“2010 foi nosso ano leitor.” Estas palavras vindas de meu filho de nove anos me espantaram pela formalidade. Mas no conteúdo ele tem razão. 2010 foi o ano em que nos aventuramos por histórias de maior fôlego e criamos o hábito de ler em capítulos. Digo aventuramos e criamos por a literatura ser ainda uma experiência compartilhada na vida do Pedro. Literatura, vale ressaltar, e não leitura. Meu filho foi alfabetizado, como a maioria dos garotos, aos seis anos. Aos sete, também como a maioria, ainda lia com bastante esforço. Aos oito, sua leitura era cada vez mais fácil, mas ainda insuficiente para grandes voos literários. Mesmo hoje, com seus nove anos recém-completos, a literatura ainda é, com certeza, um caminho de inseguranças a ser percorrido. Talvez por isso, talvez pelo desejo de compartilhar estes momentos com ele, que eu ainda leia para meu filho. O Pedro é grande, eu sei. Mas sei também que minha voz, minha ternura e minha ajuda nos caminhos tortuosos das narrativas são essenciais para que ele tenha o que há de melhor na literatura - a fantasia. É ela quem lhe dá a liberdade de, ao fim da maravilhosa trilogia de Pippi Meialonga, de Astrid Lindgren, editada pela Companhia das Letrinhas e ilustrada por Michael Chesworth, deitar-se com os pés no travesseiro, como a menina criada na Suécia da década de 1940, e sentenciar: “A Pippi tem razão. Assim é muito melhor”. Em seu rostinho emoldurado por cabelos encaracolados, o mesmo ar sonhador com que a menina de sardas e tranças ruivas se despede de seu leitor. Proporcionar esta delícia a uma criança é o que há de melhor em contar histórias. Por isso, não tenho pressa em fazer com que ele leia sozinho. Sonho com o dia que o Pedro possa construir suas próprias pontes por onde a narrativa vai correr de encontro a sua emoção. Enquanto isso, vamos eu e ele trilhando os caminhos da literatura. Digo sem vergonha que, neste momento, meu orgulho não está em ver meu filho cumprir rapidamente suas fases, mas vê-lo amadurecer aos poucos como leitor, com a segurança e paciência que um dia serão essenciais para que ele possa vencer sozinho os desafios da literatura. Literatura se frui com esforço. Por enquanto, que o Pedro receba em uma bandeja de prata o prazer de uma boa história. Para mostrar que há muito prazer neste momento de esforço é que existem as mães e os mediadores de leitura. Que eu possa também cumprir este papel com o Antônio, meu caçula, que com seus quase quatro anos ainda está longe de ter seu ano leitor.
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
sábado, 12 de fevereiro de 2011
O prazer de ler histórias de terror

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Números, fantasia, afeto e talentos
Ler para dois filhos é um desastre. Pelo menos aqui em casa, com os universos do Pedro e do Antônio separados por cinco anos e dois meses. A confusão já começa na hora de escolher o livro. É lógico que o Antônio, com três anos e 10 meses, não consegue acompanhar as histórias do Pedro. Mas é tão certo, quanto ilógico que o Antônio não aceite que o irmão, de 9 anos, abrindo mão de seu desejo de escolher uma história, decida entre seus livros qual irei ler. Ele abre a boca, chora de escorrer lágrimas e bate o pé teimando ser seu direito escolher. Tento explicar ser justo que o Pedro, que vai ouvir uma história de pequenos, decida qual delas irei ler. Mas nada... Outro dia esta confusão durou alguns minutos até que o Pedro tentasse conquistar o irmão com a leitura de um dos livros que mais curtia nesta idade. Na verdade não é uma história. É uma brincadeira com os números e as mais básicas noções de matemática, como quantidade, tamanho, forma e semelhança. Os números, da coleção Os grandes livros da pequena ratinha, editado pela Editora Agir, proporcionaram ao Pedro vários momentos de prazer, com ele sendo desafiado a contar, a agrupar, a escolher entre grandes e pequenos, etc... Este sempre foi um interesse do Pedro, que é um excelente aluno de matemática e cumpre estes exercícios como quem completa um livrinho de passatempo. A matemática realmente o encanta. Sua felicidade entre as gravuras e instalações da exposição O mundo mágico de Escher, no CCBB, é um exemplo. Ele foi a primeira vez na sexta-feira, levado pelo pai de um amigo, e voltou ontem, dois dias depois, comigo, o pai e o irmão. Seu entusiasmo era flagrante. Ele corria pela exposição para mostrar ao Antônio o que mais o impressionara. Confesso que este interesse pela matemática, assim que foi ficando claro ainda no primeiro ano, me espantou. Eu, que fui uma aluna mediocre em todas as disciplinas de exatas, nunca acreditei poder ter um filho com estes pendores. Obra do pai, que é engenheiro e sempre explicou ao Pedro os mistérios da natureza. Por mais estranho que este mundo seja para mim, confesso sentir orgulho dos talentos do meu filho. Já o Antônio encanta-se mais pela fantasia e recusa, quase que sempre, os livros que não são de história. Ele não quer saber de bichos, nem de curiosidades, quer histórias. E não pode ser qualquer uma. Ele as escolhe. Mas, nesta noite, aninhado ao irmão, que tanto ama, curtiu a brincadeira dos coelhinhos (isso mesmo, a ratinha quase não aparece na história) com os números. Na segunda página do livro, já não chorava mais e se divertia contando e dando aos coelhinhos os nomes de nossa família ou de seus amigos para dar alma de personagens aquelas figuras fofas e anônimas. Eu dormi feliz ao ver meus filhos viverem com amor suas diferenças.
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Mais uma vez, outra vez....
Há muitos prazerem em contar uma história para uma criança. Um deles, com certeza, é acompanhar o pequeno leitor/ouvinte no desvendar da narrativa. Este desvendar, vejo com meus filhos, é muitas vezes lento e cumprido em várias etapas. A criança pede a mesma história várias vezes, ouve a mesma coisa à exaustão de quem lê, mas em cada uma dessas vezes descobre um novo significado naquela narrativa. Só isso explica como pode uma criança, como, por exemplo, meus filhos, cada um a sua época, aguentar ouvir todos os dias Os três porquinhos sem se cansar. O Pedro cresceu, fez nove anos, já é capaz de perceber com clareza os desafios que uma narrativa lhe propõe, mas ainda ouve histórias contadas pela mãe. Assim foi com Perde quem fica zangado primeiro, um reconto de Italo Calvino para a história do embate de um camponês com um ganancioso padre, colhida na tradição popular italiana. Eu conheci o livro, editado pela Companhia das Letrinhas, nas mãos da Sônia Monnerat, minha professora na UFF, e vi logo que ele tinha tudo para encantar o Pedro. A narrativa de Calvino tem tudo que uma história precisa para cativar uma criança: uma boa dose de fantasia e de humor. Estes atrativos, no entanto, não tornam a história fácil. A narrativa de Calvino não tem nada de simplória, como a origem popular do conto poderia supor, e o enredo propõe tramas engenhosas para os duelos do camponês com o padre. Para acompanhá-la é preciso prestar uma bruta atenção para, ao fim, perceber que Perde quem fica zangado primeiro é, na verdade, ganha quem for mais paciente e inteligente. Foi isso que encantou o Pedro. Mas esta percepção, a princípio, foi apenas uma intuição. Ele recorreu a mim e às ilustrações de Susanne Janssen, reproduzidas da edição alemã, para entender as sutilezas da narrativa e traduzir os regionalismos de uma Itália agrária. Estas descobertas, no entanto, foram um prazer enorme para ele. Há muito não o via vibrar tanto com uma leitura, como com este livro que ele me fez ler três noites seguidas. Que Calvino nos conte outra!
Assinar:
Postagens (Atom)