sexta-feira, 24 de maio de 2019

Piedade pouca

Ao sair quarta à noite da PUC, universidade no coração da Zona Sul em que jovens burgueses pagam milhares de reais para estudar, passei por dois meninos ainda mais novos que os meus a vender balas. No fim da calçada, havia um rapaz preto e pobre deitado no chão a pedir dinheiro. Eu, como os outros, olhei para frente, como se em meu caminho não houvesse chão. Segui. Segui incomodada com a pobreza do outro, mas segui para a minha casa. Tomei banho para deixar a rua do lado de fora, jantei com os meus e dormi. Voltei ontem cedo para a PUC e, em meu caminho de ida, lá estava o rapaz, como se o tempo não houvesse passado, no mesmo lugar, com a pouca e rota roupa de antes. Ali, estava ele novamente a meus pés, com as pernas negras e os pés fortes esticados na calçada, como a formar uma barricada. Seus gestos continham a pressa dos que têm fome e o desespero dos que esperam por piedade. Ao ver-me disposta a abrir a bolsa e procurar por um trocado, o rapaz levantou as mãos em prece, como se saudasse um deus que dirigisse a ele sua graça, e, ao ver as moedas, abriu-as para receber tão acanhada piedade. Eram apenas quatro moedas. Quatro moedas que não somavam mais do que um real e cinquenta. Uma piedade tão pouca para gestos tão largos, que, ao dar as costas para ele e seguir em meu caminho, chorei. Apenas chorei. 
#LulaLivre 


PS: Posto a capa do conto A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen, por ele provocar em mim a mesma emoção que senti ao ver o rapaz que estava na calçada da PUC aos meus pés. Já falei disso aqui no blog, se quiser, clica aqui e volta lá.