domingo, 2 de setembro de 2018

O cão que os meninos sempre quiseram ter

Chegamos no Porto, dia 16 de julho, depois de uma gostosa temporada em Lisboa, onde tivemos o primeiro e encantador contato com Portugal. No Porto, encontramos uma cidade diferente em tudo de Lisboa. No clima, mais quente; no colorido do céu e dos edifícios, mais cinzento; na geografia, mais plana; no desenho urbano, mais moderno; e na atmosfera, dominada pelos grasnados das gaivotas que sobrevoam a cidade todo o tempo, mais misteriosa. Uma cidade bonita, com bairros nobres de belas casas, sítios históricos bem preservados e animados, como a beira do Rio D'Oro, curiosidades, como a Livraria Lelo e a casa natal da poeta Sophia de Mello Breyner Andressen que, hoje, abriga a interessante Galeria da Biodiversidade, enfim, muita coisa bacana para ver e fazer. Mas Porto ficará em nossa memória como a cidade em que decidimos aumentar a família, com a promessa de que daríamos um cão para os meninos. Um cão sonhado por anos que fazia com que os dois, de tempos em tempos, voltassem contra nós, pais temerosos de assumir mais essa responsabilidade, suas baterias, com insistentes e suplicantes pedidos. Até que, um dia, no Porto, a estratégia deu certo. Não me lembro, confesso, como o papo começou. Mas eles, de olho comprido em todos os cães que viam na rua, passaram todo nosso primeiro dia de passeio na cidade mais preocupados em escolher uma raça e um nome para o cachorro que não tinham, do que com sua paisagem urbana e secular. A brincadeira foi ganhando um corpo tão robusto que, em alguns momentos, eles se esqueciam que nada daquilo era verdade e se viam certos de que o cão já era uma realidade, como se estivesse ali, unido a eles por uma guia e muito amor. O assunto dominou todo o dia, até quase nos levar a loucura. Em busca de paz, apelei.
- Antônio, vai escolher um livro pro cachorro - disse, enquanto fuçávamos as estantes da Livraria Lello. 
Surpreso com a sugestão, buscou a palavra segura do pai.
- Cachorro sabe ler?
- Sim - o Cadoca confirmou, vendo nessa resposta a possibilidade de se livrar da insistência do filho.
- Mas ele já nasce sabendo? - quis detalhes, enquanto folheava um livro na esperança de achar um que agradasse ao cão que não tinha.
Eu, que escolhia um livro, não consegui deixar de prestar a atenção ao diálogo mais do que improvável do meu menino com o pai e, depois de ver o empenho dele, quedei-me culpada por o estar enganando e confessei.
- Antônio, deixa de ser bobo. Você há viu um cachorro que saiba ler?
O muxoxo que se seguiu não conseguiu apagar de sua carinha o ar feliz de um dono de cão leitor. 

- Pô, eu tava acreditando - disse, escondendo um sorriso envergonhado.
E, sem se abater, continuou, em uma forte aliança com o Pedro, que sonha com um cachorro há mais de uma década, a acreditar que nos dobraria. Os dois falaram de tudo, prometeram tudo, imploraram tudo e, vencidos, foram deitar abandonando suas esperanças. Foi, então, que o Cadoca, com o coração de pai amolecido pelas súplicas, olhos vermelhos e olhares derramados para qualquer cão que aparecesse na rua, decidiu ceder. E, na cabeceira da cama deles, prometeu.
- Meninos, nós vamos ter um cachorro. Quando chegarmos no Rio, escolhemos a raça, tá bem?
O Antônio explodiu em lágrimas, as mesmas que corriam tristes e disfarçadamente minutos antes, e o Pedro vibrou como em fim de campeonato. A surpresa logo cedeu à euforia e os dois se abraçaram, rolaram na cama, comemoram e, por fim, dormiram sonhando com o cão que eles sempre quiseram ter. Aquele cão que povoou a infância deles por meio de livros, como o do Otto, bonecos de pano e simples e poderosas fantasias. Ela ainda não chegou, mas como o Pedro bem disse, é como se ele nunca estivesse estado longe de nós. 

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