
Outro dia, vi pela primeira vez uma manifestação clara de medo por parte do Antônio. Ele que sempre dormiu super bem, com sono pesado, sem pesadelos, estava custando a adormecer. Só percebi o que estava acontecendo, quando ele deu um pulo, assim que ouviu um barulhinho. Naquele gesto vi o medo. Como tínhamos assistido à tardinha
Mogli 2, o belo desenho do Walt Disney, perguntei se estava com medo. Com suas pouquíssimas palavras disse "é". Fui além e perguntei se era medo do tigre do Mogli, o terrível Sherikan. Ele disse novamente "é". O tranquilizei, dizendo que o tigre não viria à nossa casa e que eu e o pai dele o protegeríamos. Ouviu atento, arrumou o travesseiro e dormiu em seguida. Isso me fez lembrar o velho debate sobre histórias que metem medo. Quando era criança, meu pai não deixava ninguém contar histórias de bicho-papão para mim e meus irmãos. Ele dizia que eram histórias horrorosas, inventadas apenas para amedrontar as crianças e fazê-las obedientes e submissas à custa da insegurança. Posso até concordar com ele, mas em parte. Estas histórias foram por um longo tempo um meio de educar pelo medo crianças e adultos para os perigos do mundo. Mas eliminá-las do imaginário infantil não fará com que estes perigos desapareçam, nem com que elas não tenham medo. O medo está aí, no Antônio, de apenas dois anos, ou no Pedro, de 7 anos, e até em mim, burra velha, de 43 anos. Mas eles, aí que discordo do meu pai, têm a possibilidade de extravasar seus medos ao ouvirem histórias aterrorizadoras. Ainda mais, hoje, quando, nós adultos deixamos de acreditar nelas e, por isso, podemos contar a nossas crianças de forma lúdica e, assim, permitir que elas expressem seus medos. Por isso, o Pedro adora quando leio para ele
Bicho-Papão pra gente pequena, bicho-papão pra gente grande, de Sônia Travassos, com ilustrações de Jean-Claude Alphen, editado pela Rocco Jovens Leitores. O livro é um divertido glossário sobre os mais horrorosos bichos-papões do imaginário popular e ainda traz uma coleção de bichos-papões criados pela autora para livrá-la da brabeza de sua mãe. Uma delícia. Mas acho que isso não vale para os filmes infantis que abusam da tensão para atrair a atenção da garotada. O realismo das cenas, animadas ou não, submetem as crianças a uma tensão que elas não estão preparadas para sofrer. Por isso, resolvi evitar alguns filmes para o Antônio. Mas as histórias sempre valem a pena.