Acordei tarde, embalada pelo
friozinho que chegou na cidade ontem à noite, e fui cuidar dos meus temperinhos
na janela. Do outro lado, distante, estava o menino que grita pela janela.
Assim que me viu, gritou: "oi!". Eu olhei em sua direção, surpresa
(foi a primeira vez que ele se dirigiu a mim de início). Eu, constrangida com a
deferência que me soou como homenagem, gritei de volta: "Oi!" Ele respondeu,
"tá frio". Eu de cá, lembrei que hoje é sábado e que muita gente
ainda devia estar dormindo, e gritei acanhada: "tá frio". Acenei. O
menino acenou de volta. Uma mulher ainda jovem, que parecia ser sua mãe,
apareceu na janela, como a me dizer que olha pelo filho. Acenou para mim. Eu
retribuí o aceno. O menino, gritou de novo -"tá frio", em uma nova
tentativa de puxar assunto. Eu de cá, ainda envergonhada, sem conseguir me
despir da minha madureza, sepultei a conversa, com um lacônico
"sim". Ele não desistiu, e continuou na janela a me olhar, talvez
estranhando a mulher que costuma lhe retribuir os gritos guturais. Talvez tenha
pensado que eu ainda não sei falar, que só sei gritar e repetir o que ouço,
como os bebês. Será que ele tem um irmãozinho que faz isso, o imita em tudo?
Não sei, mas sua mirada insistente me fez perceber que não sou assim tão livre,
que não sei mais gritar pela janela como antes. Me vi incomodada. Olhei pro
lado e vi as janelas dos vizinhos próximas, pensei "hoje é sábado", "ainda
é cedo", "tem muita gente dormindo" e me calei. Me calei porque
hoje é sábado, pensei, se fosse um dia de semana eu gritaria, conversaria à
distância com o menino da janela. Acenei de novo. O menino mais uma vez
retribuiu. De cá, pensei em quantas vezes podia acenar de novo,
silenciosamente, protegida pelos meus pés de manjericão e alecrim, sem parecer
estranha para o menino. Evitando a resposta, deixei a janela, mas não sem antes
acenar mais uma vez para o menino.