sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Os caminhos da literatura

“2010 foi nosso ano leitor.” Estas palavras vindas de meu filho de nove anos me espantaram pela formalidade. Mas no conteúdo ele tem razão. 2010 foi o ano em que nos aventuramos por histórias de maior fôlego e criamos o hábito de ler em capítulos. Digo aventuramos e criamos por a literatura ser ainda uma experiência compartilhada na vida do Pedro. Literatura, vale ressaltar, e não leitura. Meu filho foi alfabetizado, como a maioria dos garotos, aos seis anos. Aos sete, também como a maioria, ainda lia com bastante esforço. Aos oito, sua leitura era cada vez mais fácil, mas ainda insuficiente para grandes voos literários. Mesmo hoje, com seus nove anos recém-completos, a literatura ainda é, com certeza, um caminho de inseguranças a ser percorrido. Talvez por isso, talvez pelo desejo de compartilhar estes momentos com ele, que eu ainda leia para meu filho. O Pedro é grande, eu sei. Mas sei também que minha voz, minha ternura e minha ajuda nos caminhos tortuosos das narrativas são essenciais para que ele tenha o que há de melhor na literatura - a fantasia. É ela quem lhe dá a liberdade de, ao fim da maravilhosa trilogia de Pippi Meialonga, de Astrid Lindgren, editada pela Companhia das Letrinhas e ilustrada por Michael Chesworth, deitar-se com os pés no travesseiro, como a menina criada na Suécia da década de 1940, e sentenciar: “A Pippi tem razão. Assim é muito melhor”. Em seu rostinho emoldurado por cabelos encaracolados, o mesmo ar sonhador com que a menina de sardas e tranças ruivas se despede de seu leitor.  Proporcionar esta delícia a uma criança é o que há de melhor em contar histórias. Por isso, não tenho pressa em fazer com que ele leia sozinho. Sonho com o dia que o Pedro possa construir suas próprias pontes por onde a narrativa vai correr de encontro a sua emoção. Enquanto isso, vamos eu e ele trilhando os caminhos da literatura. Digo sem vergonha que, neste momento, meu orgulho não está em ver meu filho cumprir rapidamente suas fases, mas vê-lo amadurecer aos poucos como leitor, com a segurança e paciência que um dia serão essenciais para que ele possa vencer sozinho os desafios da literatura. Literatura se frui com esforço. Por enquanto, que o Pedro receba em uma bandeja de prata o prazer de uma boa história. Para mostrar que há muito prazer neste momento de esforço é que existem as mães e os mediadores de leitura. Que eu possa também cumprir este papel com o Antônio, meu caçula, que com seus quase quatro anos ainda está longe de ter seu ano leitor.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O prazer de ler histórias de terror

Sempre evitei escrever aqui sobre histórias que eu não tenha lido para os meus filhos. Mas hoje vou quebrar esta regra, que eu mesmo impus para o blog, para falar de um livro destinado a um leitor mais velho e mais maduro do que meus filhos, que têm apenas 3 e 9 anos. Sete ossos e uma maldição, de Rosa Amanda Strausz, editado pela Rocco Jovens Leitores, foi uma bela descoberta que me chegou pela Flist (Festa Literária de Santa Teresa), onde conheci a autora, Aliás, vale lembrar, ela é uma simpatia com seus leitores. Eu ainda não o li para o Pedro por temer sua reação, já que o livro traz dois temas difíceis para meu filho: a morte e o sobrenatural. Outra razão é que Sete ossos e uma maldição é um livro para cada um vencer com suas próprias pernas. Digo vencer porque a narrativa de Rosa Amanda cria uma tensão que mobiliza até a nós, adultos, e alimenta nossa vontade de seguir em frente, como os personagens dos contos do livro. O universo do livro, segundo a própria autora disse na Flist, são os contos populares e os mitos passados de geração em geração, que tanto assustaram crianças de outros tempos. Acho que isso explica a escolha de Rosa Amanda em ambientar suas histórias em pequenas cidades ou lugarejos rurais, em que crianças e jovens podem experimentar a liberdade e seguir adiante na busca de saciar a curiosidade. Este ímpeto é que faz com que as crianças, personagens de Rosa Amanda, se defrontem com o perigo e o sobrenatural. A única exceção é o conto O elevador que se passa na cidade grande e tem um prédio elegante e decadente como cenário da história. A prosa de Rosa Amanda cria um clima de mistério e tensão que tem seu clímax no momento em que o protagonista se defronta com o que tanto teme. A curiosidade é punida, assim como manda a cultura popular e os mais famosos contos de terror. Do outro lado, o leitor é impelido a continuar. Rosa vai construindo o medo aos poucos, com pequenos detalhes e muitas omissões, que ficam ainda mais claras no momento do desfecho dos contos. O momento em que o protagonista se defronta com o que tanto teme, a narrativa fica cheia de lacunas, de forma a criar ainda mais ansiedade no leitor. Mas em nosso caso, avançar na leitura é ter a garantia de uma boa história. Por isso, torço para que o Pedro consiga em breve conviver com seus medos para descobrir o prazer de ler uma boa história de terror.  

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Números, fantasia, afeto e talentos

Ler para dois filhos é um desastre. Pelo menos aqui em casa, com os universos do Pedro e do Antônio separados por cinco anos e dois meses. A confusão já começa na hora de escolher o livro. É lógico que o Antônio, com três anos e 10 meses, não consegue acompanhar as histórias do Pedro. Mas é tão certo, quanto ilógico que o Antônio não aceite que o irmão, de 9 anos, abrindo mão de seu desejo de escolher uma história, decida entre seus livros qual irei ler. Ele abre a boca, chora de escorrer lágrimas e bate o pé teimando ser seu direito escolher. Tento explicar ser justo que o Pedro, que vai ouvir uma história de pequenos, decida qual delas irei ler. Mas nada... Outro dia esta confusão durou alguns minutos até que o Pedro tentasse conquistar o irmão com a leitura de um dos livros que mais curtia nesta idade. Na verdade não é uma história. É uma brincadeira com os números e as mais básicas noções de matemática, como quantidade, tamanho, forma e semelhança. Os números, da coleção Os grandes livros da pequena ratinha, editado pela Editora Agir, proporcionaram ao Pedro vários momentos de prazer, com ele sendo desafiado a contar, a agrupar, a escolher entre grandes e pequenos, etc... Este sempre foi um interesse do Pedro, que é um excelente aluno de matemática e cumpre estes exercícios como quem completa um livrinho de passatempo. A matemática realmente o encanta. Sua felicidade entre as gravuras e instalações da exposição O mundo mágico de Escher, no CCBB, é um exemplo. Ele foi a primeira vez na sexta-feira, levado pelo pai de um amigo, e voltou ontem, dois dias depois, comigo, o pai e o irmão. Seu entusiasmo era flagrante. Ele corria pela exposição para mostrar ao Antônio o que mais o impressionara. Confesso que este interesse pela matemática, assim que foi ficando claro ainda no primeiro ano, me espantou. Eu, que fui uma aluna mediocre em todas as disciplinas de exatas, nunca acreditei poder ter um filho com estes pendores. Obra do pai, que é engenheiro e sempre explicou ao Pedro os mistérios da natureza. Por mais estranho que este mundo seja para mim, confesso sentir orgulho dos talentos do meu filho. Já o Antônio encanta-se mais pela fantasia e recusa, quase que sempre, os livros que não são de história. Ele não quer saber de bichos, nem de curiosidades, quer histórias. E não pode ser qualquer uma. Ele as escolhe. Mas, nesta noite, aninhado ao irmão, que tanto ama,  curtiu a brincadeira dos coelhinhos (isso mesmo, a ratinha quase não aparece na história) com os números. Na segunda página do livro, já não chorava mais e se divertia contando e dando aos coelhinhos os nomes de nossa família ou de seus amigos para dar alma de personagens aquelas figuras fofas e anônimas. Eu dormi feliz ao ver meus filhos viverem com amor suas diferenças.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Mais uma vez, outra vez....

Há muitos prazerem em contar uma história para uma criança. Um deles, com certeza, é acompanhar o pequeno leitor/ouvinte no desvendar da narrativa. Este desvendar, vejo com meus filhos, é muitas vezes lento e cumprido em várias etapas. A criança pede a mesma história várias vezes, ouve a mesma coisa à exaustão de quem lê, mas em cada uma dessas vezes descobre um novo significado naquela narrativa. Só isso explica como pode uma criança, como, por exemplo, meus filhos, cada um a sua época, aguentar ouvir todos os dias Os três porquinhos sem se cansar. O Pedro cresceu, fez nove anos, já é capaz de perceber com clareza os desafios que uma narrativa lhe propõe, mas ainda ouve histórias contadas pela mãe. Assim foi com Perde quem fica zangado primeiro, um reconto de Italo Calvino para a história do embate de um camponês com um ganancioso padre, colhida na tradição popular italiana. Eu conheci o livro, editado pela Companhia das Letrinhas, nas mãos da Sônia Monnerat, minha professora na UFF, e vi logo que ele tinha tudo para encantar o Pedro. A narrativa de Calvino tem tudo que uma história precisa para cativar uma criança: uma boa dose de fantasia e de humor. Estes atrativos, no entanto, não tornam a história fácil. A narrativa de Calvino não tem nada de simplória, como a origem popular do conto poderia supor, e o enredo propõe tramas engenhosas para os duelos do camponês com o padre. Para acompanhá-la é preciso prestar uma bruta atenção para, ao fim, perceber que Perde quem fica zangado primeiro é, na verdade, ganha quem for mais paciente e inteligente. Foi isso que encantou o Pedro. Mas esta percepção, a princípio, foi apenas uma intuição. Ele recorreu a mim e às ilustrações de Susanne Janssen, reproduzidas da edição alemã, para entender as sutilezas da narrativa e traduzir os regionalismos de uma Itália agrária. Estas descobertas, no entanto, foram um prazer enorme para ele. Há muito não o via vibrar tanto com uma leitura, como com este livro que ele me fez ler três noites seguidas. Que Calvino nos conte outra!