quarta-feira, 13 de julho de 2011

Quando o afeto supera o mal estar com a morte

Há muito tempo evito ler para o Pedro histórias que tratem da morte, com medo de sua reação. Até que outro dia uma feliz coincidência  fez o tema voltar à pauta de nossas leituras. Em uma visita à agente literária Ana Maria Santeiro, em seu agradável apê de Santa, ganhei o belo livro A história dos Dois Filhotes de Quati e dos Dois Filhotes de Homem, do escritor uruguaio Horacio Quiroga, que nesse livro fala para um público jovem. A edição, pela Mercúrio Jovem, logo chamou a atenção do Pedro pela bela capa de Mariana Massarani e a minha pela tradução da história ser de nosso saudoso compositor Zé Rodrix. Quiroga foi um homem apaixonado pela selva e morou em várias ocasiões na Região das Missões Argentinas, onde a história se passa. A aventura dos quatis não foge da visão romântica - comum a seu tempo - de uma natureza idealizada em que homens e animais possam viver em harmonia, sob o mando, obviamente, do homem. Mas nem por isso deixa de ser encantadora. Quiroga cria uma comovente história de amizade e lealdade em que os animais são os protagonistas e as crianças a razão de tanto afeto. Afeto que empresta sentido à morte, fio condutor da história. Aliás, nem mesmo a morte afastou o Pedro da narrativa de Quiroga. Eu bem que temi por sua reação, quando percebi o que estava lendo. Mas era tarde, ele estava completamente absorto pela história dos quatis e seu único lamento foi em protesto pelo fim da história. Ele queria mais e eu também.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

João e Maria e as diferenças entre irmãos

O Pedro e o Antônio, desde o nascimento, me mostraram ser inútil fazer planos para os filhos. Eles me contrariaram logo de início para que eu não me animasse a idealizar o futuro. Tudo começou no dia em que nasceram. O Pedro, com previsão de nascimento para o início de fevereiro, me fez sonhar com o parto no dia 2, dia de Iemanjá e de festa no mar. Mas o danado resolveu aparecer apenas no dia 3, à uma hora da madrugada. Chegou a vez do Antônio. Eu teria que fazer uma cesariana e o médico me pediu para marcar a data. Depois de muito resistir, marquei para o dia 20 de abril, que atendia a todos e a meu desejo de ter um filho ariano. Mas não é que o danadinho nasceu no início da tarde, quando o sol já estava em Touro? Passado esse susto, pensei com os meus botões: "Vou viver tudo outra vez com meu caçulinha". Mas que nada. O Pedro e o Antônio até tem feições semelhantes, apesar de um ser moreno de cabelos cacheados e outro louro de cabelos encaracolados, mas em pouco se parecem em suas vivências. A começar pelas roupas que eu havia  guardado de um para o outro, com tanto carinho. O Pedro nasceu no verão e o Antônio, no outono. Assim, quando as roupas serviam no tamanho não serviam mais no modelo e no tecido. Depois, vieram os brinquedos. O que o Pedro mais gostava não encantava o Antônio. E, por fim, os livros. Os livros de que o Pedro tanto tinha ciúmes, mas que em sua maioria não enchiam os olhos do Antônio. Meu caçula é um leitor (sic) de muita personalidade. Ele escolhe todos os dias as histórias que quer ouvir. Já o Pedro aceita, até hoje, minhas sugestões. E entre essas histórias a única coincidência com o repertório do Pedro foram o lobo mau, os três porquinhos e os sete cabritinhos. No mais, o mais velho adorava livros com informação científica e sobre bichos que nunca consegui ler para o Antônio. Por outro lado, o Pedro morria de medo de quase tudo e o Antônio enfrenta os vilões com o maior interesse. Foi assim com João e Maria, o conto tradicional que chegou a nossos dias pelo esforço dos Irmãos Grimm. A história das crianças abandonadas pelo pai e a madrasta na Floresta Negra hipnotizou o Antônio várias noites. Li a versão da Coleção Clássicos Caramelo, em que a história é recontada por Joan Cameron e ilustrada por Andrew Whestcrof. Mas o que não falta são versões dos contos clássicos. Confesso que sou encantada com Contos de Fadas Clássicos, de Helen Cresswell, que tem belíssimas ilustrações de Carol Lawson. O livro, editado pela Martins Fontes, é uma riqueza, que, no entanto, não cativa tanto os pequeninos, como o Antônio, já que as ilustrações não recontam a história quadro a quadro, como no livro da Caramelo. O que o Antônio queria é ver o João, a Maria, a bruxa, a casinha de doces e perguntar a cada lance da história o porquê disso e daquilo e, principalmente, de os pais os terem abandonado. Fato é que meu menino, ainda tão pequeno, foi até o fim da história que, o Pedro tem razão, é realmente assustadora. Dois meninos pobres abandonados à própria sorte para enfrentar os perigos da floresta e a fome. Mas que ela seja contada assim e não na simplificação grosseira que, sob o manto do politicamente correto, transformou a história de horror em um pequeno comercial de guloseimas que nada tem a contribuir com o universo simbólico de nossas crianças.