
Ele ia embora para cumprir o resto de sua jornada de trabalho e o jornal envelhecia na mão do meu pai e de seu primo. Passado o meio dia, o que as manchetes nos informavam já era notícia velha, sem serventia, e aquelas folhas enormes e sem refinamento iram servir à limpeza da casa ou ao embrulho de produtos que não exigiam grande higiene. Assim, aos poucos, sem me aperceber fui tomando gosto pelo jornal até que, um dia, me convenci de que estar nele seria uma maneira de participar da vida pública. Eu gostava de escrever e me sentia comprometida com a luta por um mundo melhor. O jornal me parecia o lugar certo para quem, como eu, queria denunciar as injustiças sociais na esperança de superá-las. Assim eu fiz. No derradeiro ano da Ditadura Militar, ingressei na Faculdade de Jornalismo da PUC-Rio certa de que estava saindo do meu mundinho para encontrar o mundo. Um mundo que imaginei possível de ser mirado da janela do prédio do Jornal do Brasil, por onde eu passava em todos os meus retornos ao Rio, e, por sorte ou capricho do destino, foi onde tive a minha primeira experiência em redação. Foi naquele prédio imponente, ancorado em frente ao porto, no início da decadente Avenida Brasil, que eu pisei pela primeira vez em um jornal. Era uma menina ainda, com minha maioridade recém-completa, quando a convite de José Carlos Monteiro, meu professor e então editor do Informe JB, entrei naquele salão enorme em forma de H e me deparei com o burburinho característico de uma redação de jornal. Um frisson produzido pelo tilintar das máquinas de escrever e pelo andar frenético de homens e mulheres para lá para cá, atendendo o telefone como se do outro lado da linha estivesse o presidente da República, o Chico Buarque ou o Pelé. Eles falavam alto como se não houvesse mais ninguém naquele ambiente, em que o tempo parecia acelerado e estranho a quem não estivesse ali. O que mais me impressionou foram os fios, muitos fios descendo do teto para as incontáveis mesas de trabalho. Eram materiais conexões com o mundo e, por isso, estar ali e não se imaginar em seu no centro era humanamente impossível. Essa centralidade a faculdade nunca me dera, nem mesmo insinuara e, ao longo
daquele primeiro ano de curso, fui me convencendo de que não mais me daria. Eu tinha pressa e me transferi para a faculdade de Sociologia e Política, onde o meu tempo pulsava com vigor. Vivíamos nosso dia a dia, nos corredores da PUC, como se o futuro dependesse de nós. Mas não. Eu continuava na borda, lutando para, como João Cabral de Melo Neto, habitar o meu tempo, para encontrar, como Octavio Paz, "a porta de entrada para o presente" e, assim, "ser do meu tempo e do meu século". Tempo que só experimentei de verdade em meu reencontro com o jornal, que aconteceria quase uma década depois do meu ingresso na universidade, com meu retorno à PUC e à faculdade de Comunicação. A porta que transpus para me sentir novamente no centro do mundo foi mais uma vez a do Jornal do Brasil, com sua redação, agora, silenciada pelo computador e diminuída pela arrastada crise que acabou definindo o fim daquele impresso que marcou a história da imprensa no Brasil. Ali, comecei minha carreira de jornalista, ali, aprendi quase tudo que sei de texto, foto, notícia e edição, ali, me senti finalmente habitando o meu tempo, o meu século. Habitando-o como eu podia, com todas as críticas e incômodos que ele me causava, mas habitando-o. O importante, como diz o poeta, era estar ali, enquanto ele ocorria, ao vivo. Foram doze anos de redação. Do Jornal do Brasil fui para O Globo e de O Globo para assessoria de imprensa. Mantive-me na política, razão da minha paixão pelo jornal, e, assim, continuei, mesmo de fora, a fazer parte do mundo das redações. Eu de um lado, repórteres de outro, todos a favor da notícia e eu, sempre, indo ao encontro do meu tempo. Mas o meu século acabou e veio outro, ainda meu, apesar de estranho tempo em que o jornal já não está mais no centro do mundo, em que o mundo não tem mais centro e todos, inclusive eu, vivemos nas bordas. Minha luta, agora, é para habitar as bordas e alargá-las na busca de uma entrada para um novo presente, um novo tempo, um novo século.