segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Um livro lido em dois tempos

Bichos que existem e que não existem, de Arthur Nestrovski, ilustrado por Maria Eugênia e editado pela Cosac & Naify, está no segundo tempo aqui em casa. A primeira vez que o li foi para o Pedro, quando ele tinha cinco anos, e ficamos encantados com o jogo de fantasia/realidade proposto pelo autor. Lemos o livro muitas e incontáveis vezes, o Pedro cresceu e ele ficou esquecido na estante até que o Antônio começasse a me perguntar a toda hora se os seres de suas fantasias e filmes existem na realidade. Foram tantas perguntas como, "lobisomem não existe de verdade, né mãe?", que me lembrei do livro de Nestrovski. O resgatei da estante e propus a brincadeira para o Antônio, que está se encaminhando para os cinco anos. Pra quê? Agora ele pede o livro quase todos os dias e se diverte muito tentando adivinhar o que existe e o que não existe. Fiquei surpresa ao ver que ele acertou quase todos os bichos da fantasia e da realidade, apesar de não dar muita bola para o mundo animal. Isso é mais um sinal de que meu menino está saindo daquele mundo maravilhoso em que vivem as crianças pequenas e está começando a discernir realidade de fantasia. O Pedro, em sua vez, aproveitava o livro como mais uma forma de contato com os bichos, que tanto o fascinavam. A memória do livro era boa, tanto que acompanhou com prazer a primeira leitura feita para o Antônio. Essas descobertas e diferenças entre irmãos fazem parte da alegria de ter um segundo filho. A gente ganha uma chance de ver a história de um ângulo totalmente diferente. A dos livros e da vida. Vale cada noite mal dormida.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Uma princesa que não usa cor de rosa

A princesa sabichona, de Babette Cole, editada pela Martins Fontes, é muitas vezes minha opção de presente para meninas. Conheci o livro na escola do Pedro, que o adotou logo no primeiro ano, e adorei a história da princesa que faz tudo para que nenhum pretendente à sua mão consiga vencer a gincana, proposta pela própria, para fugir da exigência de sua mãe de arrumar um marido. Mas não pensem que a moça é uma Penélope, que resiste ao casamento por se guardar para seu marido, Ulisses, dado como morto. A princesa sabichona se guarda para si própria. Ela é independente e não quer se casar e, assim, Babette Cole, com seu humor característico, desconstrói o mito da princesa a espera do príncipe encantado tão caro, neste início de século, a nossas meninas. É bom que alguém vá na contra-mão desta tendência, já que as garotas são bombardeadas diariamente pelo esteriótipo princesa. Esse modelo, elaborado pelo marketing da indústria de roupas e brinquedos, usa e abusa do cor de rosa, como o sinal exterior da feminilidade. Não há quem não se espante com a monocromia em que se transformou a vida das pequenas na contemporaneidade. Da calcinha ao pregador de cabelo, da boneca ao aspirador de pó, tudo é rosa. A maior variação que encontramos é o lilás que, ao lado do rosa, faz a combinação mais comum da infância  brasileira, seja ela rica ou pobre. Lembro, de quando era criança ao frequentar a quadra da Estação Primeira de Mangueira com meus pais, notar que quase todas as pessoas do morro iam para o samba com alguma peça de roupa verde ou rosa, ou mesmo das duas cores. Muitos anos depois, já repórter, subi o morro e percebi que Mangueira, vista de perto ou de longe, é verde e rosa em suas casas e em sua gente. Questão de identidade, não tenho dúvida! Mas o rosa que nossas meninas usam, não pode ser comparado ao verde e rosa que faz do morador de Mangueira único. Também nesse caso não tenho dúvida. Só que dessa vez identifico no rosa uma imposição da indústria cultural, que fez o lugar da mulher no mundo encolher. Onde fica aquela mulher que se bateu por liberdade e igualdade diante dos homens? Onde fica a princesa sabichona, de Babette Cole? Vestida de rosa e esperando seu príncipe encantado? Apesar de todo esse massacre cor de rosa, ainda há esperanças. Várias mulheres pelo mundo já se recusam a ver as filhas achando que nasceram para ser uma das princesas Disney. Disney, repito, já que este mundo cor de rosa é a leitura que a indústria cultural faz da feminilidade. Os contos de fadas, ao contrário do que pensam nossas pequenas, são histórias de sofrimento e superação, que nas versões dos irmãos Grimm, do século 19, ganham cores bem mais sombrias do que o rosa dos estúdios de animação. O massacre cor de rosa provocou a reação de duas mães inglesas, que organizaram o movimento  Pink Stinks (rosa fede). Ele já conta com simpatizantes por todo o mundo, inclusive comigo. Não chego a achar que o rosa fede, mas concordo que não podemos permitir que as meninas cresçam achando que apenas o rosa as representa. Assim como não deixamos nossos filhos terem apenas roupas de super-heróis, temos que oferecer às garotas tudo o que a vida pode dar. O que nos faz ricos, como seres humanos, é viver a diversidade. E com certeza a diversidade é bem mais colorida do que o rosa.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma Minas Gerais que me toca o coração

Tebas faz parte dos meus sonhos em quase todas as minhas noites. Em sonho, passeio pela casa que foi minha, entro no meu quarto, procuro o que perdi ali há 30 anos e nem sei o que é. Mas não deixo de voltar, procurar meus fantasmas e conversar com meus mortos. Mortos em vida. Mortos pelo abandono. Mortos pelo mudar dos rumos da vida. Mas eles estão lá, como um marco, um porto seguro, uma tarde que não teve fim. Eles fazem parte de uma Luciana que quase ninguém conhece, mas que tem raízes profundas na adulta que sou. Uma Luciana que correu solta pelos campos de pés descalços, que andou em casas de prostitutas e de santas, que chorou de saudades de uma cidade cada vez mais distante e conheceu um mundo em vias de desaparecer. Um mundo onde bichos e gente se misturavam nas ruas de pedra ou de barro, em que era preciso atravessar rios alagados, com a roupa limpa em um saco em cima da cabeça, para sair formosa para os bailes de perto e de longe. Um mundo onde crianças e adolescentes se misturavam em times de vôlei, passeios de bicicleta e banhos de cachoeira. Um mundo em que, nos fins dos anos 70, ainda se lembrava da escravidão e havia clubes de brancos e de negros. Um mundo em que todos se conheciam e meninas andavam de mãos dadas cantando sucessos da MPB. Um mundo de praças, em que se vigiava a vida dos outros pelas frestas das janelas e pequenas novidades eram esperadas ansiosamente. Pequenas novidades, como circos com meninos vendendo pirulitos de açúcar queimado; touradas, não importava se com touros ou vacas; e acampamentos de ciganos. Foi com esse mundo, ainda nas minhas retinas, que li com emoção Ciganos, de Bartolomeu Campos de Queirós, editada pela Global, com belo projeto gráfico de Eduardo Okano sobre ilustrações de Pierre Derlon. A pequena cidade em que o "menino feito de coragem e medo" presencia a chegada de um grupo cigano poderia ser Tebas. E o é nas mulheres com cadeiras na calçada e adultos de pouca conversa com as crianças. No medo que o pai desperta no menino e seu enorme desejo de ser amado por ele. No olhar por sobre as montanhas das Gerais, de onde se pode sonhar com o mar e uma vida que nem se sabe qual é. No viver o tempo de uma maneira que as pessoas da cidade nunca vão entender e é descrita com maestria por Bartô, no trecho em que fala dos ciganos indo embora. "Sem saber se haveria regresso, a saída dos ciganos deixava, nos habitantes da cidade, um vazio impossível de ser preenchido com rezas, novenas, paciência. Era como se a alma ficasse, de repente, desabitada. Contudo, o amor clandestino e suspenso, inaugurado pelos viajantes, era compensado quando os olhos encontravam o terreno vago, ao lado da igreja, aguardando a próxima visita inesperada." Belo livro que mereceu cada prêmio que ganhou.
PS: Para quem quer saber, os prêmios são o Jabuti de Literatura Juvenil, em 1993, o selo Altamente Recomendável da Fundação de Literatura Infanto-Juvenil e a indicação para o Prêmio Bienal Banco Noroeste de Literatura.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Memória, fantasia e a história de cada um

Sempre me preocupei em me fazer presente depois da morte. Imagino meus filhos daqui a anos, com a vida feita e já sem mim, lendo este post e tentando reconstruir na memória o calor do abraço materno. Com certeza é essa a minha maior motivação para fazer este blog. Contar nossas impressões de leitura não foi uma escolha aleatória. Privilegiei este momento por ser à noite, lado a lado na cama para ler histórias, que nós passamos os momentos mais calmos de nosso dia. O ritual começa com a escolha do livro e continua com meu esforço para dar vida, com  minha voz, a tantas aventuras e personagens que encantam meus meninos. Esse momento mágico já até conquistou o Cadoca, que, em várias noites, se junta a nós para ler para um dos garotos. É nessa hora que o Pedro me conta alguns fatos do seu dia e que o Antônio se chega mais, pedindo que eu o proteja do medo do escuro. Por isso, cada vez mais tento encontrar boas histórias para ler para os meninos. Driblo, nas estantes das livrarias, os títulos que se preocupam mais em resolver questões dos pais e dos filhos para achar aquelas histórias raras, que acendem a imaginação das crianças. É esse mundo mágico que vale a pena viver. Quando somos crianças, como meus filhos, buscamos a fantasia de bichos falantes, super poderes e situações que desafiem a realidade. Quando crescemos, como eu e o Cadoca, ficamos sonhando com um mundo mais justo, homens mais solidários e uma vida mais centrada na existência e menos pautada pelo sucesso e o consumo. É a imaginação que nos faz criar. Por isso, aposto no maravilhoso para educar meus filhos. O Antônio, com 4 anos, ama a fantasia acima de tudo, apesar de já perceber que há uma vida real em que ela tem pouco espaço. "Mamãe, não é que os bichos só falam nas histórias? Na vida real, eles não falam, né?", me pergunta mil vezes durante o dia, como que para se certificar de uma percepção ainda recente. Já o Pedro, com 9 anos, não tem mais dúvidas sobre a diferença entre livros e filmes e a realidade, mas ainda tateia nas possibilidades do mundo real. Ele, como a maioria de seus amigos, sonha em ser jogador de futebol, mas não faz nada para isso. Prefere ficar deitado na cama vendo os filmes de Harry Potter e lendo suas aventuras do que andar um quarteirão, mas tem certeza de que vai ser um Ronaldinho no futuro. E o Antônio, apesar de todas as suas dúvidas, ainda curte as histórias maravilhosas em que bichos falam, macacos têm asas, meninas voam em sapatinhos encantados e crianças são pequeninas como um dedal. Agora ele está encantado com Midinha, uma adaptação do conto Thumbelina, de Hans Cristian Andersen, em que uma menina do tamanho de um dedo mindinho, que nasceu de um feitiço para agradar a sua mãe/dona que tanto queria filhos, tem que passar por uma série de desventuras até encontrar a liberdade e sua própria história. Um pouco da vida de cada um de nós, em nossa saga do crescimento e da independência. Na primeira leitura, o Antônio acompanhou a história com bastante atenção para não perder a sucessão de fatos e pessoas que vão acontecendo na vida da menina. Ao fim, me fez prometer que Mindinha, em uma edição da Manole, seria o livro do dia seguinte. A promessa foi cumprida na voz do Cadoca. Enquanto ele ouvia o pai, eu estava na cama ao lado, lendo Harry Potter para o Pedro. Embarcados na fantasia de crianças minúsculas e aprendizes de bruxos os dois dormiram felizes em busca de um novo dia. Olhando o Pedro e o Antônio, fiquei desejando, mais uma vez, que eu e o Cadoca possamos sempre estar perto de nossos meninos, nem que seja apenas na memória de cada um deles. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Umas lavadeiras pra lá de fuzarqueiras

As lavadeiras fuzarqueiras, de John Yeoman, ilustrado por Quentin Blake, é um daqueles livros que merecem uma especial atenção. A história das sete lavadeiras que trabalhavam para o senhor Baltazar Durão é tão bacana que até me perguntei se não era um daqueles contos populares, que, com imaginação e humor, registram nossa história e nos permitem refletir sobre os conflitos do ser humano. Mas acho que não. Pelo menos não há qualquer referência, na edição da Companhia das Letrinhas, de que a história seja colhida da tradição oral. Não importa. O que a torna tão especial é a forma leve, engraçada e claríssima com que os dois ingleses, autor e ilustrador, contam para crianças a história de um grupo de lavadeiras que, depois de anos de exploração, resolve se rebelar contra seu patrão e seguir rumo à liberdade. Liberdade para fazer uma fuzarca ou para escolher seus pares. Os desenhos a bico de pena e aquarela de Quentin Blake ajudam a dar o tom de registro à narrativa ao desenvolver com humor e movimento as aventuras das fuzarqueiras, com destaque para a figura franzina e emproada do senhor Durão. Sua figura não deixa dúvidas de que ele, além de sovina, é um explorador. A narrativa de John Yeoman, dessa forma, é construída em parceria com a ilustração de Quentin Blake - um dos mais importantes ilustradores da atualidade - e não nos deixa outra alternativa a não ser esconjurar o senhor Durão e torcer pelas lavadeiras, que, livres das pilhas de roupas, podem seguir "felizes, lenhando e aproveitando a vida a valer".  Eu e o Pedro adoramos o livro e aproveitamos para falar um pouco sobre o velho e feio hábito que os homens têm de explorar seus semelhantes. Mesmo que essa exploração tenha deixado de lado o fraque e a cartola do senhor Durão e se travestido com as roupas sutis e sofisticadas da modernidade. As lavadeiras não nos deixam esquecer que, com certeza, a história não acabou.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Um cavaleiro, um dragão e a magia dos livros

Aproveito a pós em LIJ da UFF para ampliar meu repertório com o Antônio. Isso é uma tarefa difícil, já que ele normalmente rejeita as novidades e os livros saídos da estante do Pedro. Todas as noites ele quer as mesmos histórias. A repetição é tanta que muitas vezes digo não. "Não aguento mais ler esse livro, Antônio. Vamos escolher outro". Mas ele, como diz o Pedro, é marrento e bate o pé. Em alguns dias cedo, em outros não. Depende do meu humor ou, melhor dizendo, do meu mau humor. Há também os dias em que ele, surpreendentemente, aceita uma ou outra novidade. Foi o caso de O Cavaleiro e o Dragão, de Tomie de Paola, que eu trouxe da biblioteca do Proale (Programa de Alfabetização e Leitura) da UFF. O livro, já fora do catálogo da Editora Moderna, é uma das pequenas preciosidades traduzidas pela nossa escritora Ana Maria Machado. A capa já nos seduz, com um grande e simpático dragão de um lado e um paramentado cavaleiro de outro. Os dois protagonistas da história são também antagonistas e passam quase todo o livro se preparando para uma batalha. A grande sacada de Tomie de Paola foi criar uma bibliotecária, personagem estranha aos romances de capa e espada, que alimenta a luta com livros sobre armaduras e habilidades dos combatentes e, no fim da história, reaparece para engendrar um desfecho inesperado. A presença da bibliotecária é discreta, mas essencial, o que nos faz pensar que talvez ela seja a maneira de Tomie de Paola dizer para seus pequenos leitores que a leitura pode ser uma experiência revolucionária. Isso sem qualquer didatismo ou militância pró-formação de leitores. Apenas com seu traço inspirado e uma ideia muito bacana que garantem humor e humanidade ao livro. Em muitas páginas, a ilustração é o bastante para acompanharmos a história, fazendo com que O Cavaleiro e o Dragão se encaixe na definição norte-americana de livros de imagens, em que texto e ilustrações travam diálogo essencial para o entendimento da história. São essas qualidades que fazem com que O Cavaleiro e o Dragão, lançado em 1980 e editado no Brasil, em 1999, ainda valha a pena. Faça como o cavaleiro e o dragão e vá a uma biblioteca curtir um pouquinho das ilustrações e do humor de Tomie de Paola ou, como eu, e garanta o seu em um sebo. Com um exemplar aqui em casa, posso ter sempre a mão o livro que entrou no rol dos preferidos do Antônio, totalmente cativado pela magia da história que, de tão bacana, conquistou até o Pedro. 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Antônio sabe fazer mágica

Confesso que muitas vezes vi Anton sabe fazer mágica, de  Ole Konnecke, editado pela Martins Fontes, nas prateleiras das livrarias e me perguntei se ele funcionaria com as crianças. O achava muito simplório e o deixava para lá. Até que resolvi testá-lo e percebi outro dos meus erros. Anton é um livro de magia perfeito para os pequenos leitores. O ilustrador alemão Ole Konnecke apelou para a simplicidade do raciocínio das crianças na apresentação do menino Anton, tentando fazer mágica. Anton é um menino como outro qualquer da faixa dos três ou quatro anos. Ele é crédulo e ao mesmo tempo malicioso para criar as situações descritas no livro. O projeto gráfico do livro também aposta na simplicidade para criar empatia com o pequeno leitor. Ole explora basicamente o amarelo, o laranja e o branco, além de um ou outro tom ocre para destacar as formas. E Anton sai a campo, animado com seu chapéu mágico,  testando seus poderes. As situações se desenrolam de maneira a fazer com que o menino se convença de suas habilidades e a divertir os pequenos leitores, como o Antônio. Meu menino se diverte ainda mais no fim do livro, quando Anton convence seu amiguinho Lucas, até então, incrédulo de suas habilidades, de que ele sabe fazer mágica. Ele ri um bocado e comenta, com sua fala apressada., as trapalhadas de Anton. Dá vontade de sapecar um beijo na bochecha dele, que, mesmo sem o chapéu de Anton, sabe fazer mágicas com o meu humor. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O carisma do bruxinho Harry

Confesso que até o Pedro apaixonar-se pela saga de Harry Potter e assistir exaustivamente aos oito filmes da série, achava o bruxinho da escritora inglesa J.K. Rowling uma bobagem. Um julgamento, confesso, baseado em meu preconceito contra os best sellers e os blockbusters. Meu erro foi imperdoável. A saga de Harry em busca da superação de seu abandono e de seu rival, Lord Voldemort, não pode e nem deve ser ignorada. Eu estou descobrindo a riqueza simbólica da história, com a leitura que estou fazendo com o  Pedro dos sete livros da saga. Estamos  apenas no começo, terminando o primeiro volume - A Pedra Filosofal - mas já dá para entender o enredo da história. Iniciamos a leitura sem que eu tenha visto um único filme da série. Vi muitas cenas, nas inúmeras vezes que cruzei com o Pedro os assistindo na TV, mas nunca entendi direito a história do bruxinho. Minha ignorância em relação ao mundo de Harry e seus amigos, Rony e Hermione, me deu um olhar quase neófito sobre a saga, que mistura elementos de literatura policial e juvenil, no estilo escola interna em que as amizades, amores, lealdades, rivalidades, ódios e trapaças podem ser vividos radicalmente. Harry, em sua busca pela superação, experimenta várias emoções e vai crescendo com a torcida de seus milhões de fãs. Mas é inegável que os filmes, lançados sempre na esteira do lançamento literário, fazem a história ter outro tom e apelo. É impossível ignorar em minha leitura a carinha de Harry, a deformidade de Voldemort e a imagem dos meninos jogando Quadribol nos filmes. Os elementos da narrativa de Rowling e a leitura cinematográfica de sua obra estão intimamente ligados e trabalhando para construir o carisma do bruxinho que, criado com um trouxa, vai para a Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts encontrar sua história e seu destino. Por enquanto, só lamento uma coisa. A prosa de Rowling não estar à altura de sua engenhosa imaginação. No mais, que venham os outros seis volumes de Harry Potter, editados pela Editora Record. 

domingo, 30 de outubro de 2011

Um pirata em busca de seu tesouro

Um pirata muito só, de Denise Crispun, com ilustrações de Mariana Massarani, editado pela Escrita Fina, foi uma grata surpresa. Há muito tempo sei que ela é dramaturga e roteirista de TV e agora me surpreendo com sua produção para crianças. Denise, que é uma companheira querida de muitos carnavais, guardou o livro alguns anos na gaveta antes de publicá-lo. Que bom que o trouxe à luz! A história do pirata muito só em busca de seu tesouro foi escrita para sua filha Elisa, hoje uma adolescente, e é contada em um texto delicado, que ganha cores vibrantes nas belas e criativas ilustrações de Mariana Massarani que ajudam as crianças menores a acompanhar a saga do pirata. O mais bacana é chegar ao fim do livro e saber que o tesouro do pirata é o amor e não um baú cheio de moedas de ouro, que, nos dias de hoje, as vezes parece valer mais do que um belo encontro. O meu Antônio, para quem Denise autografou o livro, adorou a história do "pirata de um olho só, uma orelha só, uma narina só, um braço só, uma perna só, um joelho só, um sovaco só, um cotovelo só, uma bochecha só" e, segundo o Antônio, um pé só. O livro ainda tem a graça de apresentar, na penúltima página, os desenhos feitos por Elisa, ainda criança, para a história de sua mãe, dona de um fino senso de humor e alegria que esbanja todos os anos na ala dos fundadores do bloco Suvaco do Cristo. Com certeza, uma autora que vale a pena conhecer.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Na mesa, o macarrão de Tomie de Paola

Ainda criança aprendi a amar macarrão. Macarrão de todos os tipos, servidos a qualquer hora. Minha avó, Glória, era uma craque na cozinha e teve seu tempo de produzir até a massa que servia na mesa farta de sua casa. Eu não lembro da massa feita por ela, mas lembro de sua paixão por macarrão, pizzas - essas sim, feitas em casa - e sopas que herdou de seus pais italianos. Meu pai encarregou-se de fazer o macarrão ter presença certa na minha casa. Por muito tempo, quando pesava menos de 50 quilos e não podia doar sangue - ai que saudades! - eu comia todas as noites um prato de cabelinho de anjo, com manteiga e queijo parmesão, antes de dormir. O tempo passou, me credenciei para doar sangue e a classe média carioca passou a tratar nosso velho macarrão por massa. Mas eu continuei apaixonada por macarrão de todos os tipos, com qualquer molho. Tanto que, todos os meses, faço uma compra apenas de massa italiana. Spagheti, penne, farfalli. fettuccine e fusilli. O consumo aqui em casa é grande. Meus filhos, como eu, adoram uma massinha. Talvez por isso a história Strega Nona, a avó feiticeira, de Tomie de Paola, editada pela Global, tenha nos cativado logo de cara. Nós conhecemos a história - um conto tradicional italiano recontado pelo premiado autor americano - através dos tapetes do grupo Costurando Histórias. Aliás, tem tudo a ver a história com o trabalho da troupe da Daniela Fossaluza. Strega Nona, com aquele narigão das italianas, tem um belo caldeirão mágico que faz pulular macarrão tão logo ela canta uma canção. Mas o caldeirão é só dela. Strega Nona avisa logo a Tonhão, seu ajudante. O rapaz, muito intrometido e ambicioso, no entanto, logo desobedece a Nona e experimenta algumas horas de glória, em sua pequena vila italiana. Até que chega a hora da verdade e Tonhão, sem saber os truques da Nona, se vê na maior enrascada, com o macarrão saindo sem parar do caldeirão. A velhinha o salva, mas o faz pagar por seu crime à altura. O rapaz é obrigado a comer todo o macarrão. Nem tal mal assim, não é?
Olha o desenho animado da história, que faz parte da coleção Crianças Criativas, da Global. A coleção é coordenada por Gian Calvi, que, inclusive, assina a tradução de Strega Nona. Não encontrei uma versão dublada, mas o Antônio adorou ver mesmo em inglês. Como ele já conhecia a história, eu o ajudei a acompanhar a animação. Vale a pena ver a versão em vídeo da história, que recebeu vários prêmios nos EUA. No Brasil, ganhou o selo altamente recomendável da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil (FNLIJ). Aproveite!

sábado, 22 de outubro de 2011

Um céu de estrelas para um conto de amor

Eu sempre adorei mitologia grega e seu universo de deuses e semideuses. Na minha infância e adolescência, li e reli livros em que os principais personagens da mitologia grega eram apresentados. Sonhava, ao ver programas de TV que propunham viagens no tempo, viver na Grécia de belos homens e mulheres convivendo com os deuses em histórias heróicas. Mas somente quando cresci e entrei na faculdade, entendi que era através desses mitos que os gregos organizavam simbolicamente o mundo dos mortais. Aquelas histórias fantásticas davam corpo aos valores que lhes eram caros e às condutas desprezíveis. Foi então que aquele encantamento juvenil me ajudou a começar a desvendar o mundo em que eu vivia, herdeiro daquela tradições. Não à toa, assim que o Pedro cresceu um pouquinho, passei a comprar livros com adaptações dos mitos gregos para crianças. Até que um dia me deparei na estante de uma livraria com Psiquê, de Angela Lago, editado pela Cosac Naify. O livro era recém lançado e me encantou, apesar da quase certeza de que o Pedro não se interessaria por ele. Comprei-o como um presente para mim mesma. A história da bela princesa que desperta a ira da deusa Afrodite e, depois de enfrentar os abismos da alma e a morte, acaba conquistando o coração de Eros não tem idade. Na versão de  Angela, ganha contornos ainda mais belos, com sua prosa e ilustração que criam uma atmosfera de sonho e fantasia, como pano de fundo para o enlace da alma com o amor. O li e guardei-o na estante do quarto dos meninos sem dividi-lo com o Pedro, que o rejeitou de imediato. Meses depois, há poucos dias, lendo para os dois à noite, peguei o livro e comecei a leitura que logo prendeu a atenção do meu mais velho. Contei a história no ritmo de sonho proposto pela autora e o Pedro a acompanhou interessado. Ao fim, ele disse apenas que a história era linda. Disse pouco e tudo. Assim, como Adélia Prado, em seu breve comentário na quarta capa do livro, disse: "Como é possível alguém perfurar um papel de fundo preto e me obrigar a dizer: é um céu estrelado". Assim é a fantasia proposta pela mitologia - imediata e profunda.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A história se repete

É impressionante como esse país não muda. Outro dia, estava lendo com o Pedro Ludi na Revolta da Vacina, da minha xará Luciana Sandroni, editado pela Salamandra, e comentei com ele sobre as semelhanças do bota-abaixo do Pereira Passos com a política de remoção do atual prefeito do Rio. Ludi e sua família - na viagem que fazem ao Rio do início do século XX - ficam chocados com a violência com que Pereira Passos derruba os cortiços da cidade e desapropria lojas e residências na Avenida Central, em nome de um projeto modernizador para a cidade, inspirado em Paris. Pereira Passos, em sua arrogância, não consegue ouvir o pai de Ludi alertar para o fato de que seu projeto não seria o último a mudar a cara do Rio. Décadas mais tarde, o Rio perderia o Palácio Monroe, um dos marcos do Rio parisiente, para dar lugar ao Metrô, entre outros vários prédios do início do século. Os pobres de Pereira Passos deixaram os cortiços, naqueles dias vividos pela família de Ludi, e subiram morros e ocuparam terrenos em áreas desvalorizadas da cidade. Quase um século depois, o Rio andou para a Zona Oeste, descobriu a beleza das encostas e quis de novo esses lugares para integrá-los à cidade formal. OK! Nada contra, desde que os pobres que hoje ocupam os lugares dantes desprezados sejam também integrados à cidade formal. Mas não! A parte que cabe a eles nesse projeto de modernização e embelezamento da cidade é uma pequena indenização pela derrubada de suas casas, que, segundo a ONU, tem sido feita de forma a violar os diretos humanos por não lhes dar tempo suficiente para prepararem sua saída e não lhes oferecer alternativa de moradia. O Pedro se espantou. Ele que, nesses dias na escola, aprendeu a se condoer com o  drama das famílias brasileiras que foram obrigadas a deixar suas casas para a corte de Dom João e com o bota-abaixo de Pereira Passos, me perguntou o porquê disso tudo novamente. Tudo em nome de uma modernização conservadora e excludente que, de tempos em tempos, empurra a pobreza para fora da cidade formal. É, como diria Marx, a história se repete e, ao que parece, pelas obras que herdaremos da preparação da cidade para as Olimpíadas, mais uma vez como farsa.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O encantamento de Sylvia Orthof

É muito bom quando a gente pega um livro e se encanta por ele, como me aconteceu com Fada Cisco Quase Nada, de Sylvia Orthof, editado pela Ática. O Antônio chegou em casa da escola com o livro da ciranda e logo me pediu para lê-lo. Senti de imediato que aquela história era especial. Nem sempre os livros da ciranda o animam dessa forma. A maioria deles é preterida por ele, que sempre quer ler os seus próprios. Mas a Fada Cisco chamou sua atenção. Tão logo comecei a ler a história de Sylvia Orthof entendi o encantamento do meu filho, tão pequeno como a fadinha que ganha vida nas cores de Eva Furnari. Cisco traz em si a essência da infância tão bem contada na obra de Sylvia, uma de nossas grandes autoras de literatura infantil e juvenil. Uma essência que, segundo Sylvia, pode ser entendida por gente de todas as idades. "A rosa é encantada: só se abre para quem sabe que sempre é tempo de fada", garante ela ao apresentar a morada da fadinha. Passear pela casa da Cisco é outro grande barato do livro que se deve ao rico diálogo entre ilustração e texto. Acompanhar a história de Sylvia de olho nas ilustrações de Eva foi um desafio que encantou o Antônio e a mim, que descobri, com a leitura, que meu filhote já é capaz de ligar ao concreto abstrações - como meia, chulé e pé - e acompanhar sem perder detalhes uma história tão rica quanto a da fada cisco. Ao fim de quase 10 leituras em apenas dois dias, partilhei com o Antônio a certeza de que a Fada Cisco é mesmo muito especial, tanto que ele  chorou quando eu disse que tínhamos que devolver o livro para a escola. Tomara que a Fada Cisco volte para meu pequeno Antônio no fim do ano!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Beijos nunca são demais...

Ainda não falei aqui de um livro que, há muito tempo, ronda meu imaginário. Trata-se de Chega de Beijos, da inglesa Emma Chichester Clark, que me foi indicado pela coordenadora da escola dos meus filhos, quando o Antônio nasceu. A intenção dela era me dar um instrumento para falar do ciúme do Pedro, diante da chegada do irmãozinho. Isso não foi possível, o livro editado pela Salamandra estava esgotado e nunca o achei. O tempo passou, o Pedro e o Antônio se acostumaram cada um com a presença do outro e eu fui enchendo meus filhotes de carinhos, até que um dia o Antônio começou a dizer que não queria mais beijos. Como assim? Como não queria mais beijos? A reclamação dele não era dirigida apenas a mim. Ele não queria mais beijos do pai, do irmão, das amigas e da professora. Lembrei logo da história de Momo, o macaquinho que revoltou-se contras os beijos assim que seu irmãozinho nasceu e mais uma vez resolvi catar o livro. Dessa vez, com sucesso. Achei-o em um sebo, em ótimo estado, esperando por mim. A primeira leitura com os meninos foi muito engraçada. O Pedro prestou muito mais atenção do que o Antônio e ficou encantado com a delicadeza da história. O Antônio, por sua vez, ficou perambulando pelo quarto sem dar a mínima para o macaquinho e seu irmãozinho. Poucos dias depois, resolvi insistir e ler novamente o livro para o Antônio, que, finalmente, se curvou ao charme de Momo e à delicadeza do texto e das imagens criadas por Emma para contar a história do macaquinho ciumento. Foi então que uma amiguinha do Antônio me disse, um dia na escola, que ele não gostava de beijos. Foi a senha! Mandei o livro para a escola e a professora resolveu lê-lo para a turminha. Todos amaram e o Antônio acabou desmascarado, como o Momo. Ele quer beijos sim, mas não abre mão de fazer um certo charme. Então, que fique combinado assim!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Os meninos e seus amados e temidos cachorros

Vamos combinar que cachorros são o grande barato de nove entre dez crianças. Essa uma que não gosta deles, com certeza, é aquela mesma que tem medo de cães. Todo mundo gosta de um cãozinho, mesmo que não os queira. Pois assim é aqui em casa. Eu amo os setters, tanto o inglês, quanto o irlandês; o Cadoca faz parte daquele grupo que adora o cachorro dos outros e que esse outro, de preferência, não seja o vizinho; o Pedro ávido para ter um, gosta de qualquer um; e o Antônio, com seus quatro aninhos, prefere os pequenos que não o assustam. Mas há quem, como Leonardo, personagem de Wolf Erlbruch, queira ser um. As razões podem ser várias. Mas a de Leonardo é a mais legítima. Nada melhor do que ser um cão para não ter mais medo deles. Será? É disso que Erlbruch, esse escritor/ilustrador alemão telentosíssimo e super premiado, fala em Leonardo, que no Brasil foi editado pela Companhia das Letrinhas. O livro veio parar aqui em casa há quatro anos por meio da ciranda de livros da sala do Pedro. Veio, foi lido e adorado e voltou para a escola. Agora, com o medo que o Antônio tem de cachorros grandes, resolvi procurá-lo para uma nova leitura. Foi um sucesso! O Pedro adorou, o Antônio ouviu super atento e nos divertimos um bocado especulando sobre quem ia se transformar em cachorro. Será que você toparia?

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Quer ouvir um segredo?

O fim de semana aqui em casa foi de jejum de histórias. Os meninos foram dormir tarde demais para eu  ainda ter energia para ler para eles. Fui dormir sobre protestos dos dois que nunca acreditam nas minhas ameaças de não ler história, caso eles não se deitem cedo. Por isso, ontem, assim que falei em dormir o Antônio se postou em frente à estante para escolher o de sempre, nos últimos dias: as versões da Disney para clássicos como O Pedro e o Lobo e Os Três Porquinhos. Apesar de parecer irredutível em suas escolhas, eu consegui ler, no contrabando, o que ele trouxe da Ciranda de Livros da escola. O monstruoso segredo de Lili, de Angelika Glitz, editado pela Brinque-Book, é uma graça. O segredo de Lili é uma das delícias da infância e a história ganha cores delicadas e alegres nas belas  ilustrações de Annette Swoboda. Ele não queria ouvir a história de jeito nenhum, mas minha insistência deu certo. No meio do livro  já estava ouvindo e perguntando o porquê de se falar baixinho quando o assunto era um segredo. A resistência contra Lili é a mesma que faz o Antônio, nos últimos tempos, se negar a ouvir quase tudo que escolho ou trago para ele. Ele quer fazer suas escolhas em tudo na vida e resiste em abrir mão delas, mesmo diante de novidades e novas possibilidades. Já o Pedro não pode ver um livro novo na estante que pede para que eu o leia. É assim também com os livros da ciranda do irmão mais novo. Todas as semanas, Pedro pega uma carona nos livros trazidos pelo Antônio da escola. O monstruoso segredo de Lili agradou. Ele ficou com aquele sorriso de quem está crescendo, mas sem perder a ternura. Que a vida o guarde assim!

sábado, 6 de agosto de 2011

Para gostar de ler poesia

Eu era ainda uma adolescente quando conheci Castro Alves e a grandeza de sua poesia romântica que falava de um povo a ser liberto e um mundo a ser construído. Me apaixonei por essa verve tão intensa, apesar de ter nascido quase 100 anos após sua morte precoce por tuberculose. Depois dele veio João Cabral de Melo Neto, com seu auto Morte e Vida Severina. A maioria deles me chegou pela escola ou pelas mãos de minha mãe, que sabia que eu estava me encantando pela poesia. Na minha casa esse era um gênero inexistente. Minha mãe sempre foi uma leitora voraz, mas poesia nunca fez parte de seu cardápio. A poesia me ligava à minha bisavó, Maria da Silveira, que tinha vivido os saraus do início do século XX. Ela gostava de saber que eu me encantava pelos poetas, o que fez sua filha, minha avó, após sua morte, me dar alguns de seus livros de poesia, entre eles Estrela da Vida Inteira, de Manoel Bandeira. Esse gosto, no entanto, nunca cruzou mares. Sempre fiquei entre os poetas brasileiros. Minha ousadia maior foi Fernando Pessoa. Conheço muito pouco mesmo da poesia americana ou europeia. O pouco que li, não me seduziu. Aí me pergunto se o problema é eu ler poesia traduzida. A tradução, desconfio, faz muito da beleza pretendida pelo poeta desaparecer. Mas reconheço que, apesar disso, tem muita coisa boa a ser lida nas prateleiras das livrarias. Por isso, não titubeei em comprar Ri melhor quem ri primeiro (Poemas para crianças e adultos inteligente), de José Paulo Paes, pela Companhia das Letrinhas. O livro traz uma seleta de poemas escolhidos e traduzidos por Paes para ser apresentada para leitores jovens ou inexperientes na poesia em língua não portuguesa, como eu. O poeta, ensaísta e tradutor dedicou parte de seus últimos anos escrevendo para crianças e divulgando a obra  de seus pares para este público normalmente tão esquecido pelos literatos. Paes, neste livro,  um de seus últimos projetos, reúne 31 poemas de origens linguísticas e temporais diferentes que servem como um resumido cenário da riqueza que o gênero pode ter. "A senhora esperava o ônibus./ O senhor esperava o ônibus./ Passa um cachorro preto que manca./ A senhora fica olhando o cachorro./ O senhor fica olhando o cachorro./ Nesse meio tempo o ônibus passou.", do surrealista francês Raymond Queneau, é um bom exemplo do que Paes traz para adultos e crianças que estejam dispostos a embarcar nessa viagem. Mas como diz Queneau, é preciso fazer sinal para o motorista. Paes já fez para nós, só nos resta topar a brincadeira.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Quando o afeto supera o mal estar com a morte

Há muito tempo evito ler para o Pedro histórias que tratem da morte, com medo de sua reação. Até que outro dia uma feliz coincidência  fez o tema voltar à pauta de nossas leituras. Em uma visita à agente literária Ana Maria Santeiro, em seu agradável apê de Santa, ganhei o belo livro A história dos Dois Filhotes de Quati e dos Dois Filhotes de Homem, do escritor uruguaio Horacio Quiroga, que nesse livro fala para um público jovem. A edição, pela Mercúrio Jovem, logo chamou a atenção do Pedro pela bela capa de Mariana Massarani e a minha pela tradução da história ser de nosso saudoso compositor Zé Rodrix. Quiroga foi um homem apaixonado pela selva e morou em várias ocasiões na Região das Missões Argentinas, onde a história se passa. A aventura dos quatis não foge da visão romântica - comum a seu tempo - de uma natureza idealizada em que homens e animais possam viver em harmonia, sob o mando, obviamente, do homem. Mas nem por isso deixa de ser encantadora. Quiroga cria uma comovente história de amizade e lealdade em que os animais são os protagonistas e as crianças a razão de tanto afeto. Afeto que empresta sentido à morte, fio condutor da história. Aliás, nem mesmo a morte afastou o Pedro da narrativa de Quiroga. Eu bem que temi por sua reação, quando percebi o que estava lendo. Mas era tarde, ele estava completamente absorto pela história dos quatis e seu único lamento foi em protesto pelo fim da história. Ele queria mais e eu também.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

João e Maria e as diferenças entre irmãos

O Pedro e o Antônio, desde o nascimento, me mostraram ser inútil fazer planos para os filhos. Eles me contrariaram logo de início para que eu não me animasse a idealizar o futuro. Tudo começou no dia em que nasceram. O Pedro, com previsão de nascimento para o início de fevereiro, me fez sonhar com o parto no dia 2, dia de Iemanjá e de festa no mar. Mas o danado resolveu aparecer apenas no dia 3, à uma hora da madrugada. Chegou a vez do Antônio. Eu teria que fazer uma cesariana e o médico me pediu para marcar a data. Depois de muito resistir, marquei para o dia 20 de abril, que atendia a todos e a meu desejo de ter um filho ariano. Mas não é que o danadinho nasceu no início da tarde, quando o sol já estava em Touro? Passado esse susto, pensei com os meus botões: "Vou viver tudo outra vez com meu caçulinha". Mas que nada. O Pedro e o Antônio até tem feições semelhantes, apesar de um ser moreno de cabelos cacheados e outro louro de cabelos encaracolados, mas em pouco se parecem em suas vivências. A começar pelas roupas que eu havia  guardado de um para o outro, com tanto carinho. O Pedro nasceu no verão e o Antônio, no outono. Assim, quando as roupas serviam no tamanho não serviam mais no modelo e no tecido. Depois, vieram os brinquedos. O que o Pedro mais gostava não encantava o Antônio. E, por fim, os livros. Os livros de que o Pedro tanto tinha ciúmes, mas que em sua maioria não enchiam os olhos do Antônio. Meu caçula é um leitor (sic) de muita personalidade. Ele escolhe todos os dias as histórias que quer ouvir. Já o Pedro aceita, até hoje, minhas sugestões. E entre essas histórias a única coincidência com o repertório do Pedro foram o lobo mau, os três porquinhos e os sete cabritinhos. No mais, o mais velho adorava livros com informação científica e sobre bichos que nunca consegui ler para o Antônio. Por outro lado, o Pedro morria de medo de quase tudo e o Antônio enfrenta os vilões com o maior interesse. Foi assim com João e Maria, o conto tradicional que chegou a nossos dias pelo esforço dos Irmãos Grimm. A história das crianças abandonadas pelo pai e a madrasta na Floresta Negra hipnotizou o Antônio várias noites. Li a versão da Coleção Clássicos Caramelo, em que a história é recontada por Joan Cameron e ilustrada por Andrew Whestcrof. Mas o que não falta são versões dos contos clássicos. Confesso que sou encantada com Contos de Fadas Clássicos, de Helen Cresswell, que tem belíssimas ilustrações de Carol Lawson. O livro, editado pela Martins Fontes, é uma riqueza, que, no entanto, não cativa tanto os pequeninos, como o Antônio, já que as ilustrações não recontam a história quadro a quadro, como no livro da Caramelo. O que o Antônio queria é ver o João, a Maria, a bruxa, a casinha de doces e perguntar a cada lance da história o porquê disso e daquilo e, principalmente, de os pais os terem abandonado. Fato é que meu menino, ainda tão pequeno, foi até o fim da história que, o Pedro tem razão, é realmente assustadora. Dois meninos pobres abandonados à própria sorte para enfrentar os perigos da floresta e a fome. Mas que ela seja contada assim e não na simplificação grosseira que, sob o manto do politicamente correto, transformou a história de horror em um pequeno comercial de guloseimas que nada tem a contribuir com o universo simbólico de nossas crianças.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O humor e as delícias de um leitor iniciante

O Diário de um Gato Assassino, de Anne Fine, das Edições SM, foi lido de um único fôlego para um Pedro atento que, ao fim da narrativa, lamentou-se por sua brevidade. Realmente o livro é pequeno, com apenas 64 páginas e algumas poucas ilustrações de Sofía Balzola, mas é super bacana. A sacada da autora inglesa foi criar um gato, que segue o esteriótipo do felino dono de um humor sarcástico, para tratar da naturalidade da morte. Para o gato, esses eventos são banais, para seus donos, uma pequena tragédia. E para quem os lê, uma divertida aventura. São livros assim que tenho procurado para oferecer para o Pedro, atualmente um aficionado da série Diário de um Banana, de Jeff Kinney, editado no Brasil pela Vergara & Riba. O banana veio depois dos sete volumes de As Aventuras do Capitão Cueca, de Dav Pilkey, editados pela Cosac Naify. Nada contra o banana, que acho muito engraçado, e o Cueca, que acho uma bobagem sem fim. Muito pelo contrário! Eles fizeram o Pedro ler por conta própria e dividir suas experiências de leitura com os amigos. Ponto para eles! Mas isso não me impede de buscar obras que tenham maior preocupação com o estilo da narrativa. O que não é fácil! Meu olhar está sempre focado em livros com humor, já que ele é uma excelente isca para um menino de 9 anos, que começa a descobrir as malandragens da vida. Mas o humor não é um recurso literário fácil de ser trabalhado. Eu, pelo menos, não rio de qualquer coisa que leio ou vejo. Meu riso é difícil, mas quando encontrado, incontrolável.  Assim, tem sido por toda a minha vida. O Pedro está no meu caminho, que acredito, vale dizer, ser o mais comum. Por isso, tem sido um desafio encontrar bons títulos para ele, como já falei disso brevemente aqui. Ele já passou da fase de ler livros ilustrados e ainda não está maduro o suficiente para ler sozinho obras com muito texto. Isso faz com que me empenhe cada vez mais para não deixá-lo sozinho nesse momento, em que passa a ser um leitor/ouvinte mais exigente. A dificuldade dele encontrar sozinho o que ler, poderia significar uma ruptura em seu processo de formação de leitor. Há quem diga que estou sendo excessivamente tutora e preocupada com isso e que deveria o deixar mais solto e livre para buscar suas escolhas literárias. Mas o que temo é que, nessa idade, o Pedro ainda não tenha vontade suficiente para sozinho alimentar sua fome de leitura e, que sem combustível, ela vá aos poucos se apagando, como uma vela asfixiada. Enquanto eu tiver prazer em fazer essa garimpagem, por que não?

terça-feira, 28 de junho de 2011

A liberdade de curtir um bom vilão

A história do Pato Atolado, de Jez Alborough, editada pela Brinque-Book, chegou aqui em casa pelas mãos da Daniela Fossaluza, a coordenadora do grupo Costurando Histórias, na festa de aniversário de quatro anos do Antônio. A história foi uma das contadas por Daniela na festa e fez o maior sucesso entre as crianças. Eu também adorei. Tanto é que resolvi comprar para o Antônio o livro, que ele logo reconheceu como sendo o mesmo apresentado por Daniela, para nossas sessões  noturnas de leitura. O pato, que atola com seu carro em um lamaçal e pede ajuda para um sapo, um carneiro e um bode, é um personagem cativante, apesar de não ser nada ético. Assim que ele se livra do atoleiro, sai, na careta, deixando quem o ajudou na maior roubada. Safado esse pato! Não resta dúvidas! Mesmo assim, o Antônio se diverte com a encrenca em que o sapo, o carneiro e o bode se metem por causa do pato e acompanha com atenção a narrativa, em tom descritivo, da história tão bem ilustrada pela própria autora. Melhor ainda é ver meu menino, ainda tão pequenino, dominando a arte da provocação. Dia sim, dia não - isso mesmo, há uma semana esse livro tem sido lido diariamente aqui em casa -, ele afirma a maldade do pato. Mas tem dias que prefere brincar com a verdade e, mesmo sabendo de tudo que o pato é capaz, faz uma cara de santo e se nega a concordar comigo sobre a safadeza do pato. Como não, pergunto com ênfase. O Antônio, coloca seu melhor sorriso no rosto, e diz que gosta do pato, esperando divertido por minha nova reação. Tem ele razão de me provocar e, sem saber, defender a liberdade do leitor de curtir um bom vilão. Afinal, não fosse o pato um safado, a história não teria a menor graça.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Um ladrão de ovos e corações

Ilustração do livro publicada no blog da autora
Sempre adorei uma fazenda. Fazendas me fazem lembrar da minha Santa Fé, em Tebas, que começava na Rua Jacy Tavares, uma homenagem ao meu avô, e terminava onde minha curiosidade nunca teve coragem de chegar. Tebas guarda grande parte das minhas lembranças de criança. Uma infância em que eu brincava de casinha, professora, corria e andava de bicicleta com a maior alegria. Lá em Tebas tive os cachorros que sempre desejei no Rio. Primeiro, o Perigo. Um cão vira-latas que caiu de um caminhão e ficou perdido na pequena cidade até encontrar abrigo na Chácara, como todos conheciam nossa casa. "Esse cachorro é um perigo", alertaram os tebanos sem sucesso. Anos depois, desejado e esperado, veio o Travolta. O cãozinho nos foi dado como dálmata e, na verdade, era um mestiço de sei lá o que. O resultado era uma graça e lembrava um setter inglês, com longos pelos brancos manchados com pintas negras, que, passado a decepção com o engodo, nos encantou de imediato. A briga dos três irmãos para passar a primeira noite com o Travolta fez minha mãe ser dura e decretar que ele dormiria no jardim.  Esperei todos dormirem e fui lá resgatar o cãozinho, que se aninhou rapidinho no tapete ao pé da minha cama. Meu castigo não tardou a chegar. O Travolta, com seu intestino recém-nascido, batizou meu quarto, que amanheceu imundo. Estas lembranças me constrangem todas as vezes que nego aos meus filhos um cachorro. Toda criança deveria ter direito a um cachorro. Não há nada mais espontâneo que o amor das crianças pelos cães. Esse amor é o que move a história Ladrão de ovos, de Lúcia Hiratsuka, editado pela SM na coleção Comboio de Corda. Tudo começa quando dois cachorrinhos chegam ao sítio em que moram Laura e Carlinhos. A história alimenta-se das vivências caipiras de Lúcia, que cresceu no interior de São Paulo, e segue o ritmo delicado dos desenhos da autora, que mistura técnicas de aquarela e sumiê em suas ilustrações. O resultado é uma delícia. É quase como ouvir um 'causo' da roça, em que o ladrão rouba não apenas ovos, mas, sobretudo, corações. O dos meus meninos, pela atenção com que acompanharam a história, ele com certeza roubou.

domingo, 12 de junho de 2011

A infância e o bolinho de bacalhau da Cadeg

Um bom programa de sábado de manhã é comer bolinho de bacalhau e sardinha na brasa na Cadeg, em Benfica. Eu adoro! Adoro tudo. Passear pelo mercado, comprar flores, sentar-me à mesa, esperar pelos maravilhosos bolinhos de bacalhau e olhar a festa da colônia portuguesa no Rio ao som de música de concertina, um instrumento semelhante a um acordeão. Uma das melhores coisas é ver os portugueses e seus descendentes dançarem o vira. Ontem, foi dia. Eu e o Cadoca voltamos lá, levando pela primeira vez o Pedro e o Antônio que descobriram mais uma delícia da vida. Foi uma farra portuguesa que, aqui em casa, volta e meia ganha sessões noturnas com a leitura de Quando eu nasci, de Isabel, Minhós Martins, ilustrado por Madalena Matoso. O livro veio do lado de lá do Atlântico, onde foi publicado em 2007 pela Editora Planeta Tangerina, e desembarcou este ano em nossas bandas pelas mãos da brasileira Tordesilhinhas. Quando eu nasci trata das descobertas pelas crianças das coisas, mistérios e prazeres que a vida nos guarda em uma prosa ritimada e vibrantes ilustrações, que ganharam em Portugal o prêmio nacional de ilustração. Mas como o Pedro disse, o texto é melhor do que as ilustrações compostas em cores básicas, lembrando desenhos de criança. O livro caiu como uma luva para o momento vivido pelo Antônio, tão bem trabalhado na escola, em que ele está curtindo seu crescimento. "Quando eu nasci, nunca tinha visto nada. Só um escuro, muito escuro, na barriga da minha mãe", começa a narrativa que tem o mérito de não nos deixar esquecer que a infância é o tempo das descobertas. Tempo curto que, em meu caso pôde ser vivido em dois momentos, o meu e o do meus filhos.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

O que você poria em sua caixa de sapatos?

"O que eu colocaria em uma caixa de sapatos? Pouca coisa, com certeza..." Mentira! Hermes Bernardi Jr. colocou muito em sua caixa de sapatos. Colocou até um rinoceronte dobrado. E para acomodá-lo em espaço tão exíguo, contou com o auxílio  luxuoso do ilustrador Guto Lins em seu livro E Um rinoceronte dobrado, editado pela Projeto. É impossível pensar no poema de Hermes sem a ilustração de Guto e nada melhor do que a miscelânea do poeta gaúcho para valorizar o estilo colagem do ilustrador carioca. Esse casamento perfeito entre texto e ilustração levou o livro a ser finalista da categoria infantil do Prêmio Jabuti, em 2009, e a conquistar a mim e a meus meninos. A leitura do Rinoceronte dobrado é muitíssimo divertida e fecunda. Aqui em casa, eu, o Pedro e o Antônio nos divertimos a valer conhecendo a caixa de sapatos do Hermes e depois escolhendo o que poríamos em nossa própria. Pedro e Antônio, como todas as crianças, começaram seu rol de preciosidades pelos pais e outros familiares e seguiram adiante fazendo o inventário de tudo que lhes apraz. Entraram na lista pessoas, objetos e desejos. No início, meu caçula ficou em dúvida se objetos maiores do que a caixa de sapatos poderiam ser acomodados lá dentro. Mas à medida que eu avançava com a leitura do poema de Hermes e ele o relacionava com as ilustrações de Guto, foi percebendo que  os objetos do afeto, sejam eles materiais ou imateriais, sempre cabem em nossa caixa de sapatos. Por maiores que eles sejam.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O sim de João Cabral de Melo Neto

"Só vive quem se debate". Por traz da força desse verso está um dos maiores poetas da língua portuguesa. A poesia de João Cabral de Melo Neto, mesmo após a morte do poeta há 12 anos, ainda é capaz de surpreender a quem, como eu, a admira. Ilustrações para fotografias de Dandara, obra de onde tirei este verso, foi guardada até agora como relíquia de família e chegou às livrarias este mês, como um presente para quem ama poesia. Editado pela Objetiva, o livro é uma preciosidade. Idealizado por João Cabral para uma neta querida e distante, ele ganhou ainda mais beleza com o projeto gráfico elegante de Mariana Newlands. Os versos de Cabral vêm de longe, do Senegal, de onde o poeta diplomata servia naqueles dias de 1975. Dandara, uma garotinha de dois anos, filha de sua Inez " nascida para dizer não", fez a mãe, segundo o poeta, reencontrar "um sim a que condicionou a vida".  Esse sim perpassa todos os versos que ilustram as fotografias de Dandara. A cada verso do livro a gente reencontra um poeta inspirado, se é que podemos usar este adjetivo com Cabral, dono de uma escrita poética que não faz pouco da vida. Cabral engrandece os sentimentos, as paixões e as possibilidades do ser humano com a beleza de seus versos. Talvez o que mais me encante nele - sem dúvida meu poeta preferido - é que ele nos faz lembrar que "o mundo não é uma folha/ de papel, receptiva:/ o mundo tem alma autônoma,/ é de alma inquieta e explosiva.", como ele mesmo define no poema Auto do Frade. Este novo encontro com o poeta me emocionou. Não esperava isso. Não sabia da existência do livro, não sabia de seu lançamento, quando dei de cara com ele em uma seção infantil de uma bela livraria, na porta de um cinema do Rio. Eu fazia hora, esperando meus filhos, quando comecei a ler os versos de Cabral para Dandara. Fiquei emocionada. Cheguei a chorar. Não sei bem dizer a razão de tanta emoção. Talvez tentar explicá-la aqui seja uma forma de perdê-la. Mas posso dizer que fiquei emocionada por reencontrar Cabral - que foi tão importante na minha formação - na carinha alegre/triste de Dandara. Emocionada por lembrar que Morte e vida severina foi um dos primeiros livros de poesia que minha mãe me deu e que Ilustrações para fotografias de Dandara, editada para um jovem leitor, será o primeiro livro de Cabral na estante dos meus filhos. Pela certeza de que ele tem muito a falar para os jovens de hoje, fecho este texto com mais uns versos do poeta para Dandara. " Tua mão tirando a pipoca/ do pacote que tua mãe te compra/ tem o mesmo gesto de quem/ dele tiraria uma bomba". Que nossos filhos possam viver com este ímpeto transformador presente na poesia de Cabral.

sábado, 7 de maio de 2011

A gente se encontra na Flist!

Maio é o mês da Festa Literária de Santa Teresa (Flist) que nós dá mais uma boa razão para ir ao bucólico bairro, de onde se têm, entre outras atrações, a melhor vista do Rio. A Flist está em sua terceira edição e é promovida pelo Ceat, um tradicional colégio de Santa Teresa. Este ano o homenageado da festa é Bartolomeu Campos de Queirós, o mineiro querido por todos que amam a boa literatura para crianças e jovens. A programação da Flist, nos dias 14 e 15, tem boas opções para todas as idades e transforma o bairro no destino de quem ama a literatura e a música. São dois dias de bate-papos com autores e ilustradores, inclusive Bartolomeu, lançamentos de livros, debate com especialistas em literatura, contações de histórias, shows de música e atrações para criança. Quem quiser saber um pouco mais pode dar uma passeada no blog Gato de Sofá Deita e Rola na Flist. Um programa para repetir todo o mês de maio. A gente se encontra em Santa Teresa.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O tempo e a prosa de Bartolomeu

Bartolomeu Campos de Queirós mais uma vez recorre à memória para compor uma bela história sobre o passar da vida. Desta vez, seu protagonista é o próprio tempo, que traz em si a vida e a morte.  Em Tempo de voo, editado pela Comboio de Corda, das Edições SM, o autor mineiro usa sua prosa poética para criar um belo diálogo entre um homem e uma criança. As inquietações dos dois, como o infinito, unem o início e o fim na mesma perplexidade diante da passagem do tempo. 
As perguntas do menino se sucedem às explicações do homem, que aos poucos revela os mistérios do tempo em uma linguagem que expressa a generosidade do velho diante do novo.  “O que é tolerância?”, pergunta o menino, que ouve do homem que é “gostar das coisas mesmo sabendo que elas não são como eu quero”. E conclui, paciente: “Aprendi com o tempo”. 
A delicadeza do diálogo do homem com o menino traz em si uma preciosidade. A serenidade do homem diante da consciência de que o tempo não pára e que está caminhando para seu fim. “Hoje, ele é curto e demanda cuidados”, diz o narrador, diante da infância de seu interlocutor. Esta serenidade empresta uma grandeza ao personagem, que, desta forma, se aproxima dos anciões das sociedades tradicionais em que valores eram transmitidos no diálogo entre jovens e velhos.
A história do diálogo do homem com o menino ainda tem como mérito o fato de trazer em sua narativa as marcas do tempo na prosa de Bartolomeu. Marcas que se equivalem aos risquinhos no rosto do narrador e dão legitimidade a um discurso quase que filosófico sobre o tempo. A riqueza desta prosa valeu dois importantes prêmios para Tempo de voo: o Glória Pondé, concedido pela Biblioteca Nacional a obras infantis e juvenis, e  Jovem Hors-Concours da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil.
Toda esta riqueza se potencializa no encontro com as ilustrações do espanhol Alfonso Ruano. O ilustrador busca inspiração em seus compatriotas surrealistas, da vanguarda do início do século XX, para compor as ilustrações que, prenhes de significados, traduzem com inspiração as inquietações do homem de Bartolomeu diante do tempo. Belas ilustrações para valorizar uma leitura que vale a pena ser feita por jovens ou não tão jovens que queiram abrir um diálogo interior com suas memórias ou com as possibilidades de seu porvir.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A tradição na literatura de Ana Maria Machado

Há muito tempo estou para falar aqui das narrativas da tradição oral que ganharam registros de diversos autores. Contos de fadas, fábulas, aventuras fantásticas do tempo que os animais falavam, histórias de nossa floresta, enfim, as narrativas que passam de geração em geração e ganham um ponto a cada nova versão e encantam a todos nós, adultos ou crianças. Muitas vezes essas narrativas são vistas como literatura menor e desprezadas na hora de se escolher um livro. Mas, vamos combinar, não há coisa melhor do que ouvir uma bela história de macaco ou de onça; de leão e ratinho; de jacaré; e de bruxas, princesas e seres fantásticos. Por isso, toda vez que posso compro um novo exemplar de histórias tradicionais. Mais legal ainda é que estas histórias ganham roupa nova dependendo do autor que as conte. Ana Maria Machado nos presenteou com várias delas na coleção Histórias à Brasileira, editada pela Companhia das Letrinhas e delicadamente ilustradas por Odilon Moraes. Ela nos apresenta um cardápio variado de histórias nos quatro volumes da coleção que vão desde as do folclore caboclo até as de tradição européia. Eu e o Pedro não nos cansamos de ler e o Antônio começa a ser iniciado. O primeiro volume então, o preferido do meu filho mais velho, nos fez companhia em várias noites em que lemos com prazer as histórias O veado e a onça e Bicho folhagem. Eu adoro outras, como Dona Baratinha, A Festa no Céu e o Boneco de Piche, algumas das histórias que entraram na minha vida pelos disquinhos coloridos de Braguinha. Nada melhor do que os sapinhos da Festa no Céu cantando "Quatro com quatro, quatro, com mais quatro, quatro" e o mestre sapo corrigindo: "Tá errado!". A prosa de Ana Maria e o respeito que ela tem por estas histórias, na maioria recolhidas por Câmara Cascudo de nossa tradição oral, já valem os livros que, por todas estas qualidades, ganharam o selo de Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. "Que as crianças de hoje descubram o fascínio de voltar muitas e muitas vezes a estas histórias incomparáveis, fruto da sabedoria popular acumulada em geração de narradores anônimos que coletivamente foram criando esse fastástico patrimônio que nos coube de herança e não tem preço", diz a premiada autora, dona da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras devido à sua dedicação à literatura infantil e juvenil. Que nos venham outras.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Para vencer os medos e angústias do mundo real

A noite de ontem foi longa aqui em casa. Depois que o Antônio dormiu, vencido pelo sono e aninhado em seu travesseiro, o Pedro me pediu para ler Ozzy, o quadrinho maravilhoso do Angeli, publicado na Folhinha, da Folha de São, que ganhou quatro títulos da Companhia das Letrinhas. O Ozzy foi uma escolha do próprio Pedro que o catou na biblioteca da escola e o trouxe feliz da vida para casa. Realmente é um personagem cativante, que retrata com humor os meninos de sua idade, e que fez o meu exclamar maravilhado que eles eram igualzinhos. O humor de Angeli, no entanto, não foi capaz de fazer o Pedro relaxar para dormir. Assim que apaguei a luz, ele falou que estava com medo do que poderia sonhar. Me contou que sonha muito com tubarões o atacando, que não consegue se defender dos perigos de seus terríveis sonhos e que não tem medo quando está acordado. Eu falei de meus sonhos de criança, em que ondas enormes me ameaçavam, explicando que estes perigos muitas vezes representam nossos medos e impotências. "Quando entendi isso, nunca mais sonhei com as ondas", expliquei. Mas não bastou. O medo dele era muito mais concreto. Na verdade, estava angustiado com a descoberta de que há muita maldade no mundo. A primeira delas foi um vídeo em inglês achado na internet sobre a notícia da prisão de um pedófilo que se travestia de Justin Bieber para atrair suas vítimas. "Mãe me leva ao médico para ele tirar isso da minha cabeça", pediu angustiado, sem entender direito a notícia. A outra foi a crueldade do massacre na Escola Municipal Tasso de Oliveira, em Realengo, que chocou a todos nós. Ele soube da tragédia sem muitos detalhes, por um colega da escola, que assistia a um programa de esportes quando foi surpreendido por notícias da barbárie. "O que você soube disso, Pedro?", perguntei para um menino, que estava até nauseado de tanto medo e angústia. "Quase nada, mãe. Não me lembro nem mais do nome dele", falou. Mas, em sua angústia, deixou transparecer que sabia muito mais do que poderia suportar. Sabia que Wellington havia estudado na escola que invadira armado, que matara vários alunos e que se suicidara. "Como alguém pode entrar armado em uma escola?", indagou. Eu, diante de tantas perguntas e angústia, me perguntei como falar de tanta dor, maldade e loucura para uma criança de apenas nove anos. Me perguntei ainda como podia proteger meus filhos de tanta informação, que vem de tantos lados, sem qualquer filtro ou limite ético para salvaguardar nossas crianças. Não podia subestimar a inteligência dele e negar o que era óbvio, mas também não queria aumentar ainda mais sua perplexidade diante da descoberta de que a vida pode ser cruel. Só podia dar colo para meu filho, que chorava toda a sua tristeza e me falava sem parar de seus medos. A medida que ele foi se acalmando, pediu que eu não o deixasse aquela noite e que lesse para ele mais uma história. "Mãe, sabe por que eu gosto que você leia histórias para mim? Primeiro porque tenho preguiça de ler, segundo porque ouvindo histórias imagino um mundo só meu. Um mundo que ninguém pode mudar". E foi ouvindo mais uma história que o Pedro driblou seus medos e recobrou as rédeas de sua vida, podendo dormir tranquilo para mais um dia. Que os livros possam sempre lhe dar alento!

domingo, 3 de abril de 2011

Vivas para Maria Clara Machado!

Acabo de ver um anúncio no jornal em homenagem à dramaturga Maria Clara Machado, que, se viva, estaria completando hoje 90 anos. A notícia me trouxe boas lembranças. Lembranças de minha infância, tempo em que muitas vezes fui ao Tablado para assistir a algumas das 27 peças que ela escreveu para crianças. A que mais me marcou, acredito que a todos que a viram, foi Pluft, o fantasminha. Lindo fantasminha que tinha medo de gente e acaba envolvido em uma perigosa aventura com a menina Maribel, que tinha os cabelos cor de mel, e três covardes marinheiros que tentam livrá-la da perseguição do malvado Pirata Perna de Pau, interessado no tesouro do avô da criança, o Capitão Bonança. Tudo na peça é ternura. "Mamãe, a menina está botando o mar todo pelos olhos", diz um espantado Pluft ao ver Maribel chorar. Imagens como essa fizeram com que os personagens de Maria Clara Machado ficassem no imaginário de gerações e gerações de brasileiros. Quem não pôde ver Pluft no  palco do Tablado, teatro amador que ela criou em 1951, pode vê-lo na TV, em 1975, com a interpretação de Dirce Migliaccio e Norma Blum. Eu o vi no palco do Tablado e na TV e, na adolescência, interpretei-o em uma montagem amadora que eu e meus amigos fizemos no Grupo Escolar de Tebas, em Leopoldina (MG). A direção da peça foi da minha mãe e nós nos divertimos muito com o teatro, que lotou o pátio da escola de um pequeno vilarejo mineiro. A experiência me encantou tanto, que decidi naquele dia estudar teatro. Este desejo me fez assistir a muitas boas montagens de textos maravilhosos, que levavam filas à porta dos teatros do Rio, nos anos 80. Ao chegar na época do vestibular, meu desejo mudou de foco e decidi concorrer a vagas de História e Jornalismo. O tempo passou, eu abandonei a História e o Jornalismo, mudei-me para Sociologia e voltei ao Jornalismo, carreira que exerço hoje. Mas Maria Clara Machado não saiu da minha vida. Tenho até hoje o texto da peça e uma adaptação para literatura, editada nos anos 80 pelo finado Círculo do Livro. Quem for procurar hoje nas livrarias vai achar uma adaptação recente de Pluft, editada pela Nova Fronteira e ilustrada por Graça Lima. Agora, já quarentona, acompanho com atenção os letreiros do Teatro O Tablado, no Jardim Botânico, para ver as trocas de peça e levar meus filhos para ver mais uma da autora que fez o teatro infantil ter a cara do Brasil. Esta conquista, no entanto, parece ter ido para o ralo diante de uma infinidade de peças infantis que transpõem da TV para o palco personagens rasos de imaginação e sem identidade com nossas crianças. Mas não. Todas as vezes que sentamos naquela platéia, vejo que Maria Clara Machado ainda fala para a imaginação dos pequenos, mesmo que eles sejam muito diferentes do que fui. As montagens do Tablado podem ser mais pobres do que as sofisticadas peças dos teatros de shoppings, mas são imperdíveis. Por isso, levo meus filhos em todas as peças lá encenadas e continuo esperando uma nova montagem de Pluft, meu personagem preferido entre tantos desta autora brasileira, que foi traduzida para vários idiomas e montadas diversas vezes fora do Brasil. Com justiça, Maria Clara Machado recebeu mais de uma vez os prêmios Molière, Mambembe e Coca-Cola, entre muitos outros. Que se prepare uma grande homanagem a ela em seus 100 anos, que já estão por chegar.