quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O dia em que Mogli deixou a alcateia onde foi criado

Confesso que, agora nas férias, a hora de dormir, aqui em casa, está cada vez mais tumultuada. Colocar um ponto final no dia do Pedro e do Antônio não tem sido tarefa fácil. Sempre há alguma coisa ainda a ser feita: terminar o filme que estão vendo, fazer o último gol no Fifa 15, comer a maçã noturna, mandar a última mensagem para o amigo ou qualquer outra razão que retarde o momento de escovar os dentes e dormir. Quando, enfim, consigo vencer todos esses desafios estou cansada, irritada e com muita pouca vontade de contar qualquer história para eles. É a hora da choradeira. O Antônio esperneia e chora pela história de todo dia e, quase sempre, eu cedo e procuro um livro para ler. A leitura também não tem sido fácil, já que vencer a dispersão dos dois é outro desafio digno de um herói grego. Como sou apenas mãe - e muitas vezes a pior mãe do mundo - faço o que posso. Nessa hora escolher a história certa é um trunfo contra a bagunça que se instala no quarto. Nem sempre dá certo, mas quando dá é uma alegria, ou melhor, um sossego. Foi assim com O livro da selva, de Rudyard Kipling, que calou os filhos e levou a mãe a lágrimas. O fim do primeiro conto - Os irmãos de Mogli, em que o menino lobo e seus amigos são apresentados ao leitor - se antecipou, em minha emoção, ao dia em que meus filhos, já grandes, vão sair de casa, Assim foi com Mogli e a mãe loba, quando ele, já homem, deixou a alcateia e a selva para ir ao encontro da aldeia dos homens. Inseguro, Mogli chorou. Seus irmãos menores prometeram nunca esquecerem-se dele, seu pai pediu que ele voltasse à floresta para vê-los e sua mãe lhe declarou todo o seu amor. A beleza da narrativa de Kliping, a princípio, apenas me embargou a voz, mas a medida em que prosseguia a leitura, não aguentei, e acabei chorando de verdade, o que deixou meus filhos espantados e preocupados comigo. Foi a oportunidade de conversamos brevemente sobre o poder que um bom texto tem sobre a emoção dos leitores. Kipling escreveu O livro da selva com apenas 29 anos e aos 42 anos ganhou o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra. A beleza de sua narrativa faz com que o universo de Mogli, fantástico por si só, ganhe ainda mais força. Não foi sem razão que meus meninos se aquietaram diante de suas aventuras. Com certeza, leremos os outros contos que, por sua beleza, mantêm-se vivos, apesar de terem sido escritos há mais de 100 anos. Me arrisco a dizer que o livro de Kliping ainda vai valer a pena para muitas gerações de leitores.