segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Lendo para os pais

O título parece de manual de auto-ajuda, mas não é! Pelo contrário! Com ensinar seus pais a gostarem de livros para crianças, do francês Alain Serres, ilustrado por Bruno Heitz, é uma divertida história sobre como os livros infantis falam com as crianças. História de verdade, que fala com a criança e a coloca como seujeito, neste caso, de sua leitura. Não são os pais quem determinam o que a criança deve ler, mas ela própria. Por isso o título. A criança é a protagonista e ao mesmo tempo a leitora de Com ensinar seus pais a gostarem de livros para crianças, ao contrário do que pode parecer o título. Um livro para ser lido por pais para seus filhos. Crianças que se divertem e se emocionam com a fantasia, os fatos da vida - como miséria, morte e sexo - e as possibilidades de afeto que as boas histórias lhes dão. Ninguém pode negar que eles adoram ouvir histórias de seus pais e que estes são seus melhores leitores. O que Serres, com a ajuda de divertidas ilustrações, quer é mostrar aos pais que eles também podem curtir este momento. Faz isso sem os didatismos comuns nos últimos tempos, em que a ameaça da internet e de sua linguagem virtual sobre o mundo dos impressos fez entrar na moda as histórias para crianças que falam de livros e da importância da palavra escrita. A causa é justa, o esforço é louvável, mas quase nunca causas politicamente corretas rendem boas histórias. Mas com certeza o livro de Serres, publicado no Brasil pela nova Editora Pulo do Gato, foge a esta regra. Com ensinar seus pais a gostarem de livros para crianças é um belo livro para quem, como eu, gosta de histórias e gosta ainda mais de ver as caras e bocas que elas provocam nos pequenos leitores-ouvintes. É ainda mais um belo livro para quem, como meus filhos, ama ouvir seus pais lendo aventuras que falem sem medo das coisas da vida. É esta magia, alimentada pelo afeto e pela fantasia, que faz valer a pena o esforço de quem se dedica a mediar a leitura de uma criança, seja ela seu filho ou não. Pela delicadeza e humor com que Serres trata esta relação entre pais e filhos leitores, faço de sua história minha homenagem ao Dia Nacional do Livro, comemorado dia 29 de outubro. 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Todos os dias ele lê tudo sempre igual

É isso aí que você está vendo, mesmo! Vou falar mais uma vez de Pé de Cabra, Asa de Sapo, de Rafael Soares de Oliveira. A razão é simples: há  mais de um mês, sem exageros, leio todos os dias o livro para o Antônio. A escolha, apesar da qualidade do livro, não é minha. É dele. Não há dia em que o Antônio não peça para ler as quadrinhas sobre seres mitológicos e para apreciar as ilustrações. A repetição é tanta que ele já sabe de cor as 38 quadrinhas. A sua preferida é sobre o Dobarchu, um ser da mitologia irlandesa, meio lontra e meio cachorro, que o encantou não apenas pelos versos de sua quadrinha, mas por ser conterrâneo do David, um amigão do Pedro que mora em Dublin. O fato de ele, todas as noites e algumas vezes durante o dia, declamar as quadrinhas do livro, no entanto, não estraga a graça da leitura. Muito pelo contrário! Graças à sua memória de criança, está podendo brincar de ler sozinho. Brincar, isso mesmo, já que ainda não sabe ler! A graça tem sido, todos os dias, antes da minha leitura que ganhou ares dramáticos com a colaboração teatral do Pedro, o Antônio pegar o livro e "ler" sozinho em voz alta. Uma graça! Depois, me pede para ler. Mas sua ansiedade é tamanha, que, se adianta, e "lê" sozinho algumas das quadrinhas. Mesmo sabendo que tudo não passa de uma gostosa brincadeira de faz de conta, fico orgulhosa do meu menino "lendo" sua história favorita. Por essas e por outras, que ficam por conta do talento do escritor e do ilustrador Jean Galvão, só tenho a agradecer a existência de Pé de Cabra, Asa de Sapo. Lamento apenas as falhas da distribuição do livro, que fazem com que o interessado em tê-lo ou comprá-lo para presentear um amigo, como o Antônio já sugeriu, tenha que esperar 10 dias para recebê-lo em compras pelos sites das principais livrarias do Rio. Alô, Ática! Faz isso com a gente, não! Enche as livrarias de Pé de cobra, asa de sapo para divertirmos nossas crianças, com os seres de Rafael e Galvão.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A porta aberta pela literatura

A Ana, do blog Abrindo Clareiras, me provocou a tomar partido sobre um debate, que travava com uma amiga, sobre o incentivo, dado por alguns  pais a seus filhos, de ler mediante recompensa em dinheiro. Fui lá responder e me posicionar contra esta estratégia de garantir a leitura com estímulo financeiro e decidi falar um pouco disso também aqui no blog, por saber que o desafio de formar leitores inquieta muitos pais e professores, como inquieta a mim. Discordo dessa estratégia, como discordo de qualquer método coercitivo. Quantos brasileiros não se desgostaram da leitura, em suas aulas de português em que eram obrigados a ler clássicos e a responder a questões de maçantes provas? Nem sei quantos. Não tenho dúvidas de que a leitura deve ser, antes de tudo, um prazer, uma porta aberta para novas sensações e experiências. Mostrar a nossos filhos esta porta, é nosso grande desafio. Mas temos que reconhecer ainda, sem ares de derrota, que muitas pessoas passam a vida sem achar este caminho e, mesmo assim, vivem felizes. Não podemos ser arrogantes ao ponto de pensar que só seremos homens e  mulheres plenos se lermos. A diferença é que, quem encontra esta porta, ganha novos horizontes em um universo onde tudo é possível, um universo de liberdade e possibilidades. O caminho para esta porta, no entanto, não é fácil. Acredito que ela não esteja sempre e, em cada um de nós, no mesmo lugar. Em cada um, ela se esconde em um canto diferente. Cada um de nós será um leitor particular. Não há quem possa dizer a nossos filhos onde eles encontrarão a sua porta, Quem tem dois filhos como eu, ou lida com muitas crianças, como os professores, percebe que os livros falam de forma diferente a cada um deles. O dinheiro, tenho certeza, será mais útil se usado para facilitar o acesso das crianças e dos jovens leitores ao maior número de livros possível. Estes livros podem ser achados em bibliotecas, nas escolas, nos acervos de família ou mesmo comprados nas livrarias e nos sebos. Quanto mais livros pudermos apresentar a nossos filhos, mais possibilidade teremos de eles encontrem em si o lugar onde a porta da leitura está escondida. Uma vez aberta, não há quem não queira atravessá-la. Assim, foi com Maksim Górki (1868-1936), o escritor russo comprometido com a Revolução Soviética de 17, que conta no primeiro livro de sua trilogia autobiográfica a relação de afeto que mantinha com a avó, em ambiente marcado pela violência, e o primeiro contato com os livros em um navio, onde trabalhava como lavador de pratos. Os livros emprestados pelo cozinheiro abriram a porta por onde Górki atravessou até achar seu novo lugar no mundo. Assim, também foi com Graciliano Ramos (1892-1953), escritor nordestino também comprometido com o comunismo de meados do século XX, que superou a aridez e a violência de sua infância ao  encontrar na biblioteca do tabelião Jerônimo Barreto a sua porta para vencer a realidade que o oprimia. Górki e Graciliano nos mostram, nos belos romances em que visitam sua infância, que encontrar a porta da leitura é um grande desafio, mas que, uma vez vencido, nos abre caminhos nunca dantes imaginados. O que nos resta é paciência para ajudar nossos filhos a conseguirem encontrar, em si, a porta a ser aberta pela literatura.