sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Um anjo torto contra a caretice

Meu caro, Helme Heine,
Sei que você está longe, na Nova Zelândia, escrevendo e cuidando de um lindo jardim à beira-mar, e que eu, com o meu português, provavelmente não poderei fazer-me escutar por ti. Mas, mesmo assim, te escrevo para contar do amor de meu filho Antônio por um de seus livros, o Diabolim, que, por aqui, foi editado pela Martins Fontes. O Antônio tem apenas seis anos e uma bruta imaginação. Ele ama belas histórias e desenhos, como há nos seus livros. Já lemos juntos e amamos alguns - é bom registrar, mas nenhum deles ganhou lugar tão privilegiado no imaginário do meu filho, como foi o caso de Diabolim. Seu diabinho, com cara de cãozinho de estimação e seu ameaçador tridente, já nos é íntimo. Há quase um mês, lemos todas as noites a história de afirmação deste anjo caído, que sonha em ser amado pelas pessoas que o rejeitam por ser peralta, implicante, atrapalhado e amalucado. Nós, lhe garanto, o amamos mesmo torto. Seria até mais honesto dizer que o amamos por ser torto. Torto como o Antônio e seu irmão, Pedro. Torto e do bem, como toda criança livre. Jogue a primeira pedra quem nunca foi, um dia apenas, um Diabolim na vida de alguém.  Como disse uma professora do colégio dos meus filhos, as crianças tortas são fascinantes, como o seu Diabolim o é. Seu personagem nos permite voos para além de sua história, voos que nos acendem lembranças de outros tempos, em que também podíamos ser tortos, e de outros diabinhos que esbarramos na vida. A implicância de Diabolim com o padre e os anjinhos me fez lembrar ainda uma deliciosa história de Giovanni Guareschi, que li há anos atrás, por influência de minha mãe, sobre a tumultuada relação entre Don Camillo, um padre de uma pequena comuna italiana, e Peppone, o prefeito comunista, dois arqui-inimigos que haviam sido super-amigos na infância. Confesso que amo este humor europeu, que humaniza deus e o diabo, e nos garante boas risada. Nada pior do que a caretice e o preconceito que nos fazem calar. Seu Diabolim é uma palavra e desenho contra a caretice. Nos faz crer que a vida pode ser policromática, como suas ilustrações, e que podemos ter mil possibilidades, como seu diabinho. Ele é torto, mas é do bem. Por isso, o amamos. Obrigado por mais este livro. De seus fãs, Luciana e Antônio.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Os 12 trabalhos de Hércules e os desafios de Pedro

O Pedro já começa a dar sinais de que a adolescência está próxima. Ele tem 11 anos, muita disposição para a vida e uma enorme vontade de ganhar o mundo. Uma vontade que vai levá-lo, cada vez mais, para fora de casa. Imaginar a vida de adolescente e, quiçá de adulto, tenho certeza, o anima a querer sempre mais uma experiência. Passar o dia sozinho com os amigos e ir ao cinema sem a família são algumas das coisas que ele já faz sem medo. Mas garanto que imagina muito mais. Imagina tanto, que foi assaltado pelo medo de ficar longe de nós, pais e irmão. O desejo de crescer não está sozinho. Ele divide o coração e a mente do Pedro com a consciência de que alguma coisa vai ficar para trás. A infância tão querida, acolhida e protegida, vai ficar para trás para dar lugar a uma adolescência cheia de dúvidas e conflitos e, ao mesmo tempo, cheia de possibilidades. São estas possibilidades que empurram o Pedro para a rua. Mas ele ainda quer a casa. Quer a mãe, o pai, o irmão e o aconchego que, em sua pouca vivência, acredita ser direito apenas de crianças. O medo de perder o amor da família neste processo de adolescer o assaltou na forma do ciúme e fez com que ele passasse o dia a infernizar a vida do irmão, que ele sabe que, com seus seis anos, ficará ainda muito tempo sob nossos cuidados. Assim que percebemos este inferno particular que o ciúme havia criado para o Pedro, conversamos com ele e a panela de pressão se abriu. Ele foi capaz de falar de seu medo de perder seu lugar  em nossa vida e de ver o Antônio reinando sozinho, entre os pais, e de ouvir que, em cada fase da vida, há uma relação possível com a família. A dele, na adolescência, com certeza, será diferente da vivida pelo Antônio, ainda na infância, mas, ainda assim, poderá ser boa e acolhedora. Falamos, eu e seu pai, da importância de acompanharmos seu adolescer, fase de tantas dúvidas e angústias, e de nosso desejo de estar sempre perto dele. Falamos dos ganhos que terá, das transformações que a família viverá à medida que ele for crescendo e de nossa alegria de vê-lo tão feliz neste encontro com a vida. Falamos também que ele poderá sempre contar com nossa presença e amor, sendo criança, adolescente ou adulto. Por fim, contei-lhe das experiência a mim relatadas pelas escritoras Nilma Lacerda, minha professora, e Yolanda Reyes, que leram histórias para os filhos, hoje adultos e leitores, por toda a adolescência. "Só pare de contar histórias para os seus filhos no dia em que eles não a quiserem mais ao lado deles na cama", me aconselhou Yolanda. Repeti para o Pedro essas palavras, prometendo a ele que estarei sempre disposta a contar-lhe histórias se assim ele quiser. Baseada em recente afirmação dele, de que adora as mitologias, sejam elas de qualquer nacionalidade, resolvi lhe oferecer a leitura de Os 12 trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato. O livro é conveniente, neste momento, por várias razões. Tem mais de 200 páginas, o que nos garante dias a fio de leitura noturna, e junta os personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo com passagens heroicas da mitologia grega. A fórmula de Lobato, em que Pedrinho, Emília e o Visconde se transportam para a Grécia Antiga com a ajuda do pó de pirlimpimpim, permite à criança a delícia de imaginar-se em uma viagem ao tempo, onde torna-se mais do que testemunha de fatos históricos, torna-se personagem. Lembro que, quando era criança, adorava me imaginar na Grécia, usando togas brancas e vivendo aventuras maravilhosas. Lobato consegue mais do que isso. Desmistifica os heróis, fazendo as crianças se sentirem ainda melhores que eles, se não fisicamente, ao  menos na inteligência. O protagonismo de Pedrinho, da Emília e do Visconde, nas aventuras de Hércules e de outros heróis gregos, dá ao pequeno leitor a certeza de que é ele a razão da história de superação de obstáculos impostos a Hércules, como penitencia por ter matado sua família. Uma certeza importante para o Pedro, neste momento, em que ele também depara-se com obstáculos a serem superados, para que possa crescer seguro de que sempre terá um lugar muito especial no coração de quem aprendeu a amá-lo, antes mesmo de chegar neste mundo. Enquanto isso, espero que eu e o Cadoca sempre possamos estar a seu lado, para que este caminho, assim como o de Hércules de Lobato, não seja solitário.