Meninos do mangue, de Roger Mello, editado pela Cia. das Letrinhas, foi um dos livros infantis que mais me impressionaram nos últimos tempos. A história da aposta feita pela Sorte e pela Preguiça e a prenda a ser paga pela perdedora é absolutamente envolvente. A gente começa e não quer parar. Mas, como a leitura era em voz alta para o Pedro, foi feita em capítulos. Assim, por algumas noites lemos as oito histórias em que a Preguiça, a perdedora - é claro, teve que contar para a Sorte. Nos dias de muito sono, o Pedro só aguentava ouvir uma. Mas, em alguns dias, o interesse vencia o sono e ele conseguia ouvir mais de uma. Todas elas são maravilhosas e criativas e têm a prosa de um autor original. Roger conta uma história única, que, claro, faz referências à tradição de nossa literatura popular e infantil. Mas, com certeza, ela tem a marca de Roger, no texto e nas ilustrações que criam um belíssimo jogo entre a Sorte e a Preguiça para contar para as crianças como é a vida no mangue. Um olhar quase antropológico, sem qualquer piedade pela pobreza de quem vive por lá. O Pedro aprendeu, com a Preguiça e a Sorte, que homens e crianças do mangue vivem de catar siri na lama e que separam o dia pelas quatro mudanças de maré. A história de como surgiram as marés alta e baixa, aliás, é genial e a minha preferida. Mais genial ainda é poder contar para meu filho uma história de um mundo tão diferente do nosso, um mundo feito de pobreza material e riqueza simbólica que, a prosa de Roger faz parecer natural, nos impedindo de sucumbir à piedade de quem não é como nós. Roger, com os meninos do mangue, deu a meu filho a primeira oportunidade de olhar o mundo de forma a relativizar as verdades sobre a felicidade. Por isso, viva
Meninos do Mangue, que rendeu a Roger, em 2002, o Jabuti nas categorias infantil ou juvenil e ilustração de livro infantil ou juvenil, além de prêmios da FNLIJ e da Fondation Espace Enfants, da Suiça. Viva Roger, que, com justiça, empresta seu nome à biblioteca infantil do Ceat (Centro Educacional Anísio Teixeira) e concorre ao prêmio Alma (Astrid Lindgren Memorial Award).