- Mãe, os brasileiros que vem morar em Portugal têm que aprender português - Antônio perguntou, interrompendo minha negociação com o dono dos queijos.
- Não, Antônio, falamos a mesma língua que eles. A diferença que você está percebendo é apenas o sotaque, algumas palavras e expressões. Mas isso não impede de nos entendermos - expliquei, rindo de sua lógica de menino.
- Vocês falam português, como nós - emendou o simpático senhor que nos atendia -, afinal, fomos os primeiros a chegar ao Brasil.
- Não foram, não - eu disse, sem nenhum traço de raiva na voz -, os índios é que foram os primeiros.
- Mas fomos nós quem descobrimos o Brasil - replicou o português, meio desconcertado com a minha negativa.
- Não foram, não - repeti -, vocês não descobriram o Brasil, vocês o colonizaram - eu disse, com tamanha convicção que o homem preferiu calar-se.
O Antônio que, sem querer, causara o constrangimento, aproximou-se do pai e do irmão para contar o diálogo e, rindo, me acusar de querer arrumar confusão com o simpático português. O que ele não contava era com a reação do Pedro, que ficou do meu lado com entusiasmo.
- Minha mãe tá certa. Eles são colonizadores, não são descobridores de nada - disse, em tom inflamado.
A indignação do Pedro o guiou por Portugal e o Sul da Espanha e nos fez pensar sobre nossas relações com os colonizadores e nossos laços com a Europa, a matriz do Ocidente cristão do qual fazemos parte, mesmo que com pé dentro e outro fora. Questões que estiveram presentes em quase todos os lugares que visitamos, desde as igrejas banhadas a ouro e prata latino-americanos, até os sítios arqueológicos que mostram que a história de nossos colorizadores foi marcada por uma longa e sangrenta luta pelo território. Questões que eclodiram nos comentários que o Pedro e o Antônio deixaram no livro de visitas do Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. O primeiro denunciou o sofrimento dos povos nativos, no Brasil português, e, o segundo, a superioridade de Pelé sobre Euzébio. Mas há quem, como Lúcia Fidalgo e a ilustradora Andréa Resende, faça isso de forma poética, nos reaproximando daquele povo que arriscou-se no mar em busca de novos territórios. "Pedro, menino navegador", que infelizmente saiu de catálogo com o fechamento da Manati Editora, é um belo exemplo de como apresentar para crianças uma questão tão complexa. Não nos deixa esquecer a aventura épica que foi as navegações e, ao mesmo tempo, a violência da colonização. Vale a pena procurá-lo em sebos. Deixo, aqui, um pouco de Fernando Pessoa, como homenagem aos portugueses que lá nos acolheram com carinho, 500 anos depois de darem com os costados em nossas terras.
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.