérios e prazeres que a vida nos guarda em uma prosa ritimada e vibrantes ilustrações, que ganharam em Portugal o prêmio nacional de ilustração. Mas como o Pedro disse, o texto é melhor do que as ilustrações compostas em cores básicas, lembrando desenhos de criança. O livro caiu como uma luva para o momento vivido pelo Antônio, tão bem trabalhado na escola, em que ele está curtindo seu crescimento. "Quando eu nasci, nunca tinha visto nada. Só um escuro, muito escuro, na barriga da minha mãe", começa a narrativa que tem o mérito de não nos deixar esquecer que a infância é o tempo das descobertas. Tempo curto que, em meu caso pôde ser vivido em dois momentos, o meu e o do meus filhos.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O que você poria em sua caixa de sapatos?

"O que eu colocaria em uma caixa de sapatos? Pouca coisa, com certeza..." Mentira! Hermes Bernardi Jr. colocou muito em sua caixa de sapatos. Colocou até um rinoceronte dobrado. E para acomodá-lo em espaço tão exíguo, contou com o auxílio  luxuoso do ilustrador Guto Lins em seu livro E Um rinoceronte dobrado, editado pela Projeto. É impossível pensar no poema de Hermes sem a ilustração de Guto e nada melhor do que a miscelânea do poeta gaúcho para valorizar o estilo colagem do ilustrador carioca. Esse casamento perfeito entre texto e ilustração levou o livro a ser finalista da categoria infantil do Prêmio Jabuti, em 2009, e a conquistar a mim e a meus meninos. A leitura do Rinoceronte dobrado é muitíssimo divertida e fecunda. Aqui em casa, eu, o Pedro e o Antônio nos divertimos a valer conhecendo a caixa de sapatos do Hermes e depois escolhendo o que poríamos em nossa própria. Pedro e Antônio, como todas as crianças, começaram seu rol de preciosidades pelos pais e outros familiares e seguiram adiante fazendo o inventário de tudo que lhes apraz. Entraram na lista pessoas, objetos e desejos. No início, meu caçula ficou em dúvida se objetos maiores do que a caixa de sapatos poderiam ser acomodados lá dentro. Mas à medida que eu avançava com a leitura do poema de Hermes e ele o relacionava com as ilustrações de Guto, foi percebendo que  os objetos do afeto, sejam eles materiais ou imateriais, sempre cabem em nossa caixa de sapatos. Por maiores que eles sejam.