segunda-feira, 6 de março de 2017

Teresa Cárdenas escreve por todas nós

Enfim, acabou o tempo da folia, que, no Rio, começa no réveillon só termina na primeira segunda-feira depois do Carnaval. Um dia por mim ansiado, como um tempo de reorganização das rotinas, minha e dos meninos, e de retomada de meus projetos. Fim de folia, fim de férias escolares e, melhor ainda, a promessa de que o clima boçal do verão vai terminar. Ainda não terminou, é fato, mas faço fé de que o calor que nos chapa vá embora logo. Não aguento mais ter que me refugiar o dia todo em locais refrigerados ou tomar vários banhos para me refrescar. Este calor nos impete, até mesmo, de aproveitar o verão. O sol por aqui brilha tanto que ofusca tudo em volta e me faz perguntar se envelheci ou se o Rio está cada dia mais quente. A resposta ainda não tenho, mas desconfio que seja uma conjunção de muitos fatores, alguns deles ocultos, mas, agora, ela não mais importa. O que quero é receber, de braços abertos e olhos colados no céu, o outono. Aquela estação que colore o Rio de um azul celeste lindo e inspirador e nos permite trocar a praia pelos nossos parques, que são um deleite para olhares distraídos sobre a cidade. Mas o outono é, sobretudo, um tempo ansiado, para a retomada da vida. E cá estou, no meu cantinho, ainda com o ar refrigerado ligado, voltando a esse blog que me acompanha há tanto tempo, depois de uma ausência prolongada e provocada pela bagunça que a folia faz em minha vida. Para retomá-la vou ao dia do meu aniversário, pouco antes do início do verão, em que conheci a escritora cubana Teresa Cárdenas. Uma mulher bonita, de presença marcante e escrita vigorosa. Vigorosa como devem ser pés de bailarina, que ela um dia foi. Teresa se nos apresentou no salão do castelo do CEAT, em Santa Teresa, trazendo as experiências de sua Cuba natal. Veio com dois livros - Cartas para a minha mãe e Cachorro Velho, ambos editados pela Pallas - e alguns poemas na bagagem. A mim coube um deles, lindo, que fala da bravura do povo cubano diante das carências, até mesmo a fome, nos dias de ruína do império soviético, que socorria a economia do país do isolamento causado pelo embargo americano. Os livros eu trouxe para casa, com o autógrafo de Teresa me lembrando que na vida o que vale é nosso esforço. Naquele mesmo dia, li em um fôlego Cartas para a minha mãe e fiquei impressionada com o texto corajoso da cubana que nos coloca diante de uma menina sofrida que escreve para a mãe morta para falar de seus medos, angústias e dificuldades. A menina escreve para se ligar à mãe, e à medida que cresce, vai se desligando até conseguir lidar sozinha com suas questões, que são muitas. Ela mora com uma tia, o marido dela, e as primas e experimenta a rejeição da avó, atravessada pelo racismo e pelo desgosto pela opção da filha já morta. Seu dia a dia é marcado pela violência e o abandono, mas, sobretudo, pela imensa vontade da menina de seguir adiante. É desse porvir que a menina se alimenta e se liga a nós leitores. Uma menina que poderia viver em qualquer lugar do planeta, já que suas questões são universais. O abuso e o abandono por ela sofridos são os menos que submetem crianças em vários cantos do mundo e em qualquer classe social. Com esta escrita universal, o livro de estreia de Teresa, que ganhou mais importante prêmio literário de Cuba, o Casa das Américas, pode ser lido aqui ou lá com a mesma emoção. Uma emoção que, tenho certeza, pode ajudar muitos adolescentes e, até adultos, a lidar com suas feridas, assim como fez a protagonista de Teresa ao decidir escrever para a mãe. A menina das cartas, vou além, pode ser qualquer um de nós. Só nos resta ter coragem para violar essa correspondência.

PS: A vida é mesmo feita de coincidências. O Antônio chegou em casa na hora em que eu estava postando esse texto e viu o livro sobre a minha mesa. "Mãe, você tem esse livro? A minha professora começou a ler essa história hoje pra gente", me disse. Logo, em seguida, com uma carinha terna confessou. "A história é triste. Fiquei triste de ver ela sendo zoada na escola." É, isso, Teresa consegue tocar crianças e adultos com a sua narrativa. Feliz do leitor que enfrenta as emoções que o livro lhe provoca.

5 comentários:

Ana Maria Santeiro disse...

Estava com saudades dos posts. Como sempre, excelente!
bem-vinda!

Terezinha Costa disse...

Nossa! Fiquei louca para ler. Obrigada pela dica. Vou atrás.

Ana Paula disse...

Luciana, que alegria lê-la depois de algum tempo e saber dessa retomada ao aceno do outono que se aproxima! Por aqui, Vale do Paraíba, o calor ainda se faz valer, mas dias atrás, numa caminhada com o cachorro, reparei folhas amareladas, muitas, atapetando a calçada. Está próximo, pensei.

Há uns seis anos li esse maravilhoso livro. Entrei em uma livraria e passando por entre prateleiras, magicamente, ele me encantou - o título, o tamanho acolhedor, alguma frase que li a esmo ao folhear, enfim, foi uma, ou melhor várias leituras cativantes. Reli outras vezes com o mesmo encantamento.
Um beijo!

Luciana Conti disse...

Oi, Ana Paula, imagino o outono em uma cidade menor, mais acolhedora. Uma delícia. Sobre o livro, bom saber do seu encanto. bjs

Unknown disse...

Lindo texto. Já li o livro é tive a oportunidade de conhecer a Teresa pessoalmente. Me encantei.