segunda-feira, 23 de março de 2015

Há amor lá e aqui

A separação dos pais não passa despercebida a nenhuma criança. A dor de ver a família separar-se também não é só dos pais. O sofrimento é de todos, mas a certeza de que haverá felicidade adiante também deve ser compartilhada entre pais e filhos. É preciso seguir em frente e construir novas famílias para as crianças. Uma família em que haja apenas mãe e outra em que haja apenas pai. É sobre este momento que Carolina Moreyra fala em Lá e aqui, editado pela Pequena Zahar e ilustrado por Odilon Moraes. Um pequeno e lindo livro, que fala poeticamente de um momento delicado para pais e filhos, com a esperança que as crianças merecem. Encará-lo com coragem e verdade, não tenho dúvidas, é o melhor para adultos e crianças superarem a dor da separação. A leitura de Lá e aqui pode ser uma grande ajuda para abrir um diálogo franco entre adultos e crianças pequenas, nestes dias de tantas dúvidas.

sábado, 14 de março de 2015

A vida e a morte, segundo Helme Heine

A morte é sempre um assunto difícil para qualquer idade. Quando eu era criança, a temia muito, assim como, de maneiras diferentes, meus filhos a temem. O Pedro sempre se emocionou com a morte. Não podia-se falar da chegada dela na vida de ninguém, uma pessoa real ou um personagem de livro, que deixava vazar toda a tristeza que pressentia sentir quando a morte chegasse para um de seus queridos. O Antônio, ainda hoje, se assusta muito com a existência dela. Tem medo que chegue em seu quarto à noite para o levar, como eu também tinha, ou que assombre seus pais ou seu irmão. Enfim, que mude sua vida. Sentimentos que, ao longo da vida, com tudo o que ela nos guarda de bom e de ruim, vamos começando a entender. Só a maturidade pode nos fazer conviver com a morte, por perceber que, um dia, ela vai chegar e que não, necessariamente, será ruim. Há as boas mortes. Aquelas que levam pessoas que viveram vidas felizes e foram capazes de construir laços afetivos, sentir o mundo que as rodeia, realizar muito e, porque não dizer, se frustrar um bocado. Lembro até hoje de uma amiga me contando a morte do pai, prestes a fazer 100 anos, que permitiu que ele se despedisse dos filhos, falasse que ai em paz, das coisas boas que a vida lhe deu, do amor que o uniu à mulher de sua vida, enfim, do que fez a vida valer ser vivida. Afinal, a morte, depois de muita vida, faz sentido e parece mais leve. Compreender isso, no entanto, não nos impede sofrer com a iminência dela ou com o fato consumado. Perder um amor, alguém da família ou um amigo querido é sempre uma dor. Não há como evitar a tristeza pela perda e o assombro pela lembrança de que ela está por aí e um dia pode nos encontrar. Este é momento pelo qual está passando meu pai, que, com 79 anos, viu o ano passado levar seu irmão mais velho e sua cunhada. Ao que parece a morte não lhe dará trégua. Esse ano, começou com a doença de seu outro irmão, que, aos poucos, se despede da vida, e a senilidade de seu melhor amigo, um  pouco mais novo, mas mais frágil de saúde. Eu e a minha mãe, preocupadas com o abatimento dele, chegamos a uma óbvia conclusão. A velhice não nos dá alternativa: ou a gente morre ou nos preparamos para a morte dos outros. Naturalizar a morte, sem que, com isso, precisemos reprimir nossa tristeza diante dela, talvez seja a maneira mais fácil de encará-la. E é assim que Helme Haine a apresenta para as crianças, em A turma, editada pela Martins Fontes. Como não podia deixar de ser, ele começa a falar da morte pela vida e por tudo que ela pode nos apresentar. E conta esta história por intermédio de três amigos inseparáveis dos seres humanos: Professor Cérebro, Rose Coração e Barrigão. Os três ficam com seus amigos até para além da morte. O Professor Cérebro se encarrega de manter cada um na memória de seus pares, Rose Coração cultiva os amores que cada um conquistou em vida e Barrigão não o abandona nem na morte, seguindo com ele. Tudo isso falado com tamanha naturalidade e poesia, que não há criança que não se apaixone por essa turma. Afinal, eles também são seus amigos. Para sempre!

segunda-feira, 2 de março de 2015

A adolescência e o desafio de gostar de ler

O Pedro tem 13 anos é um adolescente cheio de vida, amigos e programas. São muitos seus
interesses, nos últimos tempos, mas livros estão fora dessa lista. Ele não se manifesta a favor de nenhum livro e resume sua atividade literária a ouvir, de vez em quando, as histórias que conto para o Antônio. Algumas dessas histórias o encantam até mais do que ao irmão. São geralmente narrativas engenhosas, edificadas pela astúcia de alguma personagem ou mitos das mais diversas mitologias, que prendem a atenção do leitor, ansioso por saber o destino de seus protagonistas. Os três ratos de Chantilly, de Alexandre Camanho, editado pela Pulo do Gato, escolhido para o Antônio acabou agradando ao Pedro. Aos poucos, ele foi ouvindo a história de três ratinhos cegos que livram-se de uma coruja, que os quer para o jantar, pela astúcia. O Pedro gostou. Manifestou seu agrado com o final, em que o apego pela realidade não é compromisso do autor, também o ilustrador do belo livro, e se preparou para dormir. Seu interesse me fez mais uma vez pensar nas razões que fazem alguém parar para ler. Esse mistério que move professores, pais e promotores de leitura no estorço de fazer com que os jovens tomem gosto pelos livros. Eu ainda não estou bem certa sobre que razões são essas, mas uma coisa eu sei: não é pela coerção que formaremos leitores. Aqueles livros adotados pela escola, que a cada dois meses são cobrados em avaliações com nota, com certeza não contribuem para formar leitores. Podem até ensinar a ler, mas não a gostar de ler. Esse é o desafio que a adolescência nos coloca. Como fazer um adolescente abrir um espaço para a leitura em sua agenda lotada de programas no mundo real e virtual? Juro que não sei a resposta e, pelo que converso por aí, desconfio que ninguém saiba. Estamos todos tentando encontrá-la. Até agora, a única coisa que acredito é na necessidade de fazer com que eles continuem a gostar de ouvir histórias. O segundo e o último passo é gostar de lê-las. Esta distância pode parecer pequena, mas não é. Ele é o pulo do gato que viemos perseguindo nos últimos anos, em que nossas crianças e jovens passaram a se acostumar com as facilidades do áudio-visual  e, cada vez mais, abandonam a leitura. Meu Pedro veio me dizer que gosta muito das histórias de Sherlock Holmes, mas que acha chato ler. Me recuso a acreditar que ele não goste de ler por mera preguiça, como muita gente acredita. Quem tem preguiça de fazer uma coisa que lhe dê prazer? Nem mesmo os adolescentes. Então qual é a razão? Me arrisquei a responder que a leitura é chata porque ele está em uma idade em que a concentração é um desafio e não há leitura prazerosa sem concentração. Para se gostar do que se lê é preciso alhear-se do mundo para criar na imaginação o clima da história e a maioria dos adolescentes não tem concentração para isso, além de não ter ainda uma leitura fluente que os faça esquecer que estão lendo. Quando assistimos a um filme, não ficamos a perceber por todo o tempo a tela do cinema e o projetor.  Se isso acontecesse, não teríamos como mergulhar na história e nos sentirmos parte do filme. Foi que respondi. "Quando leio para você, te ajudo a criar esse clima, com a entonação da minha voz e meu ritmo de leitura. Por isso, você gosta", expliquei para ele. Ao continuar a ler em voz alta, não estou apenas o livrando do trabalho de ler, estou permitindo que continue a ver sentido na leitura. Quem sabe, no dia em que ele possa curtir estar alheio do mundo, goste de ler e possa ler um livro do Sherlock Holmes, para, sem intermediários, recriar a história que, hoje, conhece apenas na adaptação para as telas dos cinemas.