sábado, 11 de setembro de 2021
Eu e o menino da janela, outra vez
domingo, 18 de julho de 2021
O grito do menino para a menina que um dia eu fui
No prédio em frente ao meu, há um menino que com frequência se diverte gritando na janela. A distância que me separa dele me impede de ver seu rosto, mas posso sentir o seu corpo miúdo próximo a uma rede que o protege do abismo. É de lá, do alto, de costas para a rua principal, de onde é impossível avistar alguém, que ele grita. Gritos que não passam de grunhidos, de berros sem nexo, de mensagens ao léu. De cá, o ouço como se me chamasse, como se falasse à minha infância, ao tempo em que eu, como ele, me debruçava na janela da casa dos meus pais para gritar.
Meu grito, como o dele, era sem nexo e sem destinatário, era apenas um
grito para romper o tédio, sentimento incompreensível para as crianças. Eu
gritava mais alto e mais agudo que o menino que escuto hoje. Gritava e ria depois,
como imagino que ele o faça. Gritava e aguardava as reclamações dos meus irmãos
e a reprimenda da minha mãe que me davam a certeza de que meu grito era ouvido.
Ele rompia o tédio, ele movimentava a casa, ele me enchia de energia.
Não sei que efeito ele provoca no menino defronte a mim. Não sei
se tem irmãos, se a mãe dele o recrimina, se o castiga, sei apenas que ele
grita e repete seu grito. Um grito sem nexo, um grito potente, um convite à infância
que recebo aqui, como uma intimação. Vou para a janela e grito em resposta ao
menino. Ele para, ouve, faz uma pausa e novamente grita. Eu retruco com um novo
grito. Ele grita outra vez, modulando a voz para obter novos efeitos. Eu de cá
me esmero para emitir um grito diferente. Ele devolve o grito. Eu grito
mais uma vez, com medo de estar esgotando meu repertório.
O menino não para, seus gritos não acabam. Eu de cá, tentando renovar
meus gritos, me pergunto o que os vizinhos estarão pensando de mim, mas volto a me concentrar em meu interlocutor. O menino sabe de onde vêm os gritos que respondem aos seus.
Não vê meu rosto, como não vejo o dele, mas sei que pode perceber pelo meu
corpo que sou uma adulta, e parece não se inibir com essa constatação. Me
pergunto se minha adultez o confunde. Espero que não. Queria mesmo que meus gritos
sussurrassem em seu ouvido que a infância é possível, mesmo quando ela termina, como fazem os seus nos meus.