quinta-feira, 15 de março de 2018

A Marielle que habita em cada um de nós

Sempre achei que calor não combina com enterro. Talvez porque a maior parte dos meus parentes que se foi, se foi em dias quentes. Penso na morte e me vem logo aquele ar mortiço dos dias de verão sem vento, como se a angústia estivesse presa em uma panela de pressão. Penso no calor das capelas do São João Batista e na velocidade da decomposição de um cadáver no verão. Busco na minha memória cortejos simples, subindo a rua principal de Tebas, com seus paralelepípedos cobertos pelo vapor da pedra castigada pelo sol, que ocupavam o vazio dos dias. No cemitério, lá no alto do morro, não havia quem não sentisse falta de ar. Um ar negado mais pelo calor do que pelo incômodo causado pela morte.

Um calor como o de hoje. Um dia castigado por um sol inclemente que não nos dá conforto nem para chorar a morte. Não choro por nenhum dos meus. Choro por Marielle, a vereadora das margens que lutava por um Rio para todos, e por seu motorista Anderson Pedro Gomes, invisibilizado pelo forte significado da morte da parlamentar. Choro sozinha, em casa, onde permaneço cuidando de meu filho pequeno que sofre há dias com falta de ar. Uma falta de ar literal, que o angustia e assusta, assim como aquela asfixia metafórica que nos acometeu no instante da notícia da execução da vereadora.

Na Cinelândia, uma multidão vela Marielle e clama por justiça. São tantos os olhares que se encontram incrédulos com o rumo que as coisas tomam no Rio e no Brasil, que há mais dúvidas do que certezas. Estão todos ligados pelo assombro causado pelo recado surdo das balas que fizeram tombar Marielle e seu motorista. Até quando? Até aonde eles vão? Perguntam-se todos.

Marielle não viveu como heroína, apenas exerceu plenamente a condição humana de ser político. O que, então, a faz diferente de nós? Talvez o fato de ter exercido essa condição à moda antiga, sem pensar em todo instante nas urgências de seu corpo. Sem pensar somente em comer, beber, viver e evitar a morte. Um compromisso com o que é de todos que a fará eterna na lembrança daqueles que lutam, mesmo que sua vida tenha sido tão banal quanto a dos milhares de homens e mulheres que votaram nela.

As balas que a calaram foram as mesmas que a transformaram em heroína e mártir. Mas elas não foram dirigidas apenas a Marielle e a seu motorista, mas a todos nós, mulheres e homens de vida banal. O recado claro - manda quem pode, obedece quem tem juízo – não precisa ser levado em conta. Nós temos escolha. Mas para escolhermos o caminho de lá e ignorarmos aqueles que julgam mandar e exigem nossa obediência, precisamos olhar para Marielle pelo menos mais uma vez. Precisamos viver como Marielle, sem a pretensão de sermos heróis ou mártires, pensando menos em apenas comer, beber, viver e evitar a morte e mais em exercermos nossa condição humana.

Um comentário:

Unknown disse...

uma grande perca, as pessoas deveriam refletir mais sobre isso...



por- www.mulherparasempre.com