segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Uma ponte capaz de transpor grandes distâncias

Eu adorava as tirinhas do Henfil quando era adolescente. Se vivo, ele teria hoje quase a idade da minha mãe, dando-nos uma distância de pouco mais de 20 anos. Um distância que seu humor transpõe sem dificuldades. Um humor inteligente, ancorado em um traço expressivo que cria formas e emoções variadas, em desenhos que são pouco mais que rabiscos. A força dessa criatividade fez de Henfil um sucesso, nos anos 70 e 80, e um símbolo da resistência democrática em nosso país, imortalizado na canção de João Bosco e Aldir Blanc. Lembro bem do dia em que comprei a minha camiseta das Diretas Já!. Escolhi uma branca, estampada com a Graúna, de Henfil, pedindo eleições diretas. Eu tinha apenas 18 anos e estava cheia de planos para o Brasil. Foi a minha primeira derrota e a camiseta foi parar no armário, onde está até hoje. Talvez tenha sido a última derrota de Henfil, que se foi, em 1988, antes de elegermos o primeiro presidente da República. Ele se foi, mas sua obra ficou, como ficam as que valem a pena. Seu humor ainda é capaz de transpor a distância que separa a época de sua morte das crianças de hoje, como o Pedro e o Antônio, que, até há dias atrás, nem sonhavam com sua existência. Essa é a beleza da arte. Comunicar-se com muitos, por muito tempo e de diversas formas. A ponte que uniu os dois meninos do século XXI ao artista do século XX foi construída com a leitura de quatro dos nove livros do cartunista, escritos para o filho Ivan e editados recentemente. Senti que a leitura era um sucesso já na primeira oração do texto. "Um sapo na beira do mar?!" perguntou o Antônio, com um misto de surpresa e deboche. Mas foi só avançarmos um pouco na leitura, que ele abriu-se ao nonsense da história de um sapo ameaçado por um tubarão e salvo por um canguru. O sucesso, eu já sabia, estava garantido pela presença de um tubarão, o animal mais temido pelo Antônio. Mas nunca imaginei que ele passaria preciosos minutos admirando os desenhos de Hefil. Pois foi assim. Depois de ouvir e rir com o Sapo Ivan e Olavo foi a vez de Sapo Ivan e Ananias, O Sapo que queria beber leite e  Sapo Ivan e o Bolo, todos editados pela Nova Fronteira. Ao fim, sentou-se para examinar os livros e elegeu O sapo que queria beber leite, como a sua história favorita. Também, pudera, ela é a mais nonsense de todas. Nonsense como a imaginação das crianças. O Sapo Ivan pensa como uma criança e não alguém criado para falar para ela. Essa verdade do personagem convence. Convenceu o Antônio e depois o Pedro, que, no dia seguinte, em uma segunda leitura, se juntou ao irmão para rir das maluquices do Sapo Ivan e sua turma. Pedro, já com 11 anos, quis saber mais do Henfil. Eu lhe contei que conheci sua obra por intermédio de minha mãe e meu pai, que eram seus fãs, e da importância que ele tem na história do cartum brasileiro. Interessado, prometi mostrar-lhe um pouco das tirinhas da turma do Bode Orelana e dos Fradins. Falei que eram tirinhas publicadas para adultos, mas que podem falar para crianças, como o Sapo Ivan foi criado para uma criança e também encanta os adultos. O melhor de tudo foi perceber, depois destas duas noites de leitura, que o Sapo Ivan foi mais do que uma história para mim e para os meus filhos. Foi a possibilidade de eu fazer, em um breve instante, uma ponte para transpor a distância que separa o meu tempo do tempo deles. Um poder que só a literatura e o afeto têm.

3 comentários:

Grace disse...

Luciana,
Fiz parte da geração do Henfil: 20 anos em 1968. Graúna, bode Orelana, Baixinho e Comprido, Zeferino eram nossas companhias nas passeatas (outras, mais perigosas e de cara descoberta). Mais tarde, meus filhos frequentaram a creche Acalanto, cuja dona era a mulher do Henfil (mãe do Ivan). A carteirinha deles tinha um desenho do Henfil: duas notas musicais sustentando uma rede com um bebê. Então, você pode imaginar minha emoção ao ler as histórias do sapo Ivan, do canguru Ananias, do tubarão Olavo para os netos. Miguel, cinco anos, não dorme enquanto não leio pela centésima vez os livros, principalmente o do sapo que queria beber leite. bjs Grace

Ana Paula disse...

Que grata surpresa saber desse livro que foi ponte e também me surpreender com o comentário da tua leitora Grace!
um beijo

Trícia Ferreira. disse...

Olá!

Estou organizando um evento chamado "I BookCrossing Blogueiro KIDS", que irá ocorrer agora em novembro, e consiste em "libertar" um livro para uma criança.

Aqui neste link - http://espelhodesi.blogspot.com.br/2013/10/bookcrossing-blogueiro-versao-kids.html - tem toda a explicação do projeto.

Que tal participar?

Abs,
Trícia.