segunda-feira, 30 de novembro de 2015
Sobre meninos e meninas
Encontrei Meninas inventadas, de Ana Letícia Leal, na prateleira de uma livraria e ele me chamou a atenção por ser escrito pela irmã que não conheço de um velho amigo de faculdade. Era um livro que não me servia. Pequenino, em formato de bolso, com uma capa convidativa para adolescentes que passam horas de pernas pro ar, pensando na vida, escrevendo segredos e desenhando pequenos corações e flores em seus cadernos de escola. Um livro que não tinha nada a ver com meus dois meninos e tão pouco comigo, que estou longe da adolescência e prestes a fazer 50 anos. Mesmo assim o peguei, curiosa em ver o que Ana Letícia escrevera. Queria na verdade saber se sua narrativa era mais uma daquelas que tratam as adolescentes como meninas super-poderosas em eterno conflito com os pais ou com adversárias de escola. Logo na contra-capa tive uma surpresa, Ana Letícia era apresentada por Lygia Bojunga, uma escritora que fala com verdade do ser adolescente e que, por isso, tem encantado muitas gerações de leitores. Ao abrir o livro vi que ele era a reunião de alguns contos sobre questões que angustiam as adolescentes, como auto-estima, amizade, namoros, conflitos familiares, a descoberta do sexo e as escolhas para o futuro. Apesar de não ter para quem lê-lo, resolvi comprar para mim mesma. Eu que não tenho uma filha, apesar de, desde sempre, ter pensado em ser mãe de menina. Todas os nomes de criança que me encantavam eram femininos: Bárbara, Diana, Branca, Dora foram alguns de que gostei ao longo da vida. Eles serviam tanto para forjar uma nova identidade para mim mesma ou para sonhar com uma filha. Eu brincava de renomear a mim mesma e, assim, experimentar novas possibilidades do feminino, que, afinal, era pouco em minha vida e garantido apenas por minha mãe, uma avó, uma tia e duas primas. No mais estava cercada de homens, meu pai, dois irmãos, avô, dois tios e um primo. Homens sempre no comando, homens que ocupavam os melhores lugares da casa e da vida. No meio social da minha família era tradição as mulheres não trabalharem, se dedicarem aos filhos e ao lar. Eu estava sendo criada para transgredir a essa regra, como se fosse uma pioneira. Mas não era. Muita gente já havia trilhado esse caminho antes de mim, mas, em minha ignorância, acreditava estar sozinha e, por isso, olhava para o mundo dos homens. Talvez isso explique minha predileção pelos bonecos. Achava uma perda de tempo brincar de Susi, a irmã brasileira da então quase inacessível americana Barbie. Gostava mesmo de embalar bebês, trocar roupinha, dar mamadeira e os colocar para dormir. Para isso, precisava de bonecos grandes, como Marco Antônio, que foi o mais querido de todos. Presente de uma tia-avó que o trouxe da França, era um lindo bonequinho loiro de cabelos cacheados e olhos azuis que chegou, aqui, com um pintinho, naquela altura impensável nos bonecos brasileiros, o que garantiu o seu sucesso na minha escola. Eu andava com ele para lá e para cá e o apresentava como filho, até que, um dia, animada falei para toda a turma que era meu filho com um amiguinho por quem era encantada. A professora, com o moralismo comum nos anos 70, me passou um sabão daqueles, me proibindo de falar o que, segundo ela, eu não sabia o que significava. Claro que, naquela altura, não pensava em como se faziam os bebês. Estava interessada apenas em sonhar com uma vida de adulta ao lado do meu amor platônico de primário. Naquele dia, sem saber, me tornava mãe sozinha, mas, mesmo sem pai, ele continuou comigo até o meio da minha adolescência, quando o Travolta, um cachorro maneiro, como o Toni do filme, chegou em minha casa disposto a roer o que visse pela frente e se deliciou com as mãos e os pés do Marco Antônio. Triste em ver meu boneco todo mastigado pelo cachorro, acabei me desapegando dele e o esquecendo. Cresci, o Travolta parou de roer sapatos e de comer bolas de Natal, e a vida seguiu sem bonecos e com outros interesses, até que, um dia, me vi diante da maternidade, agora de verdade. Eu estava grávida aos 35 anos, desejando não mais uma menina, mas um menino. E era ele, o Pedro, com o nome escolhido pelo pai, já que eu não conseguia pensar em nenhum que fizesse sentido para o bebê que chegava. Novamente estava diante do masculino, que se ampliou ainda mais na minha vida cinco anos depois com o nascimento do Antônio. Há pouco mais de 13 anos, vivo em um universo formado por bolas, super-heróis, zumbis e jogos eletrônicos e sonorizado por comentaristas de futebol, rock and roll e bobeiras incontáveis que circulam pela web ou que os próprios inventam. Confesso que as vezes me dá saudades dos papos de menina, das brincadeiras de boneca, de casinha, de escolinha, de trocar segredos, enfim, de povoar um mundo de sonhos e sutilezas que só as meninas acalentam. Mas, por outro lado, quando vejo as meninas de hoje não me reconheço nelas. Elas foram jogadas em um mundo de consumo sem fim, que encurta a infância e lhes nega o direito de brincar, se embolar com meninos e meninas sem preocupação com a roupa, os cabelos, enfim, a imagem. Nunca precisei ser princesa para ser menina e sonhar, em um dia, ser mulher. Meus caminhos foram outros. Me maquiei escondida como toda criança, vesti as roupas e calcei os sapatos de minha mãe, experimentei absorventes muitos anos antes da menarca e beijei muito espelho antes do primeiro namorado. Mas nada me caía tão bem a ponto de acreditar que estava pronta para aquela vida. Tudo sobrava, ficava largo, grande, como um aviso de que eu ainda era uma criança. A Branca de Neve, a Bela Adormecida e a Cinderela não me eram caras por serem princesas. Eu gostava delas por serem heroínas que superaram traições, rejeições e o abandono para, enfim, abraçar um final feliz e, se me lembro bem, não eram apenas as meninas que se emocionavam com seus destinos. Os meninos também adoravam aquelas histórias de órfãs, madrastas, bruxas, fadas, anões e encantamento que faziam das princesas heroínas unissex. Hoje, o sexismo conveniente ao comércio de produtos derivados dessas histórias fazem com que meninos rejeitem histórias maravilhosas para todas as crianças, como O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry, explorado hoje pela indústria cultural como mais um mimo do universo das meninas. Essa avalanche de consumo que cai sobre as meninas me assusta e me faz louvar mães e pais que nadam contra a corrente para oferecer às filhas mais da vida. Sei que os meninos não ficam imunes aos apelos do consumo, representando no universo masculino pelos uniformes de futebol e os jogos eletrônicos, mas, em sua maioria, eles conseguem vivenciar a infância menos ansiosos do futuro do que as meninas e isso me alegra em ser mãe de meninos ao mesmo tempo em que me angustio com muitas meninas aceitando para si, sem questionamentos, esse papel de princesa fútil e linda que a industria cultural quer lhes reservar. Cabe a nós mulheres feitas mostrar para elas que o feminino é muito mais rico que um reino encantado. Neste caminho é preciso deixar que elas vejam que existir é experimentar tudo: a vitória e o fracasso, a segurança e a insegurança. a aceitação e a rejeição, a adaptação e a inadaptação, enfim, o conforto e o desconforto. A vida não é nem de perto uma história de princesa. A adolescência, então, nem se fala. É um tempo de inquietações e são sobre elas que as meninas inventadas de Ana Letícia falam sem medo e sem pudores em seus diários, enfrentando com verdade temas
delicados. As meninas de Ana Letícia são inventadas, mas
poderiam ser encontradas em qualquer parte. É só olhar com um pouco mais de
atenção para nossas adolescentes que veremos que, por traz de tanta arrogância,
há na verdade muitas dúvidas e medo de estar sozinha em seu mal-estar. Expor sentimentos tão comuns na
adolescência, ajudando a menina a reconhecer seu lugar no mundo, é a grande qualidade do livro, editado pela Escrita Fina e ilustrado por Cecília Murgel com os mimos adorados pelas meninas. Uma leitura que valeu ter sido feita, mesmo que eu, neste momento da vida, esteja tão longe da adolescência e das meninas.
terça-feira, 10 de novembro de 2015
Antônio e o poder das narrativas

domingo, 1 de novembro de 2015
Dez livros para crianças com mais de 10 anos
Vou postar aqui a terceira parte da lista de livros que recomendei, no site Catraquinha. Agora é para crianças de mais de 10 anos. Como disse lá, a indicação etária é apenas uma sugestão. É preciso avaliar individualmente a maturidade de cada criança para determinadas leituras. A leitura sozinha, por exemplo, requer mais maturidade do que aquela feita com a mediação de um adulto. Portanto, antes de comprar um livro, o folheie na livraria para ver se ele está adequado a criança a que se destina. Todos esses livros estão aqui comentados. Quem quiser saber um pouco mais deles, procure-os no blog. No mais, divirtam-se lendo para as crianças.
da Casa de Lygia Bojunga, conta a história de Raquel, uma menina em conflito consigo própria por reprimir três grandes desejos - o de ter nascido menino, de ser escritora e de ser gente grande. Os desejos de Raquel são guardados em uma bolsa amarela, um universo fantástico que envolve o leitor no processo de amadurecimento da menina.
"A invenção de Hugo Cabret", Brian Selznick, da SM Editora, é um livro que tem o cinema como protagonista e por isso traz dele alguns elementos de sua narrativa. Selznick alterna longos trechos de texto com storyboards, sequências de desenhos usados na pré-produção de filmes, para contar a história de Hugo Cabret, um menino que vive escondido dentro do relógio de uma estação de trem na Paris dos anos 30.
"As mil e uma noites" é um belo livro sobre o poder das narrativas. A primeira história é a de Sherazade, que cria um estratagema para livrar a si e a seu povo do Rei Shariar, que depois de traído resolve dormir cada dia com uma virgem e entregá-la à morte ao amanhecer. Sherazade apela para o fascínio dos contos para, noite após noite, poupar uma moça de seu povo. Duas boas opões são as edições da Revan, com tradução de Ferreira Gullar, e da Cosac Naify, de Arnica Esterl, ilustrada por Oga Dugina.
"A moça tecelã", de Marina Colasanti, da Global Editora, é um belo conto em que a premiada autora cria um universo fantástico para falar do feminino e do poder das mulheres na tecedura da vida. A narrativa de Marina é delicada e intensa, criando em uma história autoral o clima dos contos tradicionais. Um livro que emociona e encanta crianças e adultos. Um livro para compartilhar.
"Meninas inventadas", de Ana Letícia Leal, da editora Escrita Fina., é um diário de várias adolescentes que falam das angústias comuns nesta idade. A narrativa da autora tem humor e delicadeza, ao mesmo tempo que enfrenta sem medo questões como amizade, conflitos familiares, as escolhas para o futuro, os namoros e a descoberta do sexo.
"O gênio do crime", João Carlos Marinho, da Global, é um clássico que já está em sua 60ª edição e continua agrando a meninos apaixonados por futebol e por suspense. O livro conta as aventuras da Turma do Gordo que é chamada pelo editor de um álbum de figurinhas de futebol a descobrir uma quadrilha de falsários que estava colocando em risco sua empresa.
"O fantástico senhor raposo", Roald Dahl, da Martins Fontes, narra o embate do senhor Raposo com Boque, Bunco e Bino - três fazendeiros "incrivelmente maus e mesquinhos"- que resolvem mata-lo por ele roubar bichos de suas fazendas para comer. O conflito acaba por envolver outros animais que vivem embaixo da terra e é rico em situações e soluções para a vida deles.
"O Pequeno Nicolau", Goscinny, é um personagem de Goscinny, o criador de Asterix, que ganha corpo nas ilustrações de Sempé. Menino dos anos 60, Nicolau vive hilárias aventuras com seus amigos e pais, narradas de uma forma atropelada que faz lembrar a maneira das crianças de contarem um caso. Os livros são editados pela Martins Fontes e pela Rocco Jovens Leitores,
"Psiquê", Angela Lago, Cosac Naify,é o reconto do mito de Psiquê, a bela princesa que desperta a ira da deusa Afrodite e, depois de enfrentar os abismos da alma e a morte, acaba conquistando o coração de Eros. As ilustrações de Angela criam uma atmosfera de sonho e fantasia, como pano de fundo para o enlace da alma com o amor, que faz do livro uma preciosidade.
"Sete ossos e uma maldição", de Rosa Amanda Strausz, da Rocco Jovens Leitores, é um livro com 11 contos de terror que é uma boa pedida para a iniciação de jovens leitores no gênero. Com uma narrativa elegante, que não apela para o bizarro, Rosa cria histórias tensas, com tramas surpreendentes, que prendem a atenção do leitor até a última linha.
Confira as sugestões para crianças maiores de 10 anos










Dez livros para divertir crianças de 6 a 9 anos
Vou postar aqui a segunda parte da lista de livros que recomendei, no site Catraquinha. Agora é para crianças de 6 a 9 anos. Como disse lá, a indicação etária é apenas uma sugestão. É preciso avaliar individualmente a maturidade de cada criança para determinadas leituras. A leitura sozinha, por exemplo, requer mais maturidade do que aquela feita com a mediação de um adulto. Portanto, antes de comprar um livro, o folheie na livraria para ver se ele está adequado a criança a que se destina. Todos esses livros estão aqui comentados. Quem quiser saber um pouco mais deles, procure-os no blog. No mais, divirtam-se lendo para as crianças.










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