terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A viagem de Max para onde vivem os monstros

Uma bela história é o melhor que há na literatura infantil. Melhor ainda quando uma bela história é acompanhada de belas ilustrações. Este é o caso de Onde vivem os monstros, com texto e ilustração do premiado autor americano Maurice Sendak. O livro é uma beleza que consquista a gente no primeiro toque. Digo toque porque a edição da Cosac Naify é de um capricho que vai do papel importado à lombada de tecido. Mas o livro merece. A história de Max que, castigado pela mãe, embarca em uma viagem imaginária à terra em que vivem os monstros e, chegando lá, torna-se por sua esperteza o rei do lugar merece tanto esmero. As ilustrações de Sendak são tão expressivas que nos fazem sentir a textura do pelo dos monstros e a rudeza da vegetação do lugar, fazendo de sua história e de seus personagens uma peça mítica. Mas, engraçado, não foi isso que chamou a atenção do Pedro. O que lhe conquistou foi mesmo a história e a descoberta de Max de que nem todo amor é verdadeiro. "Ele percebe que os monstros só gostavam dele porque ele era o rei. Quem gostava dele era a mãe e o pai", resumiu meu menino, que colocou um pai na história, em que só aparece a mãe. Justo. O Cadoca merece. Agora a gente aguarda a estreia do filme de Spike Jonze que, pelo que vi no trailer, faz jus a beleza do livro.
Quem quiser conhecer outro comentário do Gato de Sofá sobre o livro, clique aqui.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Quando as raposas vencem os fazendeiros

Em tempos de conformismo com o status quo O Fantástico Senhor Raposo, de Roald Dahl, é leitura mais do que divertida. É essencial para nossas crianças conhecerem uma história da época em que existia luta de classes e o inconformismo não era visto como infantilidade ou falta de educação, mas como uma transgressão necessária ao processo histórico. O embate do senhor Raposo com Boque, Bunco e Bino - três fazendeiros "incrivelmente maus e mesquinhos"- é rico em situações e soluções para a vida dos bichos que vivem entocados na terra. Toda a semelhança, neste caso, não é mera coincidência. Os bichos de Dahl são gente em sentimentos, fome e bravura. Bravura para enfrentar seus algozes e fugir da fome. Seu Raposo, um conhecido ladrão de galinhas, patos e gansos, defende seu crime com palavras simples para as crianças se solidarizarem com ele. "Meu velho e querido monte de pelos, por acaso você conhece alguém no mundo que não roubaria umas galinhas se seus filhos estivessem morrendo de fome?", pergunta ele para seu amigo, seu Texugo, cheio de dúvidas éticas sobre os seus métodos. Ao que Pedro responde: "Claro que eu roubaria umas galinha se meus filhos estivessem morrendo de fome." Ele adorou a vitória dos bichos contra os mesquinhos - "o que é mesquinho, mamãe?"- fazendeiros. Gostou tanto que me pediu para relê-la assim que acabamos de ler o livro de 84 páginas, editado pela Martins Fontes, e ilustrado com a delicadeza do bico de pena por Quentin Blake. Dahl, é bom a gente lembrar, é o autor de A Fantástica Fábrica de Chocolates, outra obra em que a visão de mundo de esquerda é protagonista da história. Viva Dahl que nos dá oportunidade de conversarmos sobre justiça social com nossos filhos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um conto de Natal

É quase Natal! Tem dias que não atualizo o blog por causa da correria de fim de ano. Todo dia tem uma confraternização, todo dia tem um afazer. Mas agora que está chegando a hora, a vida vai ficando mais tranquila e, com poucas pendências a resolver, começo a buscar calma em mim mesma. Uma calma que, nestes dias que antecedem o Natal, se confunde com a melancolia e uma sensação de impotência diante das dores do mundo. O Natal me evoca este sentimento desde a adolescência, quando comecei a conviver com as minhas primeiras perdas. Mas este sentimento está em mim desde a infância. Lembro bem da tristeza que sentia ao ouvir o conto A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen. Aquela menina abandonada à própria sorte, na neve, sonhando com o aconchego que a vida lhe negara. Ficava muito, muito triste. Na verdade, fico até hoje. Por isso, me surpreendi quando, há bem pouco tempo, o Pedro trouxe a história da escola. Li todo o livro, editado pela Editora Scipione (a imagem ao lado é de um lindo curta da Disney), com a voz travada para não chorar. O Pedro a ouviu com a maior serenidade e, ao fim, me disse que tinha achado o conto lindo. Me perguntei por que ele, como eu, não se sentiu mal ao ouvir uma história em que uma criança morre de frio na véspera de ano novo sem que ninguém a ajude? Talvez, como a menina, ele tenha embarcado na fantasia que a tira daquela existência de dor e de abandono e, com isso, nem tenha percebido que ela se liberta pela morte. De qualquer forma, a Pequena Vendedora de Fósforos continua sendo, para mim, uma história de dor e sofrimento com a qual não sei lidar.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Ana Paz é uma protagonista sem protagonismo

Não é fácil falar de Fazendo Ana Paz, de Lygia Bojunga, porque não é fácil falar de uma narrativa densa de emoção como a da escritora gaúcha. Ao sentar-me no computador para iniciar esta resenha, tive que vencer primeiro a tentação de centrar meu texto no depoimento de como a novela de Lygia me tocou para então enfrentar o desafio de escrever sobre a narrativa da autora e dos recursos que ela usou para se comunicar com o leitor.
A Ana Paz não é uma protagonista comum. Lygia não centra seus esforços em criar uma trama para manter o interesse sobre Ana por toda a narrativa. Ela é o instrumento usado por Lygia para falar de outro protagonista: o processo de criação de um personagem. Este sim consome todos os esforços da autora. Ana Paz é uma personagem incompleta, sem passado claro e em busca de um futuro incerto. Mas é no diálogo com ela que Lygia fala de como seus personagens foram tomando corpo.
Ana Paz, destaca logo de início a autora, faz parte de uma estirpe de personagens que foge à regra de sua galeria de tipos que, segundo a própria, sempre hesitam em vir à tona. Ela, assim como Raquel, de A Bolsa Amarela, “chegou sem a mais leve hesitação e foi dizendo: ‘Eu me chamo Ana Paz; eu tenho oito anos; eu acho o meu nome bonito’.” Mas engana-se quem pensa que a desenvoltura da personagem garantiu tranquilidade à autora.
A pressa de Ana Paz em se apresentar traduziu-se em um turbilhão de emoções em que Lygia vê-se enredada em todo o livro. A angústia gerada pelo embate autora/ personagem é o fio condutor de toda a narrativa de Lygia na novela. Ana Paz não se importa com os questionamentos de sua criadora sobre a pertinência de sua personagem e obra. Ela quer existir, ela quer ganhar corpo com a publicação da obra.
Lygia hesita. E hesita não por causa de Ana Paz. Seu problema é com o pai da protagonista que, assim como os outros personagens da autora, hesita em existir. Lygia vai e volta na narrativa em busca de um sentido para um pai perseguido pela polícia que pede a filha que não se esqueça de uma carranca. Que pai é esse, de que ele foge, o que esta carranca simboliza na relação entre pai e filha? Sem estas respostas, Lygia não vê sentido para sua obra e para sua personagem, que, assim, fica incompleta.
Mas Ana Paz, convicta de sua existência, mesmo que seu passado não esteja claro, quer viver, quer ganhar as páginas, quer ganhar autonomia. Lygia resiste até que, cansada de brigar com sua personagem, a liberta de sua crítica e transforma Fazendo Ana Paz em uma obra sobre o processo de criação. Não à toa a autora encerra o livro com Pra Você que me Lê, em que fala de como garimpa em seu passado e em sua memória fatos que, em sua narrativa, ganham novas cores e emoções para dar vida a quem sustenta sua obra: seus personagens.
PS: Este texto foge do tom impressionista das outras postagens por ser uma resenha que fiz para o Grupo Letra Falante, cordenado pela professora Ninfa Parreiras, na Estação das Letras. O grupo está lendo a obra de Lygia Bojunga e, em breve, todas as resenhas dos livros de Lygia estarão publicadas no site Dobras da Leitura, que tem uma seção especial para o Letra Falante.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O medo, companheiro de todas as noites

Caramba! Não tinha percebido que estava há tanto tempo sem escrever no Gato de Sofá. Mas a vida aqui em casa não pára. Com duas crianças não há quem tenha tempo livro. Mas a gente sempre encontra uma brecha do dia para ler para o Pedro e o Antônio. Se eu - a ledora oficial - estiver muito cansada, o Cadoca toma meu lugar e lê para os meninos. Um livro bom de pai ler para o filho é Todas as noites do mundo, de Dominique Demers e ilustrações de Nicolas Debon, editado pela Companhia Editora Nacional. A história de Simão que todas as noites vai dormir acompanhado do pai é um estímulo para a imaginação das crianças na tentativa de desmistificar o medo, companheiro de todas as noites. O pai coloca o menino na cama e começa a colocar todos os seres do mundo para dormir. Seres fantásticos ou seres prosaicos que na narrativa do pai tornam-se cheios de encanto. A medida que o pai vai cobrindo o filho e o ajeitando na cama ele vai varrendo o planeta e colocando os animais de todos os cantos para dormir. O último lugar visitado pelo pai é a o universo dos seres míticos, como fadas, dragões e duendes. Simão já está dormindo e o pai sai satisfeito do quarto prometendo para o filho que ele não tem mais do que se sentir medo. A história de Simão é a história de todos os nossos filhos, que ao dormir se defrontam com um mundo de incertezas que os faz temer pelos pesadelos tão comuns na infância. Nosso carinho, com certeza, lhes dá mais segurança, mas infelizmente não é o suficiente para lhes livrar de todos os medos. Mas que a gente possa sempre estar na cabeceira da cama de nossos filhos lhes dando serenidade para dormir.